Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Como as escolas de jornalismo podem ensinar a verificação de fatos

Em novembro do ano passado, o professor de Jornalismo Jay Rosen escreveu um texto sobre as aulas que ele dá como parte de “pensar digital” em seu curso na Universidade de Nova York. Na metade do texto intitulado “Como estar informado sobre o que está mudando o jornalismo”, publicado em seu blog, ele incluiu um conjunto de práticas sob a rubrica “jornalismo aberto”.

O jornalismo aberto inclui a verificação do conteúdo criado pelo usuário, o jornalismo em rede, o crowd sourcing [informações coletivas e voluntárias] e as redes sociais como ferramentas jornalísticas. São as pessoas, antes tratadas como audiência, que agora estabeleceram uma relação fruttífera com o conjunto de profissionais envolvidos na produção de noticias – da busca de ideias, à identificação de fontes até o acabamento final.

Um ano depois, embora tenhamos assistido a alguns desenvolvimentos importantes nesta área – parcerias como a Escola de Jornalismo da Universidade da Cidade de Nova York trabalhando com a agência de notícias global Storyful e o programa Jornalismo+Design da New School –, muitas dessas ideias ainda não possuem uma base sólida nas faculdades de Jornalismo.

Foto Kris Krug , via Creative Commons

Foto Kris Krug , via Creative Commons

Técnicas de verificação mudam rapidamente

Numa pesquisa informal que fiz neste outono, perguntei a professores de jornalismo nos Estados Unidos e em outros países se eles, ou seus colegas, estavam ensinando a verificação de fatos e a avaliação de testemunhas oculares 1 como parte do ensino básico de seu currículo. De uma maneira geral, essas práticas são discutidas esporadicamente nas aulas e há pouca consistência tanto na forma quanto na frequência com que são ensinadas. Cerca de uma quinta parte das pessoas que responderam disse que seu departamento tinha um curso autônomo sobre verificação de fatos e testemunho ocular. A maioria das escolas disse que essas questões e práticas eram incluídas em outros cursos, que variavam de um nível inferior a um superior, da prática à teoria.

A reação à pesquisa foi insignificante e nada científica, mas com base nos resultados e nas entrevistas que realizei, é evidente que, embora muitos estudantes possam estar deparando com discussões sobre conteúdo criado por usuários [user-generated content – UGC], pouco estão conseguindo um treinamento profundo nos complexos desafios éticos e técnicos, assim como nas oportunidades da mídia baseada no testemunho ocular.

“Eu acho que o ensino é muito disperso”, disse Claire Wardle, diretora de pesquisa no Tow Center para Jornalismo Digital, da Universidade de Columbia, numa entrevista por e-mail. “Essas práticas não são muito disseminadas, mesmo nas redações. Portanto, talvez não seja surpreendente que não venham sendo ensinadas com consistência na maioria das escolas de Jornalismo.” Na realidade, segundo o professor Anthony Adornato, da Universidade de Ithaca, que respondeu à pesquisa, quase 40% das redes sociais adotadas nas redações locais de TV que ele estudou não incluem procedimentos de verificação de dados ou medidas preventivas.

Adornato acha que muitas redações e escolas de Jornalismo simplesmente não têm profissionais suficientes para ensinar verificação de fatos. “A falta de professores com experiência para ensinar esses temas é um obstáculo”, escreveu ele, num e-mail. “Os professores de jornalismo devem ficar atentos às mudanças em nosso currículo, mas também devemos ser suficientemente flexíveis para que nosso currículo contemple as práticas necessárias nas atuais redações.”

Na área da tecnologia emergente e sua intersecção com as redações, existem vários exemplos em que as universidades se propuseram para servir de importantes laboratórios de Pesquisa & Desenvolvimento para a indústria jornalística. Já vimos projetos que abordam questões inovadoras, como a mídia de aplicativos móveis, a realidade virtual e o uso de sensores. Entretanto, a maior parte do trabalho com mídia de testemunho ocular e verificação de fatos está enraizada na indústria, e não na academia. Foram redações com editorias de verificação de fatos, empresas como a Storyful e organizações sem fins lucrativos, como a Eyewitness Media Hub, que abriram caminho.

Claire Wardle acredita que isso se deve, em parte, à forma pela qual as ferramentas e técnicas de verificação das redes sociais vêm mudando rapidamente. “Você só percebe a dimensão destas ferramentas e técnicas quando você as vê na prática”, disse ela num e-mail. “As pessoas que o fazem, ou refletem constantemente sobre isso ou que têm interesse pessoal no assunto, compreendem a sua importância e a velocidade com que a verificação evolui.”

Mesmo que uma pessoa esteja fora das redações há apenas cinco anos, diz Claire Wardle, mudou tanta coisa que é difícil incorporá-lo ao desenvolvimento do currículo.

Onde encaixar a verificação?

As pessoas que responderam à minha pesquisa dividiram-se entre as que ensinam a verificação de fatos como uma prática enraizada em aulas de reportagem e os que a ensinam como uma questão de ética ou uma questão legal. No entanto, nas entrevistas que se seguiram, a maioria das pessoas concordou que a verificação não deveria ser enquadrada em nenhuma das opções.

Richard Sambrook, diretor do Centro para Jornalismo da Escola de Jornalismo de Cardiff, descreveu a verificação como “uma prática fundamental da reportagem moderna e do jornalismo […], uma prática necessária a todos os jornalistas”. Na escola de Cardiff, disse Sambrook por e-mail, a verificação é ensinada na produção básica de reportagens e os estudos de caso de testemunho ocular e conteúdo criado por usuários [UGC] são usados nos cursos de ética e de Direito. Charles Glasser ensina verificação e reportagens nas redes sociais como parte de seu curso para reportagens de revistas, de Direito jornalístico, no Centro Arthur Carter para Jornalismo na faculdade da Universidade de Nova York. “Eu digo aos repórteres: ‘Você não pode publicar o que não pode provar’,” disse-me por e-mail. “Onde a maioria dos professores de Direito jornalístico ensina como ‘sair impune’, eu prefiro dizer que o bom jornalismo é a melhor defesa.”

A verificação de fatos e a mídia de testemunho ocular deveriam ser ensinadas como práticas de reportagem ou como questões de ética? Anthony Adornato alega que onde quer que o conteúdo criado por usuários e a verificação de fatos sejam ensinados, isso não se deveria resumir a uma única aula. “Aprender a ser um jornalista tem tudo a ver com repetição”, escreveu ele num e-mail. “Os estudantes deveriam ser apresentados a estes conceitos no início de sua educação em jornalismo e deveriam ser consistentemente integrados a outros cursos de jornalismo. Esse tipo de abordagem é particularmente importante se levarmos a sério a preparação dos jornalistas que pretendem entrar para a indústria.”

Como poderiamos visualizar o entrelaçamento da verificação de fatos ao curriculo das escolas de jornalismo para que ocorra o tipo de repetição que Adornato descreve ? Dan Gillmor, professor da Universidade Estadual do Arizona, enviou uma opinião: “Acho que seria sensato inclui-la nos cursos básicos de reportagem, de forma a que se tornasse tão enraizada quanto possível. Um curso de ética provavelmente iria abordá-la a partir de ângulos como confiança e segurança de testemunho (entre outros). Um curso de Direito iria, evidentemente, focalizar os aspectos legais (que têm relação com os éticos), enquanto um curso de reportagem provavelmente se prenderia aos aspectos práticos do como, onde e quando pode ser feito.

Como ajudar a ensinar a verificação?

Se, como Claire Wardle descreveu acima, quem mais se empenha na verificação são as pessoas que a praticam nas redações que a adotam no trabalho diário, então, parte da solução para ajudar as escolas de Jornalismo a expandirem o ensino da verificação tem que ser através das pontes que ligam a indústria à academia. Em nossa troca de e-mails, Anthony Adornato disse que adoraria ver “mais cooperação entre as unidades de redes sociais da organização jornalística e os programas de jornalismo”.

Foto Elena Olivo, NYU Photo Bureau / via creative Commons

Foto Elena Olivo, NYU Photo Bureau / via creative Commons

Quase todas as outras pessoas que me responderam disseram que as universidades precisam de mais estudos de caso que possam usar com seus estudantes. Estes estudos de caso se apresentariam de duas maneiras: (1) problemas que eles podem resolver; e (2) problemas em que eles possam estudar como outras redações os resolveram.

No primeiro caso, Claire Wardle destaca que “para que as pessoas aprendam essas técnicas, elas têm que as por em prática, mas é difícil ensinar essas práticas quando você não dispõe de estudos de caso sistematizados, através dos quais você sabe que os estudantes serão capazes de trabalhar satisfatoriamente”. Para fazê-lo, o corpo docente necessita estudos de caso que os estudantes possam esclarecer. No entanto, também é útil ver se as questões de verificação se esgotam numa redação concreta; portanto, o corpo docente procura redações que documentem esses processos e questionem o que funcionou e o que não funcionou.

Muitos dos professores com quem conversei usavam o Manual de Verificação gratuito e o consideravam um recurso importante. A criação desse tipo de estudos de caso e as posteriores conexões com redações e salas de aula são metas da First Draft Coalition, mas é igualmente importante ouvirmos as preocupações e práticas tanto das redações quanto dos acadêmicos para encontrarmos soluções viáveis e de ampla aplicação industrial.

Nosso site estará lançando proximamente vários recursos e manuais de instrução para quem queira enfrentar essas práticas. Se você tiver sugestões sobre como o First Draft pode contribuir para expandir e apoiar o ensino da verificação de fatos, ou tiver interesse em que o First Draft faça uma vista à sua universidade ou desejar compartilhar estudos de caso de sua organização jornalística, envie um e-mail para nosso secretário de redação, Alastair Reid.

***

Josh Stearns é diretor do projeto de jornalismo sustentável da Fundação Geraldine R. Dodge e professor visitante da Universidade de Massachusetts

1 N.R. A expressão testemunha ocular é usada nas escolas de jornalismo dos Estados Unidos para identificar narrativas feitas por pessoas que testemunharam um fato diretamente, sem o recurso a intermediários.