Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Violência, criminalidade e responsabilidades da mídia

Há uma premissa errada no comentário ‘A violência e os jornais do Rio e de São Paulo‘  estampada em O Globo de 29/6 e reproduzida neste Observatório: a de que situações de violência como as do Complexo do Alemão, no Rio, ou do Morumbi, em São Paulo, sejam acontecimentos locais.


Isso corresponde a dizer que a questão do Hammas seja um problema local de Gaza. Na verdade, a ação da criminalidade nas principais cidades brasileiras está no núcleo do rompimento do tecido social de todo o país. Não condiciona, mas reflete de maneira extraordinária a bandidagem que se instalou em todas as casas legislativas, no judiciário e, em larga escala, nos mais altos escalões executivos – com impacto direto na economia, na cultura e na qualidade de vida da população.


O cidadão brasileiro presencia todos os dias atos de violência que desafiam a imaginação de roteiristas de Hollywood. Não se sente seguro onde quer que esteja. Isso não pode ser comparado a um engarrafamento de trânsito na Marginal do Tietê.


O próprio jornal O Globo, que tem feito boa cobertura sobre a escalada do crime no Rio de Janeiro, publicou no domingo (1/7) uma esclarecedora entrevista do governador Sergio Cabral a Dimmi Amora. Cabral diz que o Rio tem que escolher entre ‘o caminho civilizatório e o da selvageria’ e que o custo do estresse da guerra vale para qualquer área do estado, inclusive as mais nobres.


Se não fosse o governador do Rio de Janeiro, ele poderia ter dito que esse custo vai ser compartilhado por toda a sociedade brasileira – e estaria certo. Na entrevista, Cabral lembra que ‘ao longo das últimas duas décadas (…) houve um fortalecimento do crime organizado no Rio’. Isso também é verdade e se deve, por um lado, a uma ação organizada de governos populistas, que poderia ser comparada à ação dos próprios traficantes; e, por outro, à omissão da mídia que em grande parte se comportou como se nada de anormal estivesse acontecendo no país. Como se o crescimento da criminalidade não fosse muito diferente de um acidente de trânsito na Avenida Brasil: um mero problema local.


Extremamente grave


Entre as ações populistas desses governos, uma das mais perversas é justamente a de procurar atrofiar a cobertura do que está acontecendo, atribuindo o noticiário a uma campanha sórdida da mídia contra o Rio de Janeiro. A estratégia de reduzir o caos urbano a teorias conspiratórias de terceira categoria tem dado certo. Ela acabou enfraquecendo a disposição da mídia em ir mais fundo no problema, diluindo ainda a percepção da população sobre a cobertura que acabou sendo realizada.


E, no entanto, a verdadeira campanha contra o Rio consiste em incentivar o crime e a desagregação social que daí emana. Essa é uma especialidade da máquina que se instalou no estado desde os anos 1980, sob a complacência da mídia. A má notícia é que a sociedade se enxerga pelo que está estampado nos jornais, pelo filtro das lentes da televisão.


Um menino arrastado vivo por sete quilômetros no Rio, e outro que presencia a execução da mãe e pai em São Paulo, não podem servir apenas como base para a análise morfológica da cobertura dos jornais. O tamanho da notícia é sempre circunstancial, O papel da imprensa, não. Trata-se de informar a população sobre uma situação extremamente grave vivida pelo país. Uma situação de guerra, que mata mais do que as principais guerras do mundo; que é fratricida, e na qual os inimigos não vestem uniformes.


Informação responsável


Para essa conscientização a televisão exerce papel fundamental, por muitas razões: ela é o veículo eminentemente nacional e massivo; e a ela se atribui (até constitucionalmente) um papel educacional. Tal papel pode não estar na natureza do veículo, mas ele certamente poderia incorporá-lo. Não educando as crianças como as escolas públicas deveriam fazer, mas educando os adultos a olhar para os lados e entender o que está se passando.


Dimensionar a natureza do crime – seja o que é praticado nas ruas ou no Congresso, por exemplo – faz parte do papel educacional que a Constituição atribui à televisão e que é obrigação de toda a mídia. Retirar do contexto maior a carnificina que se instalou no Rio e em São Paulo, ou instalar a competição sobre de que maneira a mídia de um estado está cobrindo o outro é, na melhor das hipóteses, ser cúmplice do seu crescimento.


Ajudar o Rio não é votar no Corcovado. Às vésperas dos Jogos Pan-Americanos, a melhor campanha que pode ser feita pelo Rio é informar de maneira responsável o que está acontecendo do lado de fora das quadras de vôlei.

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Jornalista