Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

50 tons de Temer na Dinamarca tupiniquim

“Estamos num lamaçal”, Álvaro Dias (Podemos), ao entrar nos estúdios da TV Record para o último debate no domingo 30/9, explicou à imprensa em uma frase porque quer ser presidente. Vestia, como a maioria dos candidatos, terno escuro sobre camisa branca e gravata azul, e demonstrava irritação e cansaço.

Geraldo Alckmin (PSDB) veio atrás ainda mais esgotado e com voz baixa, lembrando apressado, “temos uma semana, é o que falta.”

Henrique Meirelles (MDB) chega, e com a dicção difícil mesmo depois das aulas de fonoaudiologia, se apressou a dizer que não havia sido procurado por Haddad nem por Bolsonaro para “salvar” o Brasil como sugere sua propaganda com o refrão “chame o Meirelles”. Mas, considerou, a partir do segundo turno “vamos conversar”.

Fernando Haddad (PT) quebra a sisudez do terno com uma alegre gravata vermelha de bolinhas brancas e o sorriso tranquilo garantido pelas pesquisas, embora afirmando “calma, não há nada consolidado sobre primeiro ou segundo turno”.

Marina Silva (Rede), com colar de osso e detalhes étnicos na roupa discreta, ao lado do vice Eduardo Jorge, avisou “estamos na corrida para ser uma porta de saída e para levar a democracia ao lugar dela”. Faz com as mãos o gesto do coração, fala em esperança e pede para o eleitor não entrar na canoa furada de trocar a liberdade pela segurança nem votar pelo medo.

É o Cabo Daciolo (Patriota) o mais espalhafatoso chamando Deus e dizendo que, ao apoiar Bolsonaro, o bispo Edir Macedo vendeu a Igreja pelos votos. Para provar ser iluminado atira o celular no chão e mostra, “não quebra, Jesus está comigo, entrei nesta campanha de forma sobrenatural e serei o próximo presidente, pode aguardar”.

No debate de mais de duas horas de duração o que se viu foi ataque cerrado de todos contra Haddad e Bolsonaro, o ausente mais presente. “Quem é Lula para você”, Daciolo aperta Haddad que começa a explicar “o maior presidente da história do país”, mas o cabo contesta. “Lula é um grande líder que se corrompeu no caminho para os banqueiros, escravizou o povo, e você tem muito a aprender para virar líder”.

Agora Meirelles bate em Bolsonaro na pergunta a Ciro Gomes (PDT) “nenhum país democrático tem um Bolsonaro candidato, e aqui ele ainda ganha”, e Ciro reforça, “nenhum país do mundo suportaria a hipótese que se avizinha” e pergunta o que Marina acha de um candidato que não reconhecerá o resultado das urnas se for perdedor.

Marina aproveita para dizer que Bolsonaro parece forte mas “amarela, e amarela muito”, e pede que o eleitor não vote entre a cruz da corrupção (PT) e a espada da violência (Bolsonaro), e pergunta o que Álvaro Dias pensa do voto útil. “É a marcha da insensatez”, responde o candidato, estão todos de acordo já vislumbrando um embate no segundo turno entre Bolsonaro e Haddad, o resto de fora. Agora, resta bater.

Alckmin ridiculariza, um país que não tem trens, estradas ferroviárias, nem trem bala, “tem a estatal correspondente, está aí, junto com a TV do Lula, temos de fazer a reforma do sistema político já”. Álvaro Dias engata, “bastião de negócios, aparelho do estado, loteamento de cargos, os oportunistas já estão se posicionando”… Guilherme Boulos (PSOL) entra na briga de camisa lilás sem paletó, dizendo “ele, não”, e criticando o lobby dos planos de saúde que lucram milhões e os deputados que, aliados a eles, nunca apoiam o SUS. Joga a pergunta para Daciolo, que desmascara os candidatos:

“Vocês são todos amiguinhos, daqui a pouco vão jogar uma partida de vôlei, o PT e o PMDB são um casalzinho que pegou milhões do BNDES e investiu na Venezuela. O PT ficou 13 anos no poder e deixou 14 milhões de desempregados”. Boulos reage, ‘ eu não faço parte desse grupo de amigos’ e questiona Haddad sobre a aliança com o ex presidente do Senado Renan Calheiros e o atual, Eunício Oliveira, envolvidos na lava-jato. Haddad se defende, mas Boulos e Ciro Gomes não engolem, Haddad reforça os 20 mil empregos que o PT criou e as vagas universitárias que aumentaram na sua gestão como ministro da Educação. Meirelles mete a colher dizendo que vai por em andamento as 7400 obras que o PT deixou paradas e criar milhares de emprego, aumentar o Bolsa Família, mandar crianças para as creches… todos sabem muito bem o que fazer.

Mas Marina avisa “a política é uma das coisas mais importantes na vida de uma pessoa, atenção, é um ato de servir”. Cabo Daciolo, referindo-se aos parceiros atacados, “a quadrilha está identificada” ,e Álvaro Dias “estou impressionado com a o espetáculo que assistimos, temos aqui ex- ministros de um país que nunca vi, ex-ministros do governo da corrupção – corrupção na Petrobrás, roubalheira em Pasadena no Texas– todos falando como se fossem ministros da Dinamarca…”

Haddad quer reagir, não lhe dão a palavra mas Ciro ainda alfineta e quer saber como, se o presidente não tem esse poder, Haddad promete uma nova Constituição. “Tem de explicar isso explicadinho à, como diz o cabo Daciolo, nação brasileira. Não existe poder constituinte no presidente da República, a Constituição existe para frear o poder do presidente. Vocês querem vingança , e o vice do Bolsonaro, general Mourão, propõe o mesmo”. Marina explica, “o projeto autoritário do Bolsonaro foi chocado no ninho da polarização do PT e do PSDB”.

Ciro mais calmo do que sempre, sabendo que é o mais cotado para subir nas intenções de votos: “O país está chafurdando no ódio, precisamos de serenidade e diálogo”.
Haddad não ataca ninguém, “o Brasil vai poder contar com forças democráticas para revigorar esse entulho que o Temer aprovou com apoio do MDB e do PSDB, um entulho que cassou direitos do povo”. E pergunta a Boulos, “alguns aqui posam como moderados mas apoiaram governos que apoiam golpes”, e Boulos, “há 50 tons de Temer”.

Todos querem consertar o sistema educacional falido, cortar os impostos mais altos do mundo e fazer a reforma tributária, aumentar o salário mínimo, tirar os 52 milhões de brasileiros que vivem abaixo do nível da pobreza, todos aplaudem o empoderamento das mulheres, criticam o fundo eleitoral de R$ 2 ,6 milhões retirados da educação e da saúde. Cada um à sua maneira, Daciolo aponta Satanás, Ciro entende a indignação sem adoração de belzebus e ídolos, Marina agradece a Deus por mais um debate.
Todos esperam que na última semana seus pontos disparem nas pesquisas para que nem Bolsonaro nem Haddad vençam no primeiro turno. Os dados da última pesquisa IBOPE revelam para Bolsonaro 31% dos votos, para Haddad, 21%, Ciro 11%, Alckmin 8%, Marina 4%, Meirelles e Álvaro Dias, 2%Cabo Daciolo e Boulos com 1% . Os brancos, nulos e os que não souberam somam 17%.

Entre os três primeiros colocados a rejeição maior é a Bolsonaro, a menor, a Ciro. Qualquer deles venceria Haddad ou Bolsonaro num segundo turno, Bolsonaro ganharia se a disputa fosse com Marina.

Bolsonaro, por motivos médicos, se ausentou deste debate e já avisou que a recomendação médica é repouso por 10 dias, o que o tira da parada no último debate da Globo quinta dia 4, no Rio. Haddad, entrou e saiu sorrindo deste penúltimo debate, observando os concorrentes unidos contra ele num último fôlego. As pesquisas vão mostrar se a tática da união do centro funcionou.

No mundo, a marcha das mulheres contra e a favor de Bolsonaro repercutiu. Le Monde e Financial Times reforçaram “ele, não”, o Wall Street Journal lembrou que embora o “candidato trumpiano” do Brasil defenda idéias tradicionais contra a sexualidade, ele é bem vindo ao Brasil conservador que tem horror à esquerda ao se opor ao PT. O Le Monde impresso de fim de semana ainda publicou matéria de quatro páginas explicando que o apoio aos militares da extrema-direita e a lógica do “sangue por sangue” cresceu por causa da guerra das gangues do tráfico, a crise social e a corrupção dos partidos. Defende a democracia e cita FHC.

O Economist desta semana traz uma carta-resposta à matéria de capa da revista da semana passada, que denunciou o perigo do Bolsonarismo. Adrian Finch, o autor da carta enviada do sofrido Rio de Janeiro, pede uma chance para Bolsonaro, um perigo menor do que, na sua opinião, seria o PT de novo no poder.

Em matéria de cartas Lula acerta outra vez. Publicou só no Jornal do Brasil uma carta que a edição carioca de 1/10, abre na capa, pedindo “Só o voto do povo pode salvar o Brasil”. Seguem trechos:

“[…] Vejo lideranças políticas e analíticas da imprensa dizerem que o Brasil estaria dividido ente dois polos ideológicos […] E que o país deveria procurar uma opinião de “centro”. Como se a opção pelo PT fosse “extremista”. Além de falsa, em certos casos, hipócrita, é uma leitura oportunista […] O PT polarizou sim, contra a fome, a miséria, a injustiça social […] não venham pregar uma alternativa eleitoral “ao centro” como se não fossem responsáveis, em conluio com a rede Globo, da barbárie […] Escrevo esta carta para o JB porque é um veículo que tem praticado a democracia e a pluralidade…Será uma batalha difícil, como poucas. Mas estou certo de que a democracia será vitoriosa”. Assinado: Luis Inácio Lula da Silva, ex-presidente da República e presidente de honra do Partido dos Trabalhadores.

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Norma Couri é jornalista.