Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Veja


MAINARDI vs. LULA
Diogo Mainardi


O novo Dops


‘Sabe quem é Themis Lobato? Sabe quem é Marina Sotero? Sabe quem é Valéria
Godoi? Sabe quem é Demetrius França? Sabe quem é Edson Junior? Sabe quem é
Rodrigo da Cunha? Todos eles pertencem ao Dops lulista. Foram contratados pelo
governo para fazer a censura prévia dos programas de TV. O Dops lulista está
instalado no Ministério da Justiça. É conhecido como Dejus. Nos círculos
lulistas, a censura prévia ganhou outro nome. Agora é chamada de ‘classificação
indicativa’.


O lulismo reintroduziu oficialmente a censura prévia no Brasil em 9 de
fevereiro deste ano, por meio da Portaria 264, que regulamenta a classificação
indicativa dos filmes e dos programas de TV. O artigo 4º estabelece que a
análise das obras deverá ser ‘realizada previamente’ por analistas contratados
pelo Ministério da Justiça. Repito: previamente. Isso significa que, antes de
mandar um programa ao ar, a emissora de TV terá de negociar seu conteúdo com os
censores. Corta aqui. Corta ali. Muda acolá.


No momento, o Dops lulista pode contar apenas com seis censores: os seis
citados na abertura deste artigo. Eles têm entre 22 e 26 anos. Menos um, que já
passou dos 40. Uma das censoras acaba de se formar em pedagogia. Outra é
estudante de artes cênicas. Outro é administrador de empresas. Além dos seis
censores, o Dops lulista pode dispor também de uns estagiários da Universidade
de Brasília. A partir de agora, esse grupo passará a mandar em sua TV, decidindo
o que você está apto e o que você não está apto a ver.


A principal referência dos censores contratados pelo Ministério da Justiça é
o Manual da Nova Classificação Indicativa. Que de indicativa, aliás, não tem
rigorosamente nada. Ela é impositiva. De fato, os lulistas arrogaram-se o
direito de determinar de que forma e em que horário um programa poderá ser
transmitido. A emissora que desobedecer às ordens será denunciada ao Ministério
Público, que terá o poder inclusive de cassar sua concessão.


O Manual da Nova Classificação Indicativa define autoritariamente o horário
dos programas. Mas é bem pior do que isso. Ele define também o que é bom e o que
é ruim para os espectadores, avaliando os aspectos ‘positivos e negativos’ de
cada obra. Se o Dops lulista achar que um programa cumpre sua ‘finalidade
educativa’, com ‘respeito e estímulo à diversidade’, ele ganha pontos. Caso
contrário, perde. Uma cena de Jack Bauer dando um tiro no peito de um terrorista
árabe pode ser considerada mais imprópria do que uma cena de um cruel
latifundiário do Pará dando um tiro no peito de um sem-terra indefeso. Confie em
Themis Lobato. Ela sabe o que é melhor para você.


Lula é cria de Ernesto Geisel. Agora ele tomou o caminho inverso ao de seu
criador. Ernesto Geisel conduziu o Brasil a uma abertura lenta, gradual e
segura. Lula está conduzindo o Brasil a um fechamento lento, gradual e
seguro.’


RELIGIÃO & MÍDIA
André Petry


A igreja é chiclete?


‘Durante a visita do papa, trataram a Igreja Católica como chiclete,
puxando-a para todos os lados. Os católicos, enlevados com a presença do papa,
voltaram a defender o de sempre: que a doutrina da Igreja vire política de
estado. Puxando a Igreja para lá, condenam a camisinha, o aborto, o divórcio, o
casamento gay – e querem que suas condenações morais sejam válidas para todos os
brasileiros, e não apenas para os católicos. Chiclete para um lado.


Os que discordam disso tudo tentaram fazer com que a Igreja Católica deixe de
ser o que é – uma igreja, com seus dogmas e doutrinas, suas crenças e suas
verdades. Puxando a Igreja para cá, querem que ela autorize o aborto, libere o
uso da camisinha, aprove o divórcio, concorde com o casamento gay – para todos
os brasileiros e, inclusive, para os católicos. Chiclete para o outro lado.


Está tudo errado. Certo mesmo seria que, num estado laico e com liberdade de
culto, cada lado pudesse viver segundo suas convicções. Portanto, está certo o
papa quando defende a excomunhão de políticos que aprovam o aborto. O PPS chegou
a divulgar nota criticando a postura supostamente autoritária do papa. Não é
autoritária. O deputado José Genoíno, que começa a voltar à luz depois de ser
abatido pelo mensalão, acha que é uma posição intolerante. Também não é. É
apenas uma posição da Igreja Católica válida para os católicos. ‘O direito de
matar um inocente, uma criança humana, é incompatível com estar em comunhão com
o corpo de Cristo’, disse o papa. Eis a palavra do representante do Deus dos
católicos na Terra. É simples. Quem concorda vive segundo esses ensinamentos.
Quem não concorda tem o direito de rezar em outra freguesia ou de não rezar em
freguesia alguma.


