Publicado originalmente no blog Histórias Mal Contadas.
Na linguagem dos repórteres esportivos, existe a expressão 12º jogador, que é usada para descrever um fator extracampo que tem potencial de influenciar no resultado do jogo de futebol, tipo o tamanho da torcida, a atuação do juiz e muitos outros. O que o juiz federal Sérgio Moro, da Operação Lava Jato, fez a poucos dias da votação do primeiro turno das eleições, encaixa-se dentro da figura do 12º jogador.
Ele vai fazer a mesma coisa no Segundo Turno? Nós, repórteres, temos que deixar de lado os chavões que usamos para explicar o que não ficou claro na notícia para os nossos leitores. Vamos aos fatos, como falavam os nossos colegas nas antigas redações de jornais, nos tempos das barulhentas máquinas de escrever.
O fato. Na última semana da votação do Primeiro Turno, Moro retirou o sigilo de um dos anexos da delação premiada de Antônio Palocci feita à Polícia Federal (PF). Em setembro de 2016, Moro converteu a prisão temporária de Palocci, um dos fundadores do PT e ex-ministro dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT – RS) e Dilma Rousseff (PT – RS), em preventiva por prazo indeterminado.
Entre outras coisas, na delação o ex-ministro detalha a participação de Lula e Dilma em vários atos de corrupção. Claro, os conteúdos ocuparam extensos espaços nos noticiários na última semana da campanha, onde Jair Bolsonaro (PSC – RJ) e Fernando Haddad (PT – SP) disputam a presidência da República. Qual a influência que a delação de Palocci teve nos resultados do Primeiro Turno? Tem que esperar a poeira baixar para avaliar melhor a situação. Mas dois contornos já têm nitidez no meio da poeira. Dilma, que até a divulgação das denúncias era líder na eleição para senador em Minas Gerais (MG), sua terra natal, não se elegeu. E as notícias da delação foram fortes pedradas na imagem de Lula de que nada sabia dos casos de roubo do governo. Lula cumpre uma pena de 12 anos e um mês de condenação por corrupção em Curitiba (PR).
Agora nas semanas que antecedem ao Segundo Turno, o juiz Moro vai retirar o sigilo de novos anexos da delação de Palocci ou tem algum fato novo para tornar público relativo aos processos que tramitam em Curitiba contra Lula? O tempo irá responder a essa pergunta. O fato é que o juiz é o pensador, criador e estrategista da Operação Lava Jato, que reúne um grupo de procuradores da República, técnicos da Receita Federal, policiais da PF, juízes federais e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A influência da Lava Jato nos resultados até aqui das eleições de 2018 são visíveis – há várias reportagens disponíveis na internet. O que Moro fez, no caso da delação do Palocci, pode ser chamado de ativismo político, um assunto que é tabu dentro das reações de grandes jornais, TVs e rádios no Brasil.
Ao contrário dos nossos colegas repórteres americanos e europeus que tratam do assunto com naturalidade, os jornalistas brasileiros têm dificuldades de lidar com pautas que envolvam juízes, procuradores da República, promotores de Justiça e ministros dos tribunais superiores. Na ausência de uma abordagem direta do assunto, nós ficamos vendendo para o nosso leitor a imagem da imparcialidade dos operadores do direito. A imparcialidade não tem nada a ver com o ativismo político. A imparcialidade tem a ver com a fidelidade às leis que estão escritas, garantida por protocolos que regulamentam as sentenças dos juízes e as denúncias dos promotores. O ativismo político tem a ver com a defesa de ideias e de causas e está muito acima do partidarismo.
Não é por outra razão que os nossos colegas estrangeiros têm dificuldades de entender o que aconteceu por aqui, baseados apenas no que publicamos. Coisas para eles que são tratadas com naturalidade, tipo o ativismo político das cortes, aqui são tabu. A explicação que tenho dado é a de que a nossa experiência com a liberdade de imprensa é pequena, não tem 40 anos. Americanos e europeus trabalham com liberdade de imprensa há uns 200 anos. Um fato. O juiz Moro tem falado que se inspirou na montagem da Lava Jato nos acertos e nos erros da Operação Mãos Limpas (1992 a 1996) na Itália, que pode ser descrita como uma grande luta contra a corrupção. E nós, repórteres, seguidamente usamos a mesma comparação para explicar aos nossos colegas estrangeiros a Lava Jato.
Um repórter americano me chamou a atenção para o seguinte. Um oceano separa a Mãos Limpa da Lava Jato. A operação italiana aconteceu em um tempo em que a internet dava os seus primeiros passos, e a brasileira, em plena era das novas tecnologias que colocam informações online na palma da mão das pessoas. E que as redes sociais disputam palmo a palmo a preferência dos nossos leitores com as redações. Portanto, a influência da Lava Jato nas eleições pode ter ido muito além do que temos notícia. Um assunto que interessa ao nosso leitor.
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Carlos Wagner é jornalista.