Em 29 de setembro de 2009, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral entregou ao então presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP), o projeto de lei que ficou conhecido como ‘Lei da Ficha Limpa’. Uma iniciativa popular com mais de 1, 3 milhão assinaturas, cuja proposta era impedir a candidatura de políticos corruptos – os chamados ‘fichas sujas’ – já nas eleições de 2010. A proposição foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas, para indignação geral, parou no Supremo Tribunal Federal (STF) – ali, os ministros se dividiram quanto à sua aplicação nos pleitos daquele ano: cinco votaram contra; cinco, a favor. Faltava, portanto, a posição de mais um magistrado para desempatar a votação. Coube ao juiz Luiz Fux, indicado em 02/02/2011 pela presidenta Dilma Rousseff para ocupar a 11ª vaga do STF, definir o rumo dos políticos barrados pela Justiça Eleitoral.
Quem esperou de Sua Excelência um posicionamento favorável à aplicação da Lei da Ficha Limpa nas eleições de 2010, ficou decepcionado. O ministro votou contra as novas regras porque, em seu entendimento, nenhuma prescrição legal pode ser aplicada no ano em que for aprovada se não ‘agride o princípio da proteção da confiança’ (leia). Continuando, ele disse que a adoção da norma naquele ano vai de encontro ao artigo 16 da Constituição Federal, segundo o qual os novos princípios só podem ser empregados depois de um ano de sua vigência. ‘Com isso, políticos eleitos no ano passado que poderiam perder seus cargos com a aplicação da lei devem mantê-los’.
O que separa os cidadãos das instituições
Venceram os fichas-sujas? Para mim, sim. Não sou capacitado para escrever sobre o princípio que moveu o ministro Fux a votar contra a aplicação da iniciativa popular logo, mas que a sua decisão despertou em mim a certeza de que a decomposição moral que tomou conta da vida pública brasileira não tem prazo para acabar, isso despertou.
Vejo com tristeza (não só por causa da decisão do STF, mas pela impunidade que tomou conta do Brasil) que o país vai continuar ainda por muito tempo como o paraíso da corrupção graças às suas leis lenientes, incapazes de meter na cadeia quem de lá nunca deveria sair. Não precisa ser profeta para antever que por falta de uma legislação exemplar os contraventores vão se sentir encorajados a continuar roubando os recursos públicos, praticando nepotismos, superfaturando, fraudando eleições, envolvendo-se em mensalões, subornando, vendendo e comprando votos com vantagens pessoais, furtando em benefício próprio, e por aí vai. A impunidade é o mais perverso dos males que assolam a nação. À medida que os envolvidos em bandalheiras saqueiam os cofres públicos e contra eles a justiça não se faz, os que levam a vida trabalhando honestamente é que são castigados. A esses falta a proteção do Estado, casa para morar, escola decente para educar seus filhos, plano de saúde para suas famílias, aposentadoria que os ampare e lhes dê dignidade na velhice. Já passou do tempo de o Congresso Nacional (o lado sadio) rever alguns preceitos constitucionais e ajustá-los aos novos tempos, não só para barrar a carreira política de notórios malfeitores, mas também para diminuir a distância que separa os cidadãos das instituições do país.
******
Jornalista, Salvador, BA