Antes de se matricular em um curso de graduação em Jornalismo, o estudante necessariamente se coloca em questionamento: por que estou escolhendo uma profissão cujo diploma não é obrigatório para o exercício da atividade profissional? O debate sobre a regulamentação da profissão de jornalista no Brasil e a consequente exigência do diploma costura os primeiros anos deste século.
Entre os que defendem a obrigatoriedade do diploma parece consenso que a formação acadêmica garante, ou deveria garantir, um nível mínimo de qualidade e eficiência profissional. Um jornalista diplomado não é um técnico, e tampouco um operador de sistemas tecnológicos. Um jornalista com diploma debaixo do braço é um questionador, um profissional que pensa, que reflete, um formador de opinião. Certa vez, Umberto Eco disse que o principal instrumento de trabalho de um jornalista é o seu próprio cérebro.
E como equilibrar então essa função social e política do profissional de jornalismo com os parâmetros comerciais que norteiam boa parte das universidades no Brasil? A mercantilização do ensino transformou o aluno em cliente. Compartilho e concordo com a ideia do professor Eugênio Bucci de que “a escola virou uma instituição de adestramento para o capital”.
Como formar, então, jornalistas cidadãos, com princípios e valores humanistas e com capacidade de reflexão sobre a realidade? A faculdade de Jornalismo deveria ser uma estrada para a emancipação do futuro profissional. Nós, professores, deveríamos valorizar o aluno que questiona, que propõe a mudança, que sai do lugar comum, que ousa, que voa. Mas não, nós, professores, temos preguiça de ensinar. Muitas vezes, ao olhar para o calendário, pensamos que é melhor aprovar a turma toda de uma só vez para não termos trabalho de aplicar exame, provas substitutivas e todo aquele processo que envolve um aluno que tira uma nota abaixo da média.
O MEC exige provas individuais. Se as formularmos no padrão Enade, ótimo. Tive em sala de aula excelentes resultados e avaliações ao propor uma prova diferente, que fizesse o aluno utilizar o conteúdo debatido em sala de aula como ferramenta para um novo conteúdo, dele mesmo, autoral, sem decoreba. O currículo de um curso de Jornalismo é vivo, mutável, se transforma ao longo de um semestre, de um mês, de uma semana e até, quem sabe, de um dia. Mas nós, professores, com a tradicional preguiça de Macunaíma, preferimos aplicar uma prova em grupo. Claro que escondemos da coordenação. Pensando bem, dá até para aplicar uma prova via e-mail. O professor manda para o aluno em um dia e ele entrega respondida no dia seguinte, pessoalmente, claro. E ainda assina a ata de prova, como se tivesse feito dentro da universidade.
Os alunos são a mudança!
Mas não podemos esquecer que fora da sala de aula o aluno ainda é visto como um cliente. O ensino universitário é um filão de mercado. O curso de Jornalismo precisa ser “sustentável”, a palavra da moda entre alguns burocratas que coordenam cursos sem nunca sequer terem tido uma experiência jornalística verdadeira, sem nunca terem pisado em uma redação. Ser “sustentável”, no jargão acadêmico, significa dar lucro. Cobrir os custos da universidade e, ainda assim, proporcionar aquela gordurinha extra, uns pedaços de bacon para engordar a ceia de final de ano.
A mercantilização do ensino de jornalismo no Brasil é um reflexo do mercado de notícias. Bom jornalismo é aquele que dá audiência na TV ou no rádio, que vende jornal ou revista, que extrapola as page views na internet. Bom jornalismo não é mais aquele que reflete, que faz pensar, que traduz a informação para o receptor/espectador/ouvinte/leitor. Formar um aluno que pensa é perigoso! Para que a universidade quer ter um cliente questionador? O aluno domesticado é valorizado. O professor também. Alguns colegas, domesticados, claro, trabalham até de graça. Olha só que bacana! É menos custo para a empresa.
Quando uma universidade decreta um plano de demissão em massa de professores como presente de Natal, eu não fico triste por mim ou pelos colegas demitidos. Eu fico triste pelos alunos! Uma frase do escritor Herman Melville me fez entender melhor a relação entre professor e aluno: “Não podemos viver apenas para nós mesmos. Mil fibras nos conectam com outras pessoas; e por essas fibras nossas ações vão como causas e voltam pra nós como efeitos.” O autor de Moby Dick certamente não conheceu Paulo Freire, o grande educador brasileiro que acreditava que a prática didática estaria conectada com a realidade, e não mais fundamentada no que ele chamou de educação bancária, tecnicista e alienante. Aquele tipo de relação professor/aluno em que um é o detentor do saber e o outro o ignorante que busca conhecimento.
Há três anos sou professor universitário em cursos de Jornalismo. Há três anos aprendo mais com meus alunos do que eles comigo. Aliás, até com os burocratas eu aprendo. E eles nem imaginam quanto! Há poucos meses ouvi de um desses que gostam de assinar e carimbar que “se o futuro da educação no Brasil está caminhando para a internet, por que manter ainda um professor em sala de aula?” Essa lição, aprendi! Aprendi que está errada! O ensino é uma prática que pressupõe uma relação humana, uma relação de troca.
Chego todos os dias em casa com a sensação de dever cumprido. Como jornalista e professor universitário, faço a minha parte. Tento fazer a diferença na vida de cada um dos meus alunos. Tento provocar a mudança, tento encontrar neles o caminho para a mudança. E os alunos são a mudança! Não acredito nos burocratas de carimbos e canetas. Mas acredito nos alunos, nos estudantes de jornalismo!
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Piero Sbragia é jornalista, documentarista e professor universitário