Bolsonaro me chamou a atenção pela primeira vez num vídeo, no Facebook, no qual era batizado no rio Jordão, em Israel, por um pastor evangélico. A intenção da distribuição pela Internet desse ato religioso era evidente: conquistar o eleitorado evangélico, possuidor de uma visão mítica de Israel proveniente de sua familiaridade com as histórias bíblicas. Sem exagero, hoje em dia os evangélicos americanos e suas igrejas espalhadas pelo Brasil, são mais ligados em Israel que os próprios judeus da diáspora. Mas nada a ver com Israel de hoje, de Benjamin Natanaiu, embora sejam partidários, sem saber, da mesma doutrina do Grande Israel, por ser a terra dos patriarcas da Bíblia, onde nasceu Jesus e onde, creem, haverá o Armagedon anunciador do fim do mundo e, principalmente, da volta ou retorno de Cristo.
Embora o candidato Jair Bolsonaro seja consciente de lhe faltar a inteligência verbal para participar de um debate com Fernando Haddad, entende, muito mais do que se poderia imaginar, de marketing político, pois conseguiu se construir como a imagem do conservadorismo mais rançoso e reacionário, com o qual se identificam muitos brasileiros (pelo visto, mais da metade da população) no seu íntimo mais profundo e secreto, agora exposto a público, sem vergonha, pelo fenômeno da vulgarização dessas idéias, partilhadas com seus amigos bolsonarianos.
Alguns desses denominadores comuns que compartilham são próprios da extrema-direita e, mesmo sem saberem, podem ser catalogados como pertencentes à ideologia fascista. Embora durante a campanha eleitoral, Bolsonaro tenha se tornado bem comportado, suas declarações anteriores, com as quais conseguiu admiradores e seguidores, são reveladoras: é pela pena de morte, pela esterilização de homens e mulheres, pelo fechamento das trompas ou vasectomia, das populações mais pobres; pela liquidação imediata dos suspeitos de crime pelos policiais, sempre beneficiados pelo princípio da legítima defesa; pela aplicação da tortura como procedimento normal para obtenção de informações; pela qualificação do homossexualismo como doença curável com a aplicação de castigos físicos; pela desvalorização das mulheres consideradas inferiores aos homens, sujeitas a estupros; pela qualificação de atos e manifestações ativistas como terroristas, sujeitos à repressão e prisão; pela facilitação da obtenção do porte de armas, equivalente a um rearmamento do povo, convidado a reagir na bala no caso de assaltos ou agressões; pelo fim da laicidade; pela proteção do agronegócio, livre para utilizar todos os produtos bons para a lavoura, mesmo os considerados tóxicos. E daí para a frente, uma Revolução às avessas que logo poderá desfechar perseguições aos contestadores e levar a um regime repressivo.
E é com esse gancho que relembro, como prometido, qual a atitude dos evangélicos na Alemanha, em 1933, com a ascensão de Adolf Hitler ao poder. Mesmo porque muitas das ações prometidas por Bolsonaro, acima enumeradas, se parecem também com as aplicadas pelo nazismo. Mas antes de prosseguirmos, seria importante lembrar que, apesar de seu batismo evangélico no Jordão, Bolsonaro tem se afirmado como católico, ou seja, dois batismos e duas profissões de fé, dualidade aceita e não questionada pelo líderes evangélicos, que no seu esperto pacto com o diabo acabaram sendo driblados por Bolsonaro, pois metade dos parlamentares evangélicos não foram reeleitos, derrotados pelos candidatos bolsonarianos.
Às vésperas da chegada de Hitler ao poder alemão, tinha se formado um grupo nacional-socialista ou nazista de protestantes, eram os chamados Cristãos Alemães. Assim, que Hitler foi empossado, esse grupo se tornou maioria com a participação de diversas denominações protestantes. Era a Igreja do Reich que logo aderiu à perseguição aos judeus. Alguns meses depois, essa unificação protestante foi consagrada num Sínodo, ao qual compareceu a maioria dos pastores e responsáveis eclesiásticos trajando o uniforme nazista. Alguns responsáveis ali presentes protestaram e se retiraram, quando ficou decidida a demissão de todos os pastores não arianos ou com ascendência judaica por parte do pai ou da mãe.
Foi quando o pastor luterano Martin Niemoeller divulgou um manifesto apelando à resistência os pastores contrários às medidas nazistas aceitas pela igreja oficial alemã. O manifesto foi assinado por um terço dos pastores, seguiram-se protestos, mas, em 1936, Martin Niemoeller foi preso e, em 1938, enviado a um campo de concentração onde ficou preso até o fim da guerra. As perseguições fizeram diminuir o número de resistentes e as poucas dezenas de pastores resistentes restantes foram também para campos de concentração, onde quase todos morreram.
Entretanto, a grande maioria dos protestantes alemães aderiram ao nazismo e o protestantismo alemão se tornou nacionalista – servir a Pátria, no caso o Estado, equivalia a servir a Deus. A isso se acrescentou uma interpretação messiânica do nazismo: Hitler seria um enviado por Deus. Foram feitos alguns expurgos na leitura da Bíblia e os evangélicos nazistas alemães acentuaram o culto da força e o Cristo herói, não o crucificado e nem suas mensagens de amor e tolerância. O programa nazista prometia um retorno aos valores cristãos e a criação de um muro contra o comunismo. Ao fim da guerra, os evangélicos que haviam ignorado e justificado as violências e o antissemitismo nazistas se justificaram argumentando não lhes terem sido proibido pregar o Evangelho e nem viver uma vida segundo os princípio cristãos. Nenhuma idéia de cumplicidade!
A vitória dos nazistas foi comemorada pelos evangélicos e uma euforia tomou conta das igrejas alemãs, era o surgimento de uma nova época há tanto tempo esperada. Era a vitória do combate contra a prostituição, contra o cigarro entre as mulheres, contra o nudismo e contra os abusos da vida noturna. A alienação completa.
Por que decidimos acentuar neste artigo e no anterior a cumplicidade atual dos líderes evangélicos, como a Igreja Universal, com os preceitos de consonância fascista defendidos pelo candidato Bolsonaro, estabelecendo uma comparação com os protestantes ou evangélicos da época do nazismo na Alemanha? Por perceber a existência de muita semelhança no comportamento dos líderes evangélicos atuais, que preferem também valorizar um evangelho da força, nacionalista, político e retrógrado, com os líderes evangélicos da época do Terceiro Reich. Um evangelho de cumplicidade com o Mal.
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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil, e RFI. Editor do Direto da Redação.