Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Nosso rei estava nu!

(Foto: Marius Ispas/ Pexels)

Não é bem o conto do dinamarquês Hans Christian Andersen, mas tem suas semelhanças. Os dois Nogueiras, o ministro da Defesa, o chefe da Casa Civil e um dos líderes do Centrão, lá estavam no encontro do presidente Bolsonaro com os embaixadores, mas não precisou aparecer uma criança, como no conto de Andersen, para mostrar o pirulito murcho do presidente. Os embaixadores viram e como são gente educada saíram de mansinho, sem aplaudir, segurando uma vontade enorme de soltar as gargalhadas que explodiram ao chegarem em suas embaixadas. Nosso rei não estava nu, mas estava ridículo, risível, como se quisesse também destruir com suas lorotas a imagem do Brasil, construída nestes séculos por tantos brasileiros ilustres, economistas, diplomatas, cientistas e esportistas.

Deviam ter aconselhado Bolsonaro a não passar pelo vexame e pela vergonha: ele não tem porte de um estadista, não tem cultura, não tem verve, não tem carisma, não sabe desenvolver um discurso, montar uma argumentação e nem construir uma frase com certa erudição para o alto nível dos embaixadores. Que gol contra! Não só contra ele, mas igualmente contra o Brasil. Foi uma vergonha transmitida ao vivo pela estatal TV Brasil.

E afinal, o que desejava mostrar ao nosso presidente despido de pudor e de retórica, mas com certo cinismo?  Que nosso sistema de votação, o mais avançado do mundo, produto de uma alta tecnologia brasileira em matéria de informática, orgulho dos governos passados desde sua primeira utilização em 1996, pelo qual se pode ter os resultados alguns minutos depois de encerradas as votações, que esse sistema não presta!

Que o melhor mesmo seria retornar ao voto por cédulas de papel com os nomes dos candidatos nelas impressos, ou seja, quatro cédulas no mínimo (presidente, senador, deputado federal, governador) a serem colocadas numa urna, seguindo-se a apuração manual. Ora, isso seria o mesmo que chover no molhado, pois uma proposta de emenda constitucional acabando com o voto eletrônico já havia sido proposta, no ano passado, pelo deputado Filipe Barros (PSL-PR), mas rejeitada pela Comissão Especial da Câmara.

Fora isso, o voto impresso existente em 44 Estados nos EUA foi a razão pela qual o ex-presidente Trump declarava ter havido fraudes nas eleições nas quais foi derrotado por Joe Biden. Usando do argumento de fraudes, ele incitou seus seguidores a impedirem a diplomação de Biden como presidente, resultando na invasão do Senado por trompistas, com sérias depredações e morte de cinco pessoas. Ora, Bolsonaro na sua tentativa de reeleição quer utilizar o mesmo argumento de Trump, caso não seja eleito, mas trocando a seu favor as fraudes nos votos impressos nos EUA por fraudes nos votos eletrônicos no Brasil.

Com base nas alegações de fraude nas urnas eletrônicas (que não convenceram os embaixadores, como mostraram os jornais que os contataram), Bolsonaro, contando com a presença do ministro da Defesa e do líder do Centrão, parece ter feito uma pré-justificativa do seu golpe à comunidade internacional, pois pretende, como já afirmou diversas vezes, não reconhecer a validade do resultado das votações eletrônicas de outubro, oficializando o golpe. Para isso conta com a maioria na Câmara e no Senado, seguindo-se a decretação do estado de sítio se houver manifestações e choques com suas milícias, prorrogando-se todos os mandatos atuais por tempo indeterminado, como explicou com algumas variantes numa entrevista, o ex-ministro da Justiça de Lula, o gaúcho Tarso Genro.

 Entretanto, ao contrário do que espera Bolsonaro, esse pretexto de fraude eleitoral não será aceito pelos grandes países da comunidade internacional. Isso já deixou claro o embaixador da Suíça, Pietro Lazzeri, segundo o qual não se vai questionar um sistema “que tem funcionado bem nestes últimos 50 anos”. Havendo ou não a confirmação do golpe, esse encontro de Bolsonaro com os embaixadores foi uma manobra golpista preocupante , porque dela participaram os dois Nogueiras, Forças Armadas e Centrão, dando-lhe adesão e validade oficial.

Os partidos da oposição entraram com uma denúncia contra Bolsonaro por crime de atentado contra o Estado democrático, com seus ataques ao sistema eleitoral vigente. Uma reação esperada, porém, provavelmente sem sequência, pois deverá passar por Augusto Aras, na Procuradoria Geral da República. Entretanto, o surpreendente é o silêncio e a falta de reação dos mais importantes órgãos da sociedade civil, federações, confederações e patronatos da imprensa, que não reagem às repetidas ameaças à democracia por Bolsonaro.

Para concluir, vale destacar o pronunciamento do jornalista apresentador da CNN, William Waak, criticando o encontro de Bolsonaro com os representantes de países estrangeiros para falar mal do Brasil, como se nosso país fosse “uma republiqueta, que elege seus dirigentes com urnas fraudulentas”, usando dados falsos, versões já desmentidas para atacar tribunais superiores. Enfim, diz Waak, “Bolsonaro se tornou o primeiro presidente que convoca embaixadores de todos os países do mundo para emporcalhar a imagem do seu próprio país”.

 

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.