Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Execução de Marielle é estopim para fake news e pistoleiros nas eleições?

Publicado originalmente no Blog Histórias Mal Contadas.

Ainda são desconhecidos o nome do mandante, do pistoleiro e o motivo pelo qual a vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) e o seu motorista Anderson Pedro Gomes foram mortos a tiros na noite do último dia 14, no centro do Rio de Janeiro. Mas o que os investigadores descobriram nessas duas semanas de apuração do crime é um alerta muito claro da presença de dois personagens na campanha eleitoral de 2018: um deles foi gestado pelas novas tecnologias e já estava sendo aguardada a sua presença, as fake news.

O outro é dos tempos antigos, e muitos já o consideravam extinto, o pistoleiro de aluguel. Por conta da intervenção federal no Rio de Janeiro, há um enorme contingente de investigadores e de recursos econômicos e tecnológicos sendo usados para esclarecer a execução da vereadora. É uma investigação complexa e, até agora, são poucos fatos concretos levantados, entre eles: foi crime encomendado, a execução ficou a cargo de um pistoleiro profissional e estão tentando destruir a imagem da parlamentar com fake news. Os assassinatos são considerados um desaforo para o governo do presidente da República Michel Temer (MDB – SP), responsável pela intervenção no Rio. Manifestações populares nas cidades brasileiras e a repercussão na imprensa mundial pressionam o governo pela solução rápida do caso.

Esse é o cenário do crime da vereadora. Agora vamos examinar a mensagem que ele traz do que está por vir na campanha eleitoral desse ano — presidente da República, governadores, deputados (federais e estaduais) e senadores. A mensagem nos lembra que, em momento algum da história do Brasil, houve uma eleição tendo como pano de fundo a realidade atual do país por conta de uma quantidade enorme de informações circulando sobre corrupção e outros crimes envolvendo parlamentares, altos funcionários públicos, empresários e partidos. A maioria dessas informações está empacotada em vídeos, documentos e delações premiadas feitas à Operação Lava jato.

As informações da investigação da Lava Jato serão disparadas na campanha eleitoral como se fossem projéteis balísticos no pente de um fuzil AK 47. Mais ainda: em nenhum outro momento da história do país estiveram encarcerados grandes empresários, ex-ministros e deputados federais, como o ex-presidente da Câmara Federal Eduardo Cunha (MDB – RJ). Outro dado inédito no contexto político nacional: a possibilidade real do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT – SP) ser preso.

Além de um currículo político que lhe assegura um lugar na história da América do Sul, Lula ocupa o primeiro lugar na pesquisa da intenção de votos para presidente da República. O presidente Temer e vários dos seus ministros correm o risco real de ir para a cadeia nos meses seguintes em que deixarem seus cargos, há uma lista enorme de processos contra eles na Lava Jato. O senador Aécio Neves (PSDB – MG) e outros parlamentares do seu partido também correm o risco real de serem presos caso não forem reeleitos, por conta do envolvimento com corrupção.

Como é que essa realidade inédita na história do Brasil irá influenciar no cotidiano das campanhas políticos de 2018? Existem dois tipos bem distintos de campanhas eleitorais no Brasil: as que acontecem nas regiões metropolitanas e as do interior. Nos grandes centros urbanos, a disputa eleitoral é civilizada, por ser mais fiscalizada pelas autoridades e pela imprensa.

O uso de pistoleiros é uma exceção, não uma regra. O que é regra são as fake news. E, neste ano, a munição fornecida pela Operação Lava Jato está sendo usada em larga escala pelos fabricantes de notícias falsas. As barreiras montadas pelas autoridades da Justiça Eleitoral para deter as fake news são como barragens de sacos de areia contra as enchentes. Elas não conseguem deter a enxurrada por muito tempo. Já no Interior do Brasil, o bicho pega nas campanhas eleitorais. Vou usar o conhecimento que acumulei de como acontecem as disputas nesses rincões.

O conhecimento acumulado foi por conta da minha vida de 40 anos como repórter, viajando pelo Interior do Brasil, trabalhando em conflitos agrários (fazendeiros contra sem terras, índios contra posseiros e as disputas dos garimpeiros). Conheço a maioria das cidades do interior ricas, classe média, pobres e miseráveis. Há um fio que une todas elas: a disputa política é um assunto pessoal. São famílias e seus apoiadores que disputam o poder. E essas pessoas não costumam levar desaforo para casa.

E a munição fornecida para desaforos pela Lava Jato é enorme. E que será usada. Aliás, já está sendo usada: a disputa que aconteceu entre os apoiadores de Lula e os seus adversários durante a caravana do PT pelo interior gaúcho. Claro que os apoiadores do Lula, principalmente os militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), vão dar o troco quando vierem fazer campanha no interior gaúcho os adversários do ex-presidente da República.

E, por conta desse acirramento de ânimos pelo interior do Brasil, a figura do pistoleiro de aluguel pode ser ressuscitada. Na maioria das cidades, o uso do pistoleiro para resolver os problemas políticos caiu em desuso com o aperfeiçoamento da democracia. Lembro que, no começo dos anos 90, eu estive trabalhando no interior dos estados do Nordeste, fazendo reportagem sobre pistoleiros.

Em Alagoas, tive uma longa conversa com um pistoleiro, um homem magro, negro, alto, de fala mansa, que tinha no seu currículo mais de 35 mortes por encomenda. Tomamos cachaça e conversamos muito. Também tive boas conversas com matadores de aluguel que resolviam disputas de terras nas novas fronteiras agrícolas. Falei e fiz matérias com pistoleiros no interior do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Há uma particularidade no uso do pistoleiro no interior do Brasil. O mandante exige que a execução aconteça em lugar público, para que todos saibam o que acontece com quem o desafora ou contraria os seus interesses. Aliás, a morte da vereadora tem a marca dos crimes de pistolagem do interior do Brasil. Alguém mandou um recado para Temer, transformado em xerife do Rio pela intervenção federal, que ele não manda na Cidade Maravilhosa.

Esse é o quadro. Ele exige de nós, repórteres, muito trabalho na coleta de informações. E simplicidade e exatidão para relatarmos ao nosso leitor. Usando o jargão das redações: tem casca de banana espalhada por todos os cantos. Uma delas. Considerando os números absurdos de homicídios no Brasil, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2016 foram registradas 61 mil mortes violentas no país, o que significou um crescimento de 3,8% em relação a 2015. Os homicídios de parlamentares estão bem abaixo.

Segundo uma reportagem publicada na respeitada revista semanal Carta Capital, em outubro de 2012, nos últimos 30 anos (1982 a 2012), foram mortos 72 parlamentares, sendo nove em Magé, cidade onde nasceu Mané Garricha, no estado do Rio de Janeiro. Aqui esta a casca de banana. Para qualquer raciocínio, não podemos comparar o número de homicídios gerais com o dos parlamentares assassinados. Mesmo se usássemos a porcentagem. Por quê? É simples. Um parlamentar é uma pessoa eleita por seus eleitores para representar os seus interesses no exercício do seu mandato. Portanto, é um guardião do nosso modo de vida. No caso da vereadora Marielle, a execução prejudicou os interesses de 42 mil pessoas que a elegeram. Portanto, cuidado com os números. Eles podem ser o ouro dos bobos.

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Carlos Wagner é jornalista, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, entre eles “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º Congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017.