Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Violência punk, policial e capitalista

A legislação em vigor considera crime a agressão e proíbe a pena de morte. Portanto, sob o ponto de vista legal, os punks que foram presos esta semana estão na mesma situação que os policiais que se sentem no direito de executar suspeitos. Mas a reação da sociedade às gangues de garotos e de policiais não é a mesma.


Quando dois ou três punks se envolvem num caso de agressão, a mídia dá uma atenção imoderada ao caso. Os jornalistas parecem ter uma predileção pela barbárie, tanto que a fomentam ao não mostrar as condições em que aqueles garotos se transformaram em punks violentos.


O ser humano é, naturalmente gregário, político, como diria Aristóteles. Vivemos em grupos. A solidão repugna tanto à nossa psique que o homem que vive isolado acaba fracionando sua personalidade para poder suportar a solidão através da conversação consigo mesmo. O filme O Náufrago (http://www.descobre.com/forum/showthread.php?p=6178) é uma belíssima representação desta nossa característica humana.


Personagem mimético


Nos mocambos, palafitas, favelas, cortiços e recantos miseráveis e degradados de nossas cidades, os garotos pobres criam seus grupos para poder tolerar a vida terrível que lhes foi reservada. Seguem, portanto, sua natureza. Mas há um problema: os punks não fazem parte da sociedade ou, com justa razão, sentem-se excluídos dela porque não podem consumir. A sociedade capitalista é centrada no consumo; então, além de grupos, os pobres punks da periferia criam seus próprios valores e passam a cultuá-los como se fossem bons e válidos. O resultado é previsível: quando grupos rivais entram em contato o conflito é inevitável.


O processo de formação destes grupos de punks é idêntico ao dos policiais homicidas que se sentem no direito de aplicar a pena de morte com a conivência de administradores, legisladores e juízes. Mas, ao contrário dos punks, os grupos de extermínio encontram aprovação social. A aprovação neurótica que o filme Tropa de Elite conseguiu em várias camadas da população é uma prova clara de que a sociedade brasileira está doente. Curiosamente, os brasileiros que desejam que o Capitão Nascimento se torne um modelo para os policiais de verdade, como o Luciano Huck e seus defensores, não percebem que o personagem é que é mimético.


Não sabemos ou não admitimos


Os norte-americanos despejam bombas ao redor do globo e acreditam que estão pacificando áreas degradadas. Nossa política externa não é baseada no uso da força. Mas nossa política interna tem sido bem parecida com a política externa dos gringos. Acreditamos que a brutalidade policial é a solução para as áreas degradadas. E por isto admitimos a violência policial e deploramos a conduta dos punks. Ambos os grupos cometem crimes, mas, como os norte-americanos, nós também não conseguimos parar de duplipensar. Assim, algumas condutas são consideradas ‘mais criminosas’ que as outras.


Aceitamos com naturalidade a degradação de nossas cidades. Mas não conseguimos conviver com os grupos sociais que se formam como resultado da exclusão da sociedade de consumo. Ao invés de tentar resolver o problema econômico-social das áreas degradadas, apelamos para o Capitão Nascimento enquanto grupos de extermínio já realizam, na prática, as torturas e execuções que são encenadas no cinema. Não são só os punks que estão doentes. Nós também estamos, mas não sabemos ou não queremos admitir.

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Advogado, Osasco, SP