Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O racismo à brasileira

Crédito: Notícias do Acre/Creative Commons 2.5 Brasil

O Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra — 20 de novembro — ainda causa desconforto e críticas por uma parcela da sociedade que reluta em dar voz para a população negra. Essa postura tornou-se algo freqüente sempre que os negros buscam a afirmação da própria identidade étnica, porém, visando a superação desses obstáculos, algumas reflexões são indispensáveis e nos ajudam a ampliar os horizontes para um debate promissor. Em primeiro lugar abordarei sobre a importância em manter viva a memória de Zumbi, e depois discorrerei sobre a Consciência Negra.

Os neoliberais, defensores da meritocracia e contrários às demandas das minorias, ao tentarem impor suas concepções de mundo, costumeiramente, recorrem a exemplos que ocorrem nos EUA. Ironicamente, faço uma comparação com os americanos, já que os neoliberais não revelam todas as realidades que lá acontecem.

Não é nenhuma novidade o racismo explícito sofrido pelos afro-americanos. A violência que os brancos os submetem não resulta em conseqüências punitivas na maioria dos casos; sob a ótica da justiça americana, observamos que é a cor dos indivíduos que determina o julgamento. Os afro-americanos são 13,3% da população e apesar de toda a opressão, o afro-americano Martin Luther King (1929-1968), um dos principais líderes do Movimento dos Direitos Civis e ganhador do Prêmio Nobel da Paz, é homenageado anualmente com direito a feriado nacional e inúmeras atividades que relembram sua trajetória.

No período escravagista brasileiro, dominado pelos brancos europeus durante quase quatro séculos, reinou a subjugação e a violência contra a população negra. Zumbi, nascido nesse período, exatamente em 1655, conquistou o posto de principal liderança do quilombo dos Palmares, localizado na Serra da Barriga — Pernambuco. Palmares foi sinônimo de liberdade, resistência e esperança; homens e mulheres escravizados que fugiam das fazendas, conseguiam reconstruir a humanidade violada pelas chibatas.

O quilombo sofreu inúmeros ataques a mando da coroa portuguesa que estava sedenta para capturar os fugitivos, mas com muita resistência por parte dos quilombolas eram derrotados. Entretanto, no dia 20 de novembro de 1695, Zumbi foi capturado e assassinado. Pelo legado de resistência contra os escravistas e a construção de uma vida digna ao seu povo, Zumbi dos Palmares tornou-se símbolo de combate ao racismo. Entretanto, como a sociedade brasileira ainda não se emancipou totalmente da colonização, pois mantém hospedado na mente os opressores escravistas, não reconhecem a comemoração de Zumbi dos Palmares tão importante ao ponto de torná-la feriado nacional. Os estados e municípios têm a autonomia para instituírem ponto facultativo ou feriado.

Martin Luther King, em 1964. (Foto: Nobel Foundation/Domínio Público)

Eis a ironia, nos EUA com uma população negra menor e o racismo explícito, Martin Luther King teve o justo reconhecimento; no Brasil, com mais da metade da população negra — segundo os dados do IBGE, os negros e pardos somam 54% — e o discurso da democracia racial, como difundiu o sociólogo Gilberto Freyre, não dão a Zumbi dos Palmares o legítimo reconhecimento. Conclusão: somos também um país racista, à brasileira; apenas usamos um verniz de democracia racial.

Diante dessas questões é urgente defender a Consciência Negra, pois a falta de compreensão histórica, aliada a mentalidade colonizadora, permite o menosprezo pelas exigências dos negros no país. Está muito claro que há uma produção de privilégios aos brancos que acaba fomentando na subjetividade a negação das demandas raciais, não permitindo que os lugares em que estão alocados sejam desconstruídos.

Está claro que abolição da escravatura não pôs fim ao racismo, ela manteve aberta a construção subjetiva de hierarquização dos indivíduos e isso acontece de forma estrutural. Se olharmos atentamente a nossa volta veremos que as posições sociais dos negros são de subalternidade. Existe uma quase ausência de pessoas negras atuando como juristas, professores universitários, engenheiros, médicos, entre outras posições sociais de status relevante.

Noutro sentido, constatamos a população negra ocupando cargos nos quais os rendimentos mensais não suprem às demandas essenciais para a sobrevivência, produzindo o alargamento da desigualdade econômica entre negros e brancos. Com o poder econômico inexpressivo, a população negra não consegue ter acesso à educação e saúde de qualidades, acabam fixando residências em áreas periféricas onde a violência é abundante.

O reflexo social é devastador. De acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Infopen, divulgado em 2016, há um encarceramento sistemático que atinge a maioria do povo negro, são mais de 60% encarcerados. O Atlas da Violência 2017 apontou que a cada 100 pessoas mortas no Brasil, 71 são negras; números que deixam clara a existência de genocídio da população negra.

Diante dessa exposição, a Consciência Negra têm o propósito de continuar desnudando o racismo entranhado na sociedade, a despeito das mudanças que ocorreram nos últimos anos, e produzir uma consciência de igualdade em direitos. No dia 20 de novembro, e não somente, convidamos a sociedade para pensarmos sobre a situação da população negra e como cada indivíduo pode contribuir para o combate ao racismo estrutural; o nosso problema não é somente comportamental, porém as denúncias em casos de preconceito e discriminação — quando constatados – devem ocorrer imediatamente. Devemos exigir políticas públicas e de Estado que construam um ambiente democrático, desconstruindo toda a situação de subdesenvolvimento social em que vive a população negra.

No entanto, isso somente ocorrerá se a parte interessada — nós, negros e negras — participarmos na elaboração dessas políticas, porque sob a condução da classe dominante os privilégios continuaram intocáveis.

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Ricardo Corrêa é especialista em Educação Superior.

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REFERÊNCIA
BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. MJ divulga novo relatório sobre população carcerária brasileira. Brasília. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/radio/mj-divulga-novo-relatorio-sobre-populacao-carceraria-brasileira>. Acesso em: 15 nov. 2017