Texto publicado originalmente no site Clareza & Coerência.
Palavras são poderosos instrumentos de arte, informação, conceitos e preconceitos. Muitas vezes ocultos por eufemismos, os preconceitos variam em escala, mas podem passar por inofensivas palavras. É o caso de supremacista. O vocábulo “saiu do nada” para as manchetes dos noticiários. Soa manso, macio, e, principalmente inofensivo — exatamente o oposto do que ocorre com seu sinônimo, racista.
Dos anos 1930 até a eleição de Donald Trump (2016), o termo estava confinado aos vocabulários político e acadêmico. Agora, com o acirramento dos conflitos raciais que o presidente dos Estados Unidos ajudou a promover, frequenta a mídia com regularidade. Segundo a ombudsman da Folha de S.Paulo, Paula Cesarino Costa, a palavra supremacistas foi mais usada na Folha entre 2014 e 2015 — apareceu mais nesse período do que “nos 60 anos anteriores”. Chegou à capa desse jornal no ano seguinte — em 13 de novembro de 2016, cinco dias após a eleição de Trump.
Os dicionários refletem essa mudança gradual: enquanto o Michaelis online nada registra, a versão eletrônica do Houaiss exemplifica o significado com uma frase reveladora do conteúdo encoberto pelo eufemismo:
“(brancos) supremacistas matam mais do que jihadistas, diz estudo.”
A adesão da mídia a supremacismo branco e supremacistas já provocou uma saudável reação. Em sua coluna (Folha de S.Paulo, 17/8/2017, pg. A6), Janio de Freitas rejeitou enfaticamente o uso de supremacista pela mídia brasileira:
Criada na universidade e injetada no jornalismo, a palavra “supremacistas” é filhote da atenuação de aparências. […] O sentimento e a ação anti-negros nos Estados Unidos são mais do que supremacistas. Seu nome é racismo. […] Supremacismo, além do mais, é palavra anti-jornalística — pela imprecisão, quando a precisão é possível; pela utilidade deformadora; e por sua hipocrisia.
Corretas e oportunas, tanto a argumentação de Jânio quanto a decisão da Folha de “adotar prioritariamente os vocábulos derivados da palavra ‘racismo'”, segundo Cesarino. No entanto, a questão é mais complexa. Na comunicação, o contexto é decisivo. Quando lemos e ouvimos “supremacismo branco” e “supremacista” somos imediatamente remetidos para Charlotteville; para o atropelamento intencional que matou uma pessoa e feriu 19; para os conflitos inter-raciais que o presidente administra mal; para a alt-right (alternative right, ou direita alternativa); etc.
Acho difícil substituir supremacistas por racistas, nessas circunstâncias. Escrever que quem organizou o evento de Charlotteville foi o líder racista Richard Spencer é menos preciso, neste momento, neste cenário específico. Racismo e racista serão empregados em situações mais genéricas.
A combinação de situações específicas com genéricas aparece, por exemplo, no site Fox 61, da rede de TV Fox News, que repercutiu a entrevista que o secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson, concedeu à emissora no último dia 27. Veja:
“Last week, a United Nations committee issued a warning to the United States about racism and hate crimes, saying US leaders had not sufficiently condemned white supremacy. Trump was widely criticized for his response to the racially motivated violence in Charlottesville, in which he said “both sides” — white supremacists and those protesting them — were responsible for the clashes that left one woman dead and dozens injured.”
Outro aspecto da questão é considerar, como a Folha de S.Paulo, ser “mais apropriado, em especial para a compreensão do público brasileiro, adotar prioritariamente os vocábulos derivados da palavra ‘racismo'”. Acho essa justificativa um tanto paternalista: aposto que a média de leitores da Folha se não sabe ainda, logo saberá qual o significado dos “neologismos” tratados neste artigo. É a tendência de toda nova palavra, expressão, conceito, gíria.
Supremacia branca e supremacista começam a integrar o vocabulário do brasileiro que lê jornal, ou acompanha o noticiário do rádio e da TV. Dificilmente cairão em desuso enquanto persistirem os conflitos inter-raciais e o avanço dos chamados “grupos de ódio”. Mas essas novas expressões podem e devem ser acompanhadas de racismo e racista nos veículos de comunicação preocupados em contextualizar fatos. Como faz o jornal El País e outras fontes de informação.
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Claudia Atas é jornalista no site Clareza & Coerência.