O outro problema é quando o chiclete espicha para o outro lado – e a Igreja
Católica não se contenta em falar apenas ao seu rebanho. É contra o aborto?
Nenhum problema. Que oriente seus fiéis para que jamais o façam. Em vez disso, a
Igreja Católica quer que o estado brasileiro mantenha uma proibição legal que
atinge a todos… É contra o uso da camisinha, pois, segundo a clarividência
divina de dom Geraldo Majella, ela incentiva ‘a criança, o adolescente’ à
‘promiscuidade’? Nenhum problema. Peça aos seus fiéis, ‘a criança, o
adolescente’, que se abstenham de usá-la. Em vez disso, a Igreja Católica quer
que o governo brasileiro suspenda a distribuição de camisinha nos postos de
saúde para todos os brasileiros… Não gosta que os adolescentes ‘fiquem’, pois,
segundo a infinita elegância de dom Dimas Lara Barbosa, as meninas que o fazem
se comportam como ‘garotas de programa’? Nenhum problema. Basta orientar suas
meninas a não se comportarem como ‘garotas de programa’. O raciocínio vale para
tudo. Casamento gay, eutanásia, divórcio. Quando não é assim, fica parecendo que
a Igreja não confia na sua capacidade de convencer seus fiéis e precisa
transformar seus pontos de vista em obrigação legal para todos.


É sempre bom lembrar que a plena liberdade de culto, que a Igreja Católica
tão corretamente defende, contempla a liberdade de qualquer culto, inclusive
nenhum.’


TELEVISÃO
Marcelo Marthe


‘Vocês estão demitidos’


‘A novela Paraíso Tropical é uma espécie de prima pobre de The Office, o
seriado inglês que satiriza a rotina de uma empresa. Não se trata do primeiro
folhetim nacional a abordar o mundo dos negócios. Mas já se pode dizer que é
aquele que se lançou com mais elã nessa tarefa. O noveleiro Gilberto Braga
demonstra inclusive ter uma certa ‘agenda política’ sobre o tema. À frente do
Grupo Cavalcanti, a cadeia de hotéis que está no centro da história, encontra-se
o personagem cafajeste e casca-grossa vivido por Tony Ramos – a intenção,
segundo Braga, foi personificar um ‘empresário típico’. Mas é no embate entre
vilão e mocinho que a ‘mensagem’ da novela fica mais explícita. Os remédios
amargos da administração de uma empresa, como os cortes de pessoal, são
identificados com o mau-caráter Olavo (Wagner Moura). O herói Daniel (Fábio
Assunção), por sua vez, defende uma gestão mais ‘humana’. Essa visão para lá de
tolinha do ambiente corporativo passa também pelo gerente mimado Fred (Paulo
Vilhena). Com ele, procura-se mostrar que possuir títulos e dominar teorias não
são, por si sós, credenciais de um líder. Que um curso de MBA não substitui a
prática, ninguém duvida. Mas daí a comprar um lote de uísque falsificado sem
perceber que está sendo enrolado, só mesmo uma toupeira como o tal do Fred.
Nesse The Office à brasileira, o humor, como se vê, é involuntário.


Noveleiros de longo currículo, Braga e o co-autor Ricardo Linhares não
precisam ganhar o pão de cada dia numa baia de escritório. Tudo indica que
adquiriram seu conhecimento da ‘cultura corporativa’ de segunda mão, nos manuais
de auto-ajuda para executivos, por exemplo. O jargão do ramo tem sido explorado
fartamente. Olavo já falou em ‘remanejamento de pessoal’ e ‘otimização de
custos’. Volta e meia, saem da boca dos personagens termos como ‘terceirização’
e ‘custos operacionais’. O palavrório não disfarça, contudo, a falta de
familiaridade com esse universo, que fica patente naquelas reuniões de conselho
administrativo cheias de pompa e solenidade.


No fim das contas, o ambiente corporativo de Paraíso Tropical tem mais graça
quando desempenha apenas aquela função que sempre esteve reservada aos locais de
trabalho nos folhetins: ser um pretexto para explorar relações de poder e
permitir que os núcleos da trama se conectem. Mostrar o pessoal pegando no
batente é o de menos. Entre uma reunião enfadonha e outra, vêm os ‘negócios’ que
interessam: o sexo e a intriga. Há uma secretária alcoviteira e outra que se
joga em cima dos homens. E as cafajestices de alcova do personagem de Tony Ramos
dão um novo sentido à expressão capitalista selvagem. Há dez dias, Antenor
chegou atrasado a um encontro com clientes porque estava passeando de iate com a
amante e ainda pediu licença para resolver um último assunto com Fabiana (Maria
Fernanda Cândido) – dar-lhe mais uns amassos. ‘A doutora não deixa eu fechar um
negócio sem examinarmos o contrato ponto por ponto’, desculpou-se. No dia
seguinte, depois de ser flagrado pela mulher, ele não titubeou em mandar Fabiana
para a rua.


É o mesmo destino, aliás, que os executivos fajutos da novela mereceriam no
mundo real. VEJA pediu ao empresário Roberto Justus, apresentador da gincana O
Aprendiz, da Rede Record, que avaliasse os perfis do vilão e do mocinho. Ambos
quebrariam a cara no programa. ‘Não se pode ser radicalmente negativo como o
Olavo nem imaginar que a empresa é um clube de campo, como o Daniel’, diz
Justus. ‘Eu demitiria os dois.’’


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