Publicado originalmente no blog Histórias Mal Contadas.
No minuto seguinte que veio a público a denúncia feita pela revista Veja de um processo de mais de 500 páginas sobre a separação do candidato a presidente da República Jair Bolsonaro (PSL RJ) de sua ex-mulher Ana Cristina Siqueira Valle, surgiu na minha mente uma história que aconteceu comigo em 1993, em uma sala de audiências do Foro Central de Porto Alegre. Na ocasião, respondi a um processo por ter acusado um delegado da Polícia Civil de ter se envolvido com os banqueiros do jogo do bicho. A juíza, na época, uma mulher de meia idade, voz macia e firme, me perguntou como era feita a investigação jornalística. Respondi que não tínhamos os mesmo instrumentos jurídicos à nossa disposição, como os policias têm, por exemplo a escuta telefônica. Então, o repórter usava o que estava à sua disposição sem infringir as leis.
No meio da explicação, citei que uma conversa reservada com ex-mulher sempre rendia bem. Ao ouvir essa minha afirmação, a juíza parou a audiência, olhou nos meus olhos (com um olhar do qual nunca esqueci) e disse: “de ex-marido também, né, seu Carlos Wagner?”. Eu respondi: “claro, juíza”. Audiência sobre reportagens em que policiais são acusados é sempre tensa. Aquela não era diferente. Mas, quando a juíza citou ex-marido, todos caíram na gargalhada.
Os conflitos familiares sempre foram uma fonte para se começar uma investigação. Foi assim com o então presidente da República Fernando Collor de Mello (PRN AL). Pedro Collor de Mello (falecido em 1994) denunciou que o tesoureiro da campanha de Collor, Paulo César Farias (assassinado em 1996), estava envolvido em grandes falcatruas. A denúncia foi publicada na Veja, e houve a instalação de processo de impeachment do presidente da República, que renunciou em 1992. Na ocasião, de concreto sobre as denúncias, os repórteres tinham na mão a palavra do denunciante. E depois foi descoberta uma camioneta Elba que teria sido ganha por Collor — há um vasto material disponível na internet.
O caso de Bolsonaro é bem mais grave: existe um processo de mais de 500 páginas, recheado de dados técnicos, testemunhos e investigação policial em campo. No processo, o candidato é acusado pela ex de ladrão, violento e chantagista, entre outras coisas. Ela negou para Veja o que havia dito sobre o seu ex. Inclusive concorre a deputado federal pelo Rio de Janeiro, usando o nome de Bolsonaro.
Olhando a questão com os olhos dos assessores de Bolsonaro. Como eles acharam que uma bomba atônica desse calibre iria passar despercebida em uma disputa acirrada como é atual? Ainda mais que o candidato tem como um dos esteios da sua campanha a honestidade. No sábado, ele teve alta do Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, onde se recupera de um atentado à faca que sofreu no mês passado. Ele está voltando sob fogo amigo cerrado. O seu vice, o general Hamilton Mourão (PRTEB), anda falando pelos cotovelos.
A assessoria do candidato tem espalhado a notícia de que Bolsonaro pediu ao seu colega de chapa que se cale. Aqui tem o seguinte: o candidato é capitão da reserva do Exército, e Mourão é general. Um capitão mandar um general calar a boca é complicado. Se há uma coisa que é levada muito a sério nas Forças Armadas é a hierarquia. Há mais uma questão: o ministro da Fazenda escolhido por Bolsonaro, Paulo Guedes. Pelas palavras do candidato, ele será um superministro. Já houve dezenas de superministros na economia brasileira, e nunca deram certo. Por que daria agora?
O candidato sabe de suas fraquezas e tem tentado se antecipar a elas, por exemplo. Uma ou duas semanas antes do atentado, em uma entrevista na Globo News, ele lembrou aos entrevistadores que a emissora tinha apoiado o golpe militar de 1964. Na ocasião em que ele disse, uma coisa passou batida. Lembrou que Veja também havia sido fundada naqueles anos. Na ocasião, ninguém entendeu porque ele puxou a Veja para a bronca. A razão pode ser encontrada nas páginas da revista nas bancas. E os outros candidatos não têm teto de vidro? Podem até ter, mas não estão em primeiro lugar na disputa eleitoral como Bolsonaro. Como se diz nas redações, ele é a bola da vez.
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Carlos Wagner é jornalista.