Publicado originalmente pelo blog Histórias Mal Contadas.
Não está escrito em lugar algum. Mas todo editor sabe que, em campanhas políticas, os movimentos de grupos contra ou a favor de candidatos devem ser monitorados. Mas ficam fora dos noticiários. Essa lei foi derrubada pelas redes sociais. A reação das redações foi a de colocar sob suspeita de serem fake news as informações divulgadas pelas redes, até que se prove o contrário. A prudência é recomendada. Mas não pode ser burra. Hoje, os maiores usuários das redes sociais são os movimentos populares, que são uma força importante na disputa política. E a história mostra que os avanços em políticas públicas de saúde, educação e moradia só aconteceram no Brasil graças às lutas populares. Daí a necessidade de os editores se convencerem de que precisam ter em suas equipes repórteres especializados nessas organizações.
Esse conhecimento vai facilitar o entendimento do que está acontecendo. Se as redações não reconhecerem essa nova realidade, é certo que, no final da cobertura da campanha política, o êxodo de assinantes e publicidade vai aumentar.
Essa é a realidade. E nada melhor do que falar sobre o caso concreto para ilustrar a situação. Nas últimas três semanas, um grupo de pessoas dos movimentos populares está fazendo greve de fome na frente do Supremo Tribunal Federal (STF), reivindicando o direito de o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT – SP) disputar a presidência do Brasil. Lula está preso em Curitiba (PR), condenado em segunda instância pelos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF 4) a 12 anos e um mês de prisão por corrupção – há um vasto material na internet sobre o assunto.
Mesmo preso, Lula está no páreo da disputa. Ele ocupa o primeiro lugar na pesquisa de intenção de votos. E, por estar vinculada à defesa de um candidato, a greve de fome está fora dos noticiários dos grandes jornais. Só irá virar notícia se houver confronto com a polícia ou alguém morrer.
A questão não é tão simples assim. A greve envolve organizações populares importantes, tipo o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), um segmento economicamente significativo na agricultura familiar, responsável pela produção em larga escala de proteínas animais (frangos, suínos e gado leiteiro) e grãos (feijão, milho e outros). Mais ainda: há entre os manifestantes o frei franciscano Sérgio Görgen, 62 anos. A notoriedade de frei Sérgio não é pela sua carreira política, ele foi deputado estadual pelo PT gaúcho de 2003 a 2006, não concorreu à reeleição. Mas devido a sua militância, que o tornou uma figura importante na América do Sul entre os seguidores da Teologia da Libertação. De 1979 até os dias atuais, ele esteve presente e atuante nos principais confrontos entre fazendeiros, sem terra e policiais militares no Rio Grande do Sul.
O mais violento desses conflitos aconteceu em 1989, na ocupação da Fazenda Santa Elmira, em Jacuizinho, pequena cidade agrícola do interior gaúcho. Durante toda uma manhã chuvosa do verão de 1989, 1,5 mil agricultores do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e tropas da Brigada Militar (BM) se enfrentaram em uma batalha épica. No final, a BM dominou os agricultores, e frei Sérgio teve o rosto deformado por uma coronhada de fuzil. Eu estava lá e fiz matéria. Hoje, há documentos disponíveis sobre o episódio e livros, entre eles O Massacre da Fazenda Santa Elmira, de autoria do frei. Essa não é a primeira greve de fome de frei Sérgio. Ele já fez outras greves. E por qual motivo o frei dá preferência à greve de fome como instrumento de luta? Porque, dentro de um estado democrático, nada é mais poderoso do que o movimento pacifista. Foi assim que Mahatma Gandhi (1869 a 1948) colocou o então Império Britânico de joelhos e conseguiu a libertação da Índia (1947). E que Martin Luther King (1929 a 1968) colocou o governo dos Estados Unidos contra a parede e conseguiu aprovar as liberdades civis para a comunidade negra americana. Gandhi e King foram assassinados. Mas a cada manifestação pacifista, como na greve de fome na frente do STF, eles são lembrados e citados nas nossas reportagens.
E por ser um movimento pacifista, a greve de fome começou a agregar outras reivindicações dos brasileiros, como a questão do desemprego – 13 milhões de desempregados no país. E apoios políticos de outras organizações, principalmente religiosas. Alguns dos ministros do STF já se deram conta de que tipo de protesto têm na sua porta e o que ele representa. Não é por outro motivo que estão abrindo canais de conversação com os grevistas. O nosso leitor está buscando as informações nas redes sociais. É assim que os jornais acabam. Já vi isso acontecer.
Há uma década, quem pensaria que a Editora Abril um dia iria pedir recuperação judicial. Pediu na semana passada. Ou que o Jornal do Brasil (JB) deixaria de circular por oito anos. A história costuma ser cruel com quem não percebe as mudanças. É um fato.
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Carlos Wagner é repórter.