Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Tacla Durán, Lula e a influência da mídia

Texto publicado originalmente no site do objETHOS.

Advogado Tacla Durán em depoimento à CPI. (Foto: Alex Ferreira/Câmara Federal)

Todos precisamos de um motivo que nos justifique levantar da cama diariamente – e quando penso nisso penso no que leva os sem-teto a conseguirem se levantar, mas essas são considerações impertinentes ao tema destas precárias linhas, embora talvez sejam úteis para revelarem o estado de espírito de quem as escreve. Que é, certamente, compartilhado por quem tinha e ainda tenta cultivar alguma esperança no futuro do país, neste ano e meio de golpe.

O que me fez levantar da cama para escrever sobre mídia não poderia ser, portanto, a mais recente demonstração de parcialidade e mesmo censura — praticada, vejam só, por aqueles que juram defender a liberdade de informação e expressão —, evidenciada no ocultamento, quando não no absoluto silêncio sobre o depoimento de Rodrigo Tacla Durán, o ex-advogado da Odebrecht que, no dia 30 de novembro, compareceu à CPI da JBS com provas comprometedoras dos métodos da Operação Lava Jato. Não valeria a pena tratar disso porque não precisamos insistir na denúncia do que já estamos fartos e nauseados de saber, e essa insistência não nos fará ultrapassar nossas próprias bolhas de autoconvencimento.

Mas esse comportamento da mídia permite retomar a reflexão a respeito de sua influência na formação de opinião e nas expectativas criadas com a circulação de informações pela internet, que escapariam do controle até então exercido pelas grandes corporações de comunicação. (Que Facebook e Google sejam grandes corporações é algo que, aparentemente, costuma ser esquecido nessas análises).

Se juntarmos ao silenciamento sobre Tacla Durán a mais recente pesquisa do Datafolha, que confirma a vantagem de Lula nas pesquisas de intenção de voto para 2018 — e a manchete do jornal deste domingo, 3 de dezembro, finalmente não se vale de artimanhas para tentar ocular ou distorcer o óbvio –, e se acrescentarmos a isso o artigo da ombudsman do jornal nesse mesmo domingo, poderemos talvez avançar para algumas considerações que nos estimulem a pensar.

Em primeiro lugar: se a internet, com suas redes, potencialmente fura o bloqueio imposto pelos meios tradicionais, por que esses meios insistiriam na velha tática de sempre? Talvez porque, ao contrário do que gostaríamos de imaginar – e nossas análises deveriam discernir entre o desejo e o objeto –, esses meios continuam a ser referenciais para a maioria. Assim, se o Jornal Nacional não dá uma palavra sobre o depoimento que abala a credibilidade da Lava Jato, se os principais jornais ignoram ou escondem em seus sites essa informação, para a maioria esse fato simplesmente não existiu, ainda que possa ter figurado entre os trending topics do twitter naquele dia. O que, mais uma vez, reforça a urgência de uma legislação sobre a mídia, embora essa perspectiva, praticamente ignorada quando houve condições de aproximar-se dela, hoje esteja fora do horizonte.

Essas considerações, entretanto, costumam conduzir a conclusões apressadas e enganosas – embora, não por acaso, tornadas quase senso comum inclusive em ambientes pretensamente qualificados – a respeito da influência da mídia no comportamento do público. No livro Notícias em disputa (ed. Contexto, 2017), Luís Felipe Miguel e Flávia Biroli tratam da precariedade das interpretações relativas a essa influência automática, que se chocam com resultados eleitorais contraditórios a campanhas midiáticas, mesmo as mais intensas, como foi o caso do Mensalão, incapaz de evitar a reeleição de Lula. As contrapartidas oferecidas pelos autores, no entanto, me pareceram equivocadas ou insuficientes, mas discuti-las exigiria um esforço que não posso empreender neste breve artigo.

Poderia apenas sugerir, alternativamente, que essa aparente contradição possivelmente seria desfeita se associássemos o pretendido poder de influenciar a opinião pública ao contexto sociopolítico e econômico, que ora neutraliza, ora potencializa esse poder. De todo modo, seria fundamental adotar uma perspectiva de longo prazo e ter em conta que o trabalho sistemático de propaganda – pensemos no que ocorreu desde o Mensalão – cultiva um sentimento coletivo capaz de explodir quando se apresentarem as condições para isso.

O importante aqui, porém, é apenas apontar os resultados da pesquisa do Datafolha, que confirmam a liderança de Lula já registrada em pesquisas anteriores, apesar de todo o bombardeio jurídico-midiático fortemente intensificado nos últimos dois anos. Poderíamos apenas especular sobre o que ocorreria se esta mídia cumprisse o que propõe em seus princípios editoriais e cobrisse com o devido cuidado e distanciamento crítico as denúncias de corrupção que se multiplicaram desde a reeleição de Dilma Rousseff: se não tivesse alimentado boatos como se fossem fatos, se — só para ficar no exemplo mais recente — tivesse noticiado o depoimento que fez furor nas redes. Bem, provavelmente não teria havido golpe.

Então, lemos a coluna da ombudsman, que começa assim: “A imprensa tornou-se alvo prioritário de grupos extremistas que buscam desacreditá-la. Nas últimas semanas, vieram à luz tentativas alarmantes de minar a credibilidade de repórteres e jornais”.

Isso, na semana do silêncio sobre Tacla Durán.

Contenhamos a gargalhada, porém: logo a seguir vemos que a jornalista se refere a um fato ocorrido nos… Estados Unidos! Uma tentativa de um grupo de ativistas conservadores de induzir a erro o Washington Post e demonstrar como a imprensa é parcial e irresponsável, bem ao gosto das provocações de Donald Trump.

Sem dúvida, há muitas armadilhas virtuais e elas são de fato um perigo. A imprensa deveria mesmo ser um antídoto a isso, uma referência para a informação confiável, independentemente da diversidade de enfoques interpretativos, nesse ambiente de tanta insegurança. O que não garantiria nada a priori, porque seria preciso cultivar no público a necessidade de buscar fontes credíveis, mas seria nada menos do que o básico a justificar o jornalismo. Mas o que fazer quando as armadilhas vêm da própria imprensa? A ombudsman poderia fazer essa pergunta. Mas deve saber a que público se dirige quando repete o seu mantra sem olhar o próprio rabo.

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Sylvia Debossan Moretzsohn é professora aposentada de jornalismo da UFF e pesquisadora do objETHOS.