O que explica a diferente condução nas entrevistas dos presidenciáveis no Jornal Nacional e no Jornal da Globo
Em televisão, é sabida a necessidade de adequar conteúdo e linguagem ao seu público-alvo. Em tempos de eleição, são muito comuns, nas emissoras, entrevistas com candidatos a cargos públicos. Em ano de eleição presidenciável, esse tipo de conteúdo é um serviço democrático necessário prestado ao eleitor. Os veículos dão voz, de forma apartidária, aos que almejam à Presidência da República.
Na TV Globo, a primeira rodada de entrevistas com os presidenciáveis aconteceu entre os dias 27 e 30 de agosto. Com tempo de duração de 27 minutos, as entrevistas, realizadas ao vivo, tinham por objetivo, de acordo com o âncora William Bonner abordar os temas: “que marcam cada uma das candidaturas. Nós questionamos assuntos polêmicos, tratamos da viabilidade de alguns pontos dos programas de governo”.
A condução dos âncoras William Bonner e Renata Vasconcelos foi duramente criticada pelo público na web. Diversas foram as manifestações contrárias aos jornalistas do jornal mais importante da casa, que, muitas vezes, alteraram o tom de voz e tantas outras interromperam os candidatos impedindo que estes concluíssem um raciocínio sequer. É importante ressaltar que a postura foi a mesma com todos os políticos.
O telespectador, que até vibrou com algumas tiradas dos apresentadores, soube reconhecer que o conteúdo foi bem abaixo do esperado. Os embates muitas vezes divertiam de certa forma, mas raramente informavam ou traziam algo de relevante (em termos de governabilidade) ao eleitor.
Na contramão do que ocorreu no JN, aconteceu na última semana a rodada de entrevistas do Jornal da Globo. Conduzida apenas pela jornalista Renata Lo Prete, as entrevistas, gravadas e que duraram 30 minutos, focaram nas propostas dos presidenciáveis. Ao contrário do Jornal Nacional, a jornalista não pontuou, antes da entrevista ir ao ar, quais assuntos seriam abordados. A diferença pode soar sutil, mas ao analisarmos ambos jornais, fica evidente que, ao definir o tom da entrevista, o JN dá a entender que deixaria mesmo as propostas em segundo plano.
Não é necessário ser cientista político para notar a diferença na linha de conteúdo. Com ampla experiência na cobertura política, Lo Prete tinha consigo o plano de governo dos candidatos e, mesmo quando buscava trazer temas polêmicos, tentava abstrair algo que os candidatos têm por objetivo colocar em prática caso eleitos.
A jornalista, ao contrário do que ocorreu com Bonner e Vasconcellos, foi elogiada não somente pelas pautas apresentadas, mas também por sua postura, considerada firme, mas respeitosa; elegante, como definiram muitos.
Após todo cenário exposto, voltemos ao início, quando falávamos sobre público-alvo. O considerado “maior jornal da casa”, Jornal Nacional, vai ao ar no horário de maior audiência na televisão, portanto atingindo o público de massa. Sua média de audiência está na casa dos 30 pontos só em São Paulo – cada 1 ponto de audiência corresponde a 72 mil domicílios e a quase 300 mil espectadores.
A definição abaixo é da tese de doutorado: “Determinantes do Comportamento Eleitoral: a centralidade da sofisticação política”. Embora esta visão seja de mais de vinte anos atrás, ela ainda está muito presente no cenário eleitoral dos brasileiros:
“A massa popular, a grande maioria do eleitorado, é desinformada a respeito das propostas dos partidos e dos candidatos, não tem opinião a dar sobre questões importantes no debate político, tende a atribuir a seus candidatos qualidades que mais lhe agradam e as opiniões que eventualmente tem quanto a assuntos diversos e possui baixo grau de consistência ideológica”. (Castro, 1994: 180)
Indo nesta linha de raciocínio, e tendo como ponto de vista que o público do JN é a massa popular, é possível afirmar que o que foi apresentado soa mais como um embate em que os jornalistas tentavam desconstruir candidatos, buscando fazê-los se contradizer, ao invés de trazer ao horário nobre da principal emissora do país, uma conversa do que seria feito nos quatro anos de mandato. Ao questionar assuntos polêmicos, o JN tem por objetivo atingir seu público, mas presta desserviço ao não abordar as propostas de campanha, item considerado pelo eleitorado como um dos principais critérios de avaliação, embora este tenha pouca familiaridade com assuntos técnicos.
Os candidatos também sabem que suas imagens contam muitos pontos a favor na hora da decisão do voto. Não à toa, cada vez mais os programas de TV focam em desmoralizar o candidato X ou Y ao invés de usarem a maior parte do tempo (que já é curto para muitos deles) para exporem suas ideias. E é exatamente o mote das entrevistas do JN. Trazendo à tona questões polêmicas – que são pertinentes, claro – mas que, ao final, dão aquela impressão ao senso comum de que “nenhum candidato presta mesmo”.
O fato do Jornal da Globo ser ancorado por uma jornalista que foi escolhida — e é reconhecida — por suas opiniões políticas na GloboNews por si só indica essa segmentação de público. Falando do perfil dos jornais, é nítido que o JG é voltado para quem compreende de forma mais aprofundada o universo político — a presença de especialistas políticos e econômicos é constante.
Isso talvez explique a abordagem mais voltada às propostas, principalmente às questões econômicas, uma vez que este é um dos problemas mais urgentes e necessários do próximo representante. As perguntas mais objetivas possibilitaram aos candidatos respostas com termos técnicos que demonstravam que o candidato X ou Y dominava ou não tal assunto.
Por ir ao ar tarde, esse conteúdo de mais qualidade não chega ao público de massa que, de acordo com o perfil (classe B e C), está dormindo, pois acorda cedo para trabalhar.
As opostas abordagens entre JN e JG causam estranheza – negativa e positivamente, respectivamente; mas qual seria a necessidade de entrevistas com presidenciáveis num espaço tão curto de tempo, não fosse para tratá-las de formas diferentes? Elas são complementares, mas seria possível fazer um conteúdo tratando somente de propostas, tamanha extensão das ideias dos presidenciáveis.
A escolha de algo mais relevante (podemos classificar assim) para ir ao ar mais tarde não é gratuita, bem como a opção de levar ao ar algo que exponha a conduta ‘política-pessoal’ do candidato no horário nobre. Elas visam atingir o público-alvo. Mas, ao optar por não falarem de ideias de governo, o JN coloca no ar um conteúdo inútil, que, como dito, apenas reforça o estereótipo que político não presta. Todos precisam estar munidos de informações para formar opinião; mas quando a informação que chega é somente a que desvaloriza todos os candidatos, ela não tem serventia. Não temos dados precisos, mas qual seria a porcentagem de eleitores que assistiram ambas entrevistas?
A reflexão é válida. Talvez este só seja mais um caso de como, sutilmente, nas entrelinhas, a Globo influencia a opinião do telespectador. Seja para o bem, seja para o mal.
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Jaiane Valentim, 26, jornalista e pós-graduanda em assessoria de comunicação e mídias sociais.
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REFERÊNCIA
CASTRO, M. M. M. Determinantes do comportamento eleitoral: a centralidade da sofisticação política. 1994. Tese (Doutorado) – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1994.