Kamala Harris começou o primeiro – e, quiçá, último – debate presidencial com o pé direito, ou melhor, com a mão direita. Antes de iniciar o confronto contra Donald Trump, transmitido pela ABC News na noite desta terça (10), a democrata fez questão de atravessar o palco e apertar as mãos do adversário republicano, um gesto que, em tempos sombrios de polarização extremada, dá um respiro à população estadunidense, cansada do baixo nível das discussões políticas dos últimos anos.
Até Trump pareceu estar surpreso com o ato, já que o magnata é conhecido pelos seus apertos de mão de ‘macho-alfa’, utilizados para intimidar os cumprimentados e se impor diante deles. O tradicional aperto de mãos entre candidatos republicanos e democratas à Casa Branca não acontecia desde 2016, quando a democrata Hillary Clinton disputou contra o magnata laranja e saiu perdedora.
Harris impressionou a todos com sua habilidade argumentativa e domínio de temas. A ex-procuradora fez questão de ressaltar que não era Joe Biden, muito menos Donald Trump, a quem ela faz questão de categorizar como antípoda por ser um condenado pela justiça.
Havia uma preocupação dos democratas com o desempenho da vice-presidente pairando no ar, principalmente após uma entrevista fraca que ela concedeu à CNN ao lado de Tim Waltz, seu candidato a vice, e da divulgação da pesquisa realizada pelo The New York Times em parceria com o Sienna College, que mostrou que 28% dos americanos sentem necessidade de conhecer mais sobre a candidata, enquanto apenas 9% dizem o mesmo sobre Trump.
A democrata zombou do fato de Trump ficar fantasiando ao citar personagens fictícios em seus comícios, como Haniball Lecter, e que isso fazia com que as pessoas saíssem no meio dos seus eventos por serem “chatos”. Harris também tirou o republicano do sério em diversos momentos, um deles ao afirmar que ele foi “demitido por 81 milhões de americanos”. Além disso, Kamala criticou a origem rica do empresário, a “herança maldita” deixada pelo governo dele, trouxe à tona o histórico criminal do adversário e disse que líderes políticos mundiais riem dele.
Trump, por sua vez, não mostrou nada de novo. Patinou nos temas, deu respostas confusas e lançou mão das suas velhas práticas de espalhar desinformação, como a de que imigrantes haitianos estavam roubando e se alimentando dos gatos e cachorros dos americanos moradores de Springfield, cidade de Ohio, além de afirmar que venceu as eleições de 2020.
Todas as falácias foram desmentidas simultaneamente pelos âncoras da emissora, David Muir e Linsey Davis, o que enfureceu o candidato, mal-acostumado com a passividade e reticência dos âncoras da CNN em seu debate contra o presidente Joe Biden, realizado em junho, que sepultou de vez a candidatura à reeleição do democrata.
Foi unânime a opinião de que Kamala Harris venceu o debate. Para citar alguns dos veículos jornalísticos mais famosos dos Estados Unidos: o The New York Times trouxe no topo de seu site o título da análise “In Fierce Debate, Harris Baits a Defensive Trump” (“Em um debate quente, Harris cutuca um Trump defensivo”). Já o The Washington Post optou pelo título “Harris dominated Trump in the debate, but tight race is still ahead” (“Harris domina Trump no debate, mas ainda há uma disputa acirrada pela frente”). “Donald Trump Had a Really, Really Bad Debate” (Donald Trump teve um péssimo debate) foi a escolha da prestigiosa revista The New Yorker. A Time já ilustrou seu site com uma capa cuja imagem é a de Donald Trump tentando subir uma mini ladeira num carrinho de golfe, olhando para trás, aparentemente sem qualquer sucesso, com a frase “In Trouble” (“Encrencado”/“Em apuros”) ao lado.
E a vitória de Kamala Harris não parou por aí: logo após o fim do confronto, a cantora pop americana Taylor Swift anunciou seu apoio à candidatura da democrata. Swift, que é reconhecidamente um fenômeno mundial e ícone da indústria da música, postou em sua conta do Instagram uma foto com seu gato Benjamin, que estampou a capa da Time que a definiu como personalidade do ano de 2023, e escreveu que Kamala “tem pulso firme, é uma líder nata e eu acredito que a gente possa conquistar muito mais neste país se nós formos liderados pela calma, e não pelo caos”.
A cantora aproveitou a publicação para mostrar sua preocupação com a imagem falsa dela endossando a campanha de Trump, geradas por meio de inteligência artificial (IA), que o republicano compartilhou em seu site. Ela ainda cutucou o candidato à vice-presidência de Donald, o senador de Ohio J.D. Vance, ao assinar o texto como “Childless Cat Lady” (mulher sem filho e com gato). Em 2021, Vance criticou, em uma entrevista ao canal FOX News, os democratas dizendo que eram todos “um bando de mulheres e sem filhos, miseráveis com suas próprias vidas”.
A estrela dos palcos tem hoje 283 milhões de seguidores no Instagram. Há expectativa de que o post da cantora estimule, principalmente, o voto do eleitorado jovem. O apoio dela já era esperado pela campanha de Harris, vide seus posicionamentos políticos desde 2018 a favor dos democratas, que, de acordo com o site Vote.org, estimularam o aumento de registro de novos eleitores nos últimos anos.
A ver os efeitos da vitória de Kamala no debate e do endosso de Swift à sua eleição nas próximas pesquisas.
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Laura Santos Lopes é jornalista em formação pela Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design (FAAC) da Unesp de Bauru, membro do Núcleo de Pesquisa de Direito à Comunicação (NUPEDIC) e grande entusiasta de temas ligados a política, economia, relações internacionais e direito.