Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O jornalismo e os paradoxos das narrativas eleitorais

(Foto: cottonbro/ Pexels)

O jornalismo terá uma missão crítica na cobertura das eleições de outubro porque o que estará em jogo não são dados ou fatos, mas narrativas, a expressão da moda entre políticos e marqueteiros. Narrativa é a forma de arrumar dados, fatos e eventos para dar-lhes algum tipo de significado ou importância, e com isto influir na forma como as pessoas percebem a realidade que as cerca. 

Num processo eleitoral, os candidatos e seus apoiadores buscam votos através de narrativas capazes de promover seus posicionamentos, propostas e ideias. Logo, as narrativas eleitorais inevitavelmente atropelam a objetividade e a isenção porque são construídas para atender a uma estratégia política pré-estabelecida pelo candidato.

A polarização e radicalização ideológica às vésperas do próximo pleito presidencial passaram a se expressar através de uma guerra de narrativas, ou seja, cada lado arrumando dados, fatos e eventos segundo seus interesses, incluindo o uso sistemático de notícias falsas (fake news).

As narrativas se tornaram assim parte essencial no processo de desinformação, cujo objetivo é induzir as pessoas a verem a realidade de uma forma distorcida, como aconteceu na polêmica sobre terra plana ou sobre o caso da cloroquina na pandemia da Covid 19. 

Desconstruir narrativas

A combinação de narrativas, notícias falsas e desinformação compõe o principal e mais eficiente arsenal dos grupos de extrema direita na batalha eleitoral de outubro, o que coloca o jornalismo numa complexa conjuntura já que sua missão é oferecer aos eleitores informações confiáveis. O problema é que os jornalistas trabalham basicamente com narrativas e, por isto, também organizam dados, fatos e eventos segundo uma lógica própria.  

Para o jornalismo não ser engolido pela batalha das narrativas, o recurso que pode diferenciá-lo dos demais protagonistas do debate eleitoral é a preocupação em destrinchar (desconstruir) para seus leitores a forma como os candidatos e partidos organizam seus discursos, conversas e entrevistas durante a campanha.

Com isto, o público poderá ter mais elementos para poder identificar e avaliar os vários lados das questões incluídas na agenda política dos candidatos. Não é uma tarefa fácil e rápida porque implica um mergulho em questões complicadas, onde muitas vezes é quase impossível distinguir o certo do errado.  Como desconstruir, por exemplo, narrativas sobre teto de gastos federais, sobre o preço da gasolina, ou ainda uma decisão do Supremo Tribunal Federal. 

A desconstrução de narrativas eleitorais é particularmente complexa porque o ritmo do debate eleitoral é intenso e acelerado, não dando tempo ao profissional para identificar os diferentes componentes do discurso dos candidatos. Desconstruir narrativas é um processo mais amplo e complicado do que verificar a autenticidade de dados e fatos (fact checking), porque implica identificar pressupostos, ideias e objetivos embutidos no discurso de candidatos, partidos e marqueteiros eleitorais.  

Leitura crítica

Como é materialmente impossível ao jornalismo desconstruir em tempo real todas as narrativas usadas por aspirantes a cargos executivos e legislativos, uma alternativa seria levar o público a assumir novos hábitos no consