Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Vida e morte no discurso da mídia

A morte é o destino de todo ser humano. Mesmo que laboratórios dos quatro cantos do mundo dediquem esforços e recursos bilionários para retardar o encontro com o fim da existência e que tenha se tornado possível adiá-la por períodos cada vez mais longos, ainda não há como escapar de sua prescrição. A morte continua soberana: é questão de tempo. A vida é um fenômeno finito.

Imortais todos seremos, em maior ou menor grau, na memória e no afeto de nossos familiares e amigos. Imortais todos seremos, em diferentes medidas, a depender do legado que deixarmos, da contribuição que fizermos para a nossa comunidade, a cultura e a civilização. Nosso corpo, entretanto, não foi feito para atravessar os anos sem decair e perecer.

Ainda que tal realidade seja suficientemente conhecida e constitua a única certeza que jamais foi ofendida, na maioria dos agrupamentos humanos a morte resulta quase sempre em surpresa, imenso pesar, terrível sentimento de perda e enorme saudade. É difícil conformar-se com a condição de seguir vivendo sem a companhia de pessoas da família, os entes mais queridos ou profundamente admirados.

Fórmulas de longevidade

A morte por motivo tolo ou fútil, por descuido, azar ou ‘obra do acaso’, provoca perplexidade. A morte violenta, causada por desastres naturais ou pela ação humana criminosa, é traumática, gerando inconformismo, revolta e desejo de vingança. A morte em conseqüência de dramas sociais como a fome, a miséria, o frio e o abandono deveria ensejar protestos políticos capazes de comover a sociedade civil e o Estado.

Pensar na idéia da própria morte causa ainda mais transtorno, já que contraria o instinto mais poderoso que a natureza animal impõe à conduta humana: o da sobrevivência. O tema, na maioria das vezes, é evitado e desencadeia uma resistência visceral.

A superação de tal angústia virá com menos ou mais facilidade de acordo com a ótica empregada para ver a vida. Crenças filosóficas, religiosas ou espirituais oferecem ensinamentos e explicações que amenizam o impacto sofrido pelos que ficam, criando uma estratégia eficaz para aceitar a morte. Ao longo da história, muitas sociedades conceberam mitologias para abordar o tema e atribuíram significados transcendentes ao ato de morrer, o que foi bastante útil para que elas seguissem adiante, cumprindo a missão permanente de organizar a sucessão das gerações.

Contra a morte, também apostamos com fé e devoção no progresso da ciência, objeto de culto fanático para milhares de pessoas. A ela é designada a tarefa de pesquisar as fórmulas da longevidade e da ampliação da esperança de vida.

Abordagem serena sobre o ciclo vital

O envelhecimento, por sua vez, precede a conclusão definitiva da jornada da vida e é o último caminho tomado pelos humanos antes de desaparecerem para sempre. A velhice é a vizinha mais próxima da morte. Envelhecer é chegar cada vez mais perto do fim.

Por tais razões, e por vir, muitas vezes, acompanhada de dores, debilidades e enfermidades, a velhice é temida, rejeitada e escondida, sobretudo na civilização ocidental. Mecanismos para detê-la ou afastá-la surgem de todos os lados. Diversos deles acabam por gerar enormes benefícios ao bem-estar das pessoas, o que merece aplausos. Em alguns campos da atividade humana, o engajamento em ações contra o envelhecimento é intenso.

A medicina trabalha freneticamente para chegar a procedimentos clínicos ou cirúrgicos que restaurem o ânimo dos corpos atingidos pela ação implacável do tempo. Os profissionais que se dedicam aos tratamentos estéticos, em particular, estão com os consultórios lotados e a agenda indisponível. A indústria farmacêutica se encarrega de acomodar em embalagens atraentes qualquer descoberta que acene com a mínima possibilidade de vitória sobre o envelhecimento. A indústria de cosméticos lança apelos freqüentes para apagar ou disfarçar os sinais considerados típicos da idade.

O ruim é quando a intenção positiva presente em cada uma das iniciativas mencionadas é substituída pela manipulação perversa do medo da morte, representado pelo horror ao envelhecimento. Tal atitude é desleal, pois explora talvez a maior das fraquezas humanas. O ideal seria incentivar uma abordagem serena, natural e verdadeira sobre o ciclo vital, que valorizasse todos os seus momentos e trabalhasse com o melhor de cada um deles.

Ficam reservadas as caricaturas

E os meios de comunicação, como retratam o envelhecimento?

Raramente, os conteúdos produzidos pelo jornalismo e pela publicidade para veiculação na mídia ousam algo diferente e se arriscam a contrariar o paradigma dominante. De modo geral, são conservadores e reproduzem a repulsa e o medo usados como estratégia pela maioria das pessoas para se comportar diante do envelhecimento. Em determinadas ocasiões, a mídia simplesmente se recusa a abrir espaço para o ‘envelhecer’, processo tido como desagradável e incômodo, que afugenta e assusta o público.

O jornalismo e a publicidade quase sempre se limitam a amplificar e a divulgar as atitudes vigentes no meio social sobre tais assuntos. São os arautos das novidades químicas ou tecnológicas que prometem preservar a mocidade e os responsáveis por definir a forma adequada de como devemos parecer, aos olhos dos outros e aos nossos próprios olhos, se quisermos manter distância de segurança em relação ao envelhecimento, considerado algo maldito.

Movida pelo jornalismo e pela publicidade de pobre reflexão, certa mídia prefere e exalta os tipos jovens, atléticos e vigorosos, como se estivessem exclusivamente concentrados aí os maiores potenciais do ser humano. Como se somente eles pudessem ser belos, saudáveis e sensuais. No entendimento de certa mídia, a beleza, a saúde e a sexualidade viraram patrimônio de uma faixa etária onde cada vez mais cabe menos gente.

Aos velhos, ficam reservadas as caricaturas. Sua humanidade é plana, rasa. Quase nunca são pessoas como as outras, sexuadas, bem dispostas, fortes e frágeis ao mesmo tempo. A idade avançada tem o poder de banir qualquer outra apresentação que se possa fazer sobre a sua personalidade.

Um poema inesquecível

Máquina de fabricar consumidores, a mídia comercial quase sempre elege um modelo de aparência física e performance corporal que deve ser alcançado a todo custo, sob pena de desterro social e psíquico. E para vencer tal desafio propõe a indispensável aquisição desse ou daquele produto ou serviço. A opção pela juventude é estratégica: ela é algo que perdemos pelo menos um pouco, inevitavelmente, a cada hora que passa. Efêmera, se esvai rapidamente por entre os dedos, escapa, some, deixando a marca indelével da nostalgia. Logo, cria indivíduos que sofrem de um profundo sentimento de inadequação. Saudosos, carentes e dispostos a comprar de tudo para recuperar o tempo que passou. Quem não quer descobrir a fonte da eterna juventude? Quem não quer parar os ponteiros do relógio e, assim, impedir a decadência e o fim?

Já o jornalismo e a publicidade de alta qualidade não amaldiçoam o envelhecimento. Pelo contrário, o consideram como parte do testemunho humano sobre a Terra. O jornalismo e a publicidade de elevado padrão são capazes de compreender a vida como uma bela passagem. Recusam os super heróis e os vampiros. Encaram o transitório, o vulnerável e o precário da experiência humana como as dimensões que definem sua infinita riqueza e sua maravilhosa complexidade. Para eles, é viável viver com alegria e auto estima elevada todas as fases da vida e é possível tratar o envelhecimento como uma etapa fascinante que integra a narrativa de nossa existência, sendo capaz, em alguns casos, de transformá-la em um poema inesquecível.

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Advogado, jornalista, mestre em Direito Internacional (UFMG) e doutorando em Direito Internacional (Universidade Autônoma de Madri)