A situação de insegurança instalada no estado de Santa Catarina desperta atenção nacional e perplexidade no Brasil do início de 2013 (Zero Hora – 18/02/2013 –“Em 20 dias, sobe para 111 o número de atentados em Santa Catarina” ). Isso acontece pelo fato que o estado catarinense seja uma das unidades federativas brasileiras entre aquelas com menores índices de criminalidade (homicídios especificamente) e melhores indicadores sociais (incluindo o “Índice de Desenvolvimento Humano” – IDH, perdendo apenas para o do Distrito Federal), variáveis cuja posição catarinense parece indicar melhor segurança pública [(portal Santa Catarina – “Ranking de Taxa de Homicídios: Santa Catarina tem a 2ª menor de Brasil”) e (Santa Catarina – Brasil – “Qualidade de Vida”)].
Ainda assim, várias cidades daquele pacífico estado foram palco, juntas, de mais de uma centena de episódios envolvendo o incêndio criminoso de transportes coletivos e de outros tipos de veículos. Diante de tal situação, Santa Catarina pode parecer nivelada com a “violência genérica” prevalente entre outras unidades federativas do Brasil, regiões reconhecidamente violentas historicamente (O Dia – 10/12/2012 – “Dois passageiros de ônibus morrem durante incêndio criminoso em São Paulo”). Mas pode não ser esse o caso…
“Criminalidade oportunista”
Uma “epidemiologia criminal” fica sempre prejudicada pelo fato de que não exista, de maneira clara e inequívoca, um modelo linear e direto de causa e efeito (causalidade “univariada”), capaz de explicar todos ou cada um dos diversos crimes. Diferentes teorias criminológicas, entretanto, buscam explicar as mesmas modalidades delitivas, enquanto já outras vertentes singulares supostamente tentam explicar modalidades delitivas diversas. Somado a esse cenário de ambiguidade, há que incluir as chamadas “variáveis interferentes”. Elas incluem fatores supostamente catalisadores ou inibidores do crime, caso da exclusão social, gênero e idade de potenciais criminosos, localização espaço-temporal do crime e, até mesmo, curiosamente, condições climáticas. A impunidade talvez seja a mais decantada variável de causalidade direta com a criminalidade.
No caso de Santa Catarina em 2013, extraordinariamente, um fator singular parece suficientemente saliente para explicar o referido surto de vandalismo envolvendo o incêndio criminoso de transportes coletivos e de outros tipos de veículos. Tal fator é a existência e respectivas ações de uma “facção criminosa genérica” que vem se articulando, com relativa liberdade e impunidade, de dentro do sistema prisional também de algumas outras unidades federativas (sabidamente violentas). Já teriam sido produzidos anteriormente cenários similares ao de Santa Catarina, com iguais resultados desastrosos para a segurança pública. O modus operandi dessa facção (ou de suas variações regionais), parece incluir, genericamente, ações de intimidação coletiva como incêndios, chegando ao extremo de “encomendar e fazer executar” o assassinato de agentes públicos que atuam direta ou indiretamente sobre o sistema prisional. Na relação simbiótica entre crime e terror, particularmente quando envolvendo o narcotráfico, a situação brasileira pode encontrar paralelo no precedente do que se convencionou chamar “narco-Estados” ou países com “Estados Esfacelados”…
Numa avaliação das supostas ações tipicamente deliberadas por uma facção ou vertente criminosa, há que ter em conta também o fenômeno chamado copycat, expressão anglo-saxônica de conotação com o fenômeno distinto (eventualmente produzindo iguais resultados…) da “imitação pela aprendizagem social”. Tal aprendizagem se traduz essencialmente pela imitação de ocorrências de um determinado fenômeno, incluindo o delitivo, criando uma espécie de “criminalidade oportunista” que se camufla sob uma situação genérica e mais abrangente.
Máxima antiga
Relembrando apenas uma de diversas teorias criminológicas aplicáveis, parece oportuno avocar a “Teoria da Opção Racional”, segundo a qual o ato de delinquir passa por avaliações lógicas de “custo versus benefício”. De conformidade com tal vertente da literatura sobre crime e violência, o potencial criminoso ponderaria o ônus eventual, vis-à-vis o comportamento delitivo praticado e exibido, decidindo racionalmente por delinquir (especificamente quando da possibilidade de impunidade) ou não, refreando ou exibindo tal comportamento de conformidade com a conveniência. E isso inclui, essencialmente, a possibilidade e respectiva avaliação de ser flagrado e preso. Antes de Santa Catarina, em outras unidades federativas, pode ter ficado parecendo que “valha a pena” incendiar transportes coletivos e/ou assassinar “os do povo” (função de antigas rixas e acertos de “velhas contas”), policiais, promotores públicos e magistrados. A simples dúvida sobre a impunidade em fazer isso pode fazer uma grande diferença…
Se realmente for percebida como verdadeira a sensação de plena impunidade, incendiar, agredir e matar terá passado a ser algo que “vale a pena”, independente de “contra quem, quando e onde”. Nada mais estará seguro, incluindo o que era seguro antes. Assim talvez fique explicada a razão do relativamente pacífico estado de Santa Catarina poder estar sendo comparado com os estados mais violentos do restante do país. Não apenas Santa Catarina, mas todas as demais unidades federativas poderão passar a ter potenciais criminosos efetivamente delinquindo contra tudo e contra todos.
Oportuno lembrar, portanto, não apenas aos catarinenses, mas a todos os brasileiros em geral, a antiga máxima de Syrus Publius (datada de mais de dois mil anos atrás): “Está mais resguardado do perigo aquele que permanece vigilante, mesmo quando já se sente seguro…”
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[George Felipe de Lima Dantas é professor, Brasília, DF]