Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Venezuela vive uma ‘ditadura mais sofisticada’

Desde meados de maio, quando a Justiça aprovou uma liminar que impediu 22 diretores de jornais venezuelanos de saírem do país por uma denúncia de suposta difamação apresentada pelo presidente da Assembleia Nacional (AN), o militar reformado Diosdado Cabello, o dono do jornal “El Nacional”, Miguel Henrique Otero, um dos acusados, realiza um périplo por ONGs, organismos internacionais e associações jornalísticas para denunciar o que considera “uma ditadura do século XXI”. Otero estava nos Estados Unidos quando os tribunais de Caracas confirmaram sua resolução e decidiu iniciar uma intensa campanha “para alertar o mundo sobre as gravíssimas violações que estão sendo cometidas na Venezuela”.

O diretor não sabe quando retornará e assegurou, em entrevista ao GLOBO, “que hoje existem 2.500 pessoas proibidas de sair do país pelo governo do presidente Nicolás Maduro”, além de 72 presos políticos. No caso dos jornais, todos foram alvo da denúncia de Cabello após terem reproduzido uma reportagem do diário espanhol “ABC” na qual um ex-chefe de segurança do presidente da AN o acusou de lavagem de dinheiro e de comandar um cartel de drogas.

O senhor teme voltar à Venezuela?

Miguel Henrique Otero – Vou voltar, ainda não sei quando.

O senhor teme ser preso?

M.H.O. – Este é um governo muito autoritário, que usa a Justiça como quer. Já fui acusado de magnicídio três vezes, e um juiz poderia ordenar minha prisão, sem exigir qualquer tipo de prova. No caso da denúncia por suposta difamação, uma juíza de Caracas aprovou uma liminar sem que fôssemos declarados culpados. Hoje temos 72 presos políticos e 2.500 pessoas que não podem sair do país. São manifestantes, pessoas que escrevem no Twitter. A única coisa que fizemos foi publicar uma denúncia que agora está sendo investigada por promotores federais em Nova York e Miami. Não dissemos que Cabello é um narcotraficante, apenas que está sendo investigado.

Hoje Cabello tem mais poder do que Maduro?

M.H.O. – Existem três famílias que governam a Venezuela: Maduro, Cabello e Chávez. As decisões são tomadas porque Maduro, Cabello ou algum Chávez manda.

Essas perseguições estão afetando a imagem do país…

M.H.O. – Sim, e o respaldo à dissidência é cada vez maior no exterior. Desde que Maduro reprime e viola os direitos humanos, o apoio à oposição cresceu.

O senhor está tendo muitas reuniões nos EUA?

M.H.O. – Estive com meios, autoridades do governo e organizações que defendem direitos humanos. O governo Obama está muito preocupado e defende uma solução democrática e eleitoral.

O “El Nacional” corre risco de fechar por perseguição e falta de papel?

M.H.O. – Chegamos a ter uma circulação de 150 mil exemplares e hoje estamos em 40 mil. Tínhamos 1.100 trabalhadores e hoje temos 350. Sobrevivemos pela solidariedade de outros jornais da região, como O GLOBO, “El Mercurio”, “La Nación” e “El País”, entre outros.

O senhor diz que a Venezuela vive hoje uma ditadura…

M.H.O. – É uma ditadura, todos os poderes públicos estão sequestrados, são cometidas violações dos direitos humanos, as decisões são autoritárias, é uma ditadura do século XXI, mais sofisticada do que as que conhecemos no passado.

As próximas eleições parlamentares poderiam equilibrar o poder?

M.H.O. – Uma vitória opositora seria importante, mas não mudaria tudo. O governo fortaleceu o Tribunal Supremo de Justiça e o usará para declarar inconstitucionais as leis que não aprovar. O desequilíbrio e autoritarismo continuarão.

Qual é a saída que o senhor vê para o país?

M.H.O. – A melhor saída seria que a crise obrigasse Maduro a renunciar e adiantar as eleições presidenciais, sempre com o respaldo da comunidade internacional. Mas não se pode descartar uma enorme onda de pressão popular que termine derrubando o governo. Já aconteceu muitas vezes na região e na própria Venezuela.

Qual é o horizonte para os próximos meses?

M.H.O. – Vejo um governo que está se contradizendo. Maduro não tem a liderança de Chávez, a crise econômica é uma catástrofe e o governo não muda o rumo. Pode acontecer qualquer coisa. Esperamos que seja uma saída negociada, sem violência. Mas eles estão levando isso a uma crise terminal que pode ser muito perigosa.

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Janaína Figueiredo é correspondente do Globo em Buenos Aires