Nas últimas semanas, diferentes universidades federais brasileiras iniciaram seu retorno às atividades após uma greve que perdurou cerca de três meses, a depender da data de adesão de cada uma. As notícias e reportagens sobre o tema no jornalismo tradicional brasileiro, de modo geral, ativeram-se à divulgação dos fatos. As análises ficaram, em sua maioria, restritas às colunas ou veículos de nicho.
Esta característica é ainda bastante comum ao jornalismo mainstream brasileiro. Demonstra que apesar da defesa de valores em certos períodos, da crise da audiência, das críticas a tal modelo, esse jornalismo ainda finca suas raízes em modos de narrar e valores tradicionais, como o da objetividade. Não que a objetividade seja algo necessariamente ruim, como alguns críticos querem demonizar.
O problema, neste caso e em outros parecidos é que, deste modo, o jornalismo não necessariamente traz conhecimento, mas meras informações. Ademais, falha em perceber o posicionamento de valores que afirma defender, como o da democracia; pois, entre o que as universidades federais e públicas representam estão, de modo geral, a educação, a democracia e a valorização da ciência, qualidades que o jornalismo supostamente defende.
As universidades federais brasileiras são públicas, gratuitas e de qualidade. Qualidade de ensino muito acima da média das faculdades particulares e praticamente únicas na realização e avanço da pesquisa científica, apesar dos reveses últimos. Por serem gratuitas, garantem o acesso universal a pessoas interessadas e os sistemas de cotas e ações afirmativas tentaram corrigir o público discente majoritariamente elitizado de outrora.
Garantir educação e qualidade de forma gratuita e universal e ainda produzir ciência para o país nada mais é do que exercer democracia. Portanto, defender universidades públicas é defender a democracia. Mas alguns veículos talvez preferissem ver problemas nestas qualidades e aproveitar para criticar o governo ou os servidores públicos. Por sua lógica de economia liberal, talvez defendessem uma educação privada, a exemplo dos Estados Unidos sem mencionar que tal modelo é criticado, razão de crise econômica no país e, mais importante, exceção no mundo.
As universidades são, de modo geral, públicas e/ou gratuitas no Canadá, na Argentina, na Turquia, maior parte dos países europeus e na China. Ser universidade pública (gerida pelo Estado) não é sinônimo de gratuidade em alguns países. Porém, há taxas simbólicas e serviços inclusos, a exemplo de transporte e alimentação, na maioria.
Educação e ciência avançada são características de países com os maiores índices de desenvolvimento humano (IDH) e mais prósperos economicamente. O Brasil tem vergonha de sua pobreza, do seu analfabetismo total ou funcional, das taxas de desemprego. Defendem a educação mas, paradoxalmente, criticam seu financiamento.
A precarização da ciência brasileira foi o principal fator para a fuga de cérebros e a queda do interesse em pós-graduação no país. O primeiro foi inclusive alvo de política pública do atual governo. Um dos fatores que se somaram nas razões para o desencadeamento das greves, pois o Governo Federal, ao mesmo tempo que afirmava não ter verba para as universidades federais, queria garantir bolsas de altos valores para que pesquisadores brasileiros no exterior retornassem ao país.
Ao focarem-se apenas nos fatos em casos do tipo, veículos continuam seguindo premissas tradicionais do jornalismo e exercendo o que Strömbäck (2005) definiu como democracia procedural e Min (2018), entre outros, como democracia liberal, que produz um modelo de jornalismo do tipo informativo, em oposição ao participativo ou deliberativo. Discuti de forma mais aprofundada estes modelos em minha tese de doutorado. Ao fazer isso, o jornalismo também falha em ser uma forma de conhecimento e não segue o que Adelmo Genro Filho (1987) sugere em sua teoria quando afirma que, mesmo numa notícia, é possível trazer informações relevantes de um fato, tornando-a uma apreensão crítica da realidade.
Democracia é um exercício diário. Não é fácil, requer esforço individual e coletivo. É, como diria a popular expressão, “matar um boi todo dia”. O mesmo pode ser dito do jornalismo. Portanto, a defesa da democracia pelo jornalismo não se restringe à cobertura eleitoral ou à objetividade. É também defender o que a ela está vinculado, como educação pública, gratuita, de qualidade e produção de pesquisa científica. Tal defesa não é partidária. É democrática.
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Juliana Rosas é jornalista, doutora em jornalismo e pesquisadora associada do objETHOS