A Jornalismo Júnior, empresa júnior de jornalismo da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), o Centro Acadêmico de Políticas Públicas da UFABC (CAPOL) e os coordenadores independentes Ana Carolina Nunes e Felipe Teixeira Gonçalves, são os organizadores do São Paulo Sem Migué. Um projeto de checagem de fatos focado na Prefeitura de São Paulo com o objetivo de contribuir para a formação de futuros jornalistas e gestores públicos e qualificar o debate acerca das políticas públicas municipais. Na entrevista abaixo, feita por e-mail ao Observatório da Imprensa, Felipe Teixeira Gonçalves, um dos idealizadores da proposta, explicou como funciona o projeto.
Observatório da Imprensa – Como surgiu a ideia do portal?
Felipe Teixeira Gonçalves – A ideia surgiu a partir de um duplo diagnóstico. Por um lado, a cobertura jornalística de temas relacionados à gestão pública, em especial no âmbito municipal, costuma ser muito dependente de afirmações dos políticos e gestores, com pouco aprofundamento na análise dos dados disponíveis para verificar a veracidade das mesmas. Por outro lado, boa parte dos gestores públicos ainda têm dificuldade em pensar a transparência dos dados públicos a partir de uma perspectiva do cidadão que procura se informar sobre alguma política. A partir desse diagnóstico, pensamos em um projeto que pudesse integrar mais as áreas de comunicação e gestão pública, contribuindo com uma formação mais completa de profissionais nos dois campos.
Além disso, percebemos que estamos vivendo um descrédito generalizado da população em relação aos políticos e à política como uma esfera relevante para a solução dos problemas sociais nacionais. Nesse contexto, pensamos que uma iniciativa que contribua para o aumento da responsabilização dos políticos por suas afirmações e promessas, ao mesmo tempo que fornece ferramentas para que os cidadãos consigam compreender as ações e decisões da gestão, poderia fornecer uma contribuição fundamental para o exercício da cidadania e o fortalecimento da esfera pública no país. As Prefeituras se configuram como o nível de governo mais próximo aos problemas cotidianos dos cidadãos e, portanto, apresentam um potencial maior de se tornarem o espaço de reconexão entre a classe política e a população.
Quais os primeiros resultados alcançados?
Iniciamos as primeiras checagens a partir do vídeo de balanço de um 1 ano de gestão feito pelo ex-prefeito João Doria Jr. Entre as checagens já concluídas, constatamos, por exemplo, que o suposto déficit de R$ 7,5 bilhões deixado pelo ex-prefeito Fernando Haddad não existe. Essa informação é importante, pois o ex-prefeito Doria costumava se referir com frequência a esse dado para justificar decisões de sua gestão, como redução de investimentos. Também verificamos que o gasto de R$ 120 milhões com o autódromo de Interlagos, usado para justificar sua privatização, é falso e que, na verdade, o Autódromo gera lucro para a Prefeitura. Em breve sairão novos resultados checados.
Qual a maior dificuldade encontrada na implantação do projeto?
(F.T.) – O que mais chama a atenção é a dificuldade de encontrar os dados públicos necessários para verificar as afirmações. Nos últimos anos, a Prefeitura de São Paulo tem feito um esforço importante de aumento da transparência, porém ainda há muito o que fazer. Muitos dados só podem ser acessados via pedidos pela Lei de Acesso à Informação e na atual gestão estamos vendo alguns problemas nas respostas a esses pedidos. Mas entendemos que o aumento da transparência do poder público é um processo e acreditamos que iniciativas como o São Paulo Sem Migué contribuem para acelerar esse movimento.
Como a iniciativa de vocês se insere no contexto das agências de checagem que atuam no mercado?
(F.T.) – O São Paulo Sem Migué possui três características que o diferenciam das demais agências de checagem atualmente presentes no Brasil.
Em primeiro lugar, é uma iniciativa focada em uma esfera de governo específica, a Prefeitura de São Paulo. Do nosso conhecimento, há apenas uma outra iniciativa focada em uma Prefeitura, que é o Valongo, do Município de Cascavel – PR. As principais agências no mercado pretendem abarcar a política nacional como um todo.
Em segundo lugar, temos a formação como um dos principais objetivos, a partir do envolvimento de estudantes universitários dos cursos de Jornalismo, da ECA-USP, e de Políticas Públicas, da UFABC. Nesse sentido, nosso projeto é mais voltado para o interesse público, sem o objetivo de disputar espaço no mercado.
Em terceiro lugar, acreditamos que um grande diferencial do São Paulo Sem Migué seja a troca de conhecimentos entre profissionais que conhecem profundamente o funcionamento da gestão pública municipal, e os checadores, o que qualifica nossas checagens. Essa dimensão de integração entre dois campos de conhecimento nos parece ser inédita.