Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Bolsonaro e as várias mídias

No último domingo (28/10), pela primeira vez em sua secular história, o Brasil elegeu um presidente de extrema-direita, que fala abertamente contra homossexuais, negros e indígenas (entre outras minorias), defende a posse de armas e elogia o regime militar — a ponto de fazer apologia a tortura. No segundo turno da eleição presidencial, Jair Messias Bolsonaro, do PSL, obteve 55,13% dos votos válidos, contra 44,87% do segundo colocado, o petista Fernando Haddad. Trata-se assim da concretização da ruptura democrática que se iniciou há dois anos com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. A partir de janeiro de 2019, as reformas antipopulares propostas pelo governo interino de Michel Temer poderão, enfim, ser colocadas em prática, sob o verniz da “legitimidade das urnas”.

Bolsonaro pode ser considerado o primeiro grande êxito de um político brasileiro que foi impulsionado pela Internet, sobretudo pelas redes sociais. Não se trata de creditar a vitória do candidato do PSL exclusivamente ao espaço virtual, o que seria, evidentemente, um extremo reducionismo analítico. As ideias conservadoras que nortearam a campanha bolsonarista já estão presentes em nossa sociedade há séculos. De maneira geral, as relações sociais no Brasil são norteadas por lógicas machistas (fruto da patriarcalismo), homofóbicas (consequência do conservadorismo cristão), ódio ao pobre (típico do pensamento capitalista) e racistas (herança do período escravocrata, que, infelizmente, ainda não foi superado).

No entanto, para se chegar ao cargo máximo de uma nação gigantesca como o Brasil, um político necessita de uma ampla exposição (sobretudo positiva) nos meios de comunicação de massa. Na chamada “grande mídia” — isto é, as principais redes de televisão e os jornais e revistas de circulação nacional — a presença de Bolsonaro geralmente foi controversa e, não raro, representada de maneira negativa. Na vida pública há quase três décadas, antes da última campanha eleitoral, as participações midiáticas do deputado federal pelo Rio de Janeiro se restringiam a programas sensacionalistas. As frases polêmicas do “mito” (epíteto pelo qual Bolsonaro é conhecido entre seus seguidores) como “fuzilar 30 mil”, “o erro da ditadura foi torturar e não matar” e “mulher merece ganhar menos porque engravida”, entre outras colocações bombásticas, eram um prato cheio para as atrações televisivas que buscavam audiência a todo custo. Há alguns anos, poucos imaginariam que aquela figura caricata, que em programas de auditório era ridicularizada em discussões sobre assuntos polêmicos com pseudo-celebridades, viria a ser eleita presidente da República.

Se, por um lado, a grande mídia não inflou diretamente o nome de Jair Bolsonaro — como outrora fez com outros personagens também desconhecidos do público como, por exemplo, o ex-presidente Fernando Collor —; por outro lado, ao impulsionar o sentimento antipetista entre os brasileiros, os principais grupos de comunicação de nosso país ajudaram, indiretamente, a alavancar a popularidade do “mito”. Nenhum outro político foi capaz de canalizar tão bem o sentimento de indignação contra o Partido dos Trabalhadores presente em nossa sociedade como o fez Jair Bolsonaro (lembrando que o antipetismo, que é diferente de “se posicionar criticamente ao PT”, também não foi criado pela mídia hegemônica, mas, sem dúvida foi fortalecido por ela).

Como o antipetismo é baseado no “ódio”, e não em argumentos racionais, dificilmente um político minimamente moderado, com um discurso equilibrado, conseguiria atrair a simpatia daqueles que tanto repudiam o Partido dos Trabalhadores. Sendo assim, somente um discurso de ódio seria capaz de chamar a atenção dos adeptos ao antipetismo. Eis que, nesse cenário, emerge Jair Messias Bolsonaro e suas ideias preconceituosas anteriormente citadas. Lembrando um dito popular, o “mito” era “o nome certo no momento certo”.

Mas, se não havia o espaço suficiente na grande mídia (aparentemente hostil às suas ideias consideradas extremistas e até certo ponto perigosas), a qual veículo de comunicação Bolsonaro poderia recorrer para que a sua agenda política chegasse a milhões de pessoas Brasil a fora? A resposta estava, como já aventado neste artigo, na Internet, principalmente nas redes sociais.

Em uma época de fake news e “pós-verdades”, Bolsonaro e seus apoiadores encontraram no espaço virtual terrenos férteis para propagarem suas ideias. Assim como o “papel aceita tudo”, basta uma conexão na Internet para que notícias falsas, montagens em fotos, edições de vídeos ou difamações a adversários sejam espalhados em escalas inimagináveis. Se um artigo presente na Internet teceu alguma crítica a Bolsonaro, seus seguidores estão de prontidão para defender o “mito”; um órgão da imprensa publicou uma matéria que soa desagradável, logo será tachado como “comunista” ou adepto do “marxismo cultural”; chegaram notícias favoráveis ao “mito” ou negativas sobre os adversários, logo serão compartilhadas exaustivamente no Facebook ou no WhatsApp, pois a veracidade é o que menos importa. Desse modo, independentemente da grande mídia, a popularidade de Bolsonaro foi sendo alavancada.

Como a história nos tem demonstrado, homens públicos com posicionamentos autoritários sabem muito bem como utilizar os meios de comunicação disponíveis em suas respectivas épocas. Na literatura, George Orwell já explicou muito bem essa questão, ao abordar o chamado “Ministério da Verdade” em seu clássico livro 1984; e, anos antes, Joseph Goebbels, terrivelmente, a colocou em prática.

Na reta final do processo eleitoral, com Bolsonaro despontando como a única força antipetista, a mídia hegemônica, estrategicamente, aderiu à campanha do candidato do PSL. Porém, a associação entre Bolsonaro e grandes grupos de comunicação é muito mais complexa e instável do que as relações entre “mito” e “seguidores” nas redes sociais. Há grandes interesses econômicos por trás disso, que extrapolam, inclusive, as fronteiras nacionais. Os mesmos jornais e emissoras de TV que hoje estão do mesmo lado de Bolsonaro, podem, em curto ou médio prazo, dependendo do decorrer dos acontecimentos, fornecer as notícias necessárias para a desestabilização do futuro governo bolsonarista ou, inclusive, contribuir para uma possível deposição do “mito”. Fernando Collor que o diga.

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Francisco Fernandes Ladeira é mestre em Geografia pela UFSJ. Autor (em parceria com Vicente de Paula Leão) do livro A influência dos discursos geopolíticos da mídia no ensino de Geografia: práticas pedagógicas e imaginários discentes, publicado pela editora CRV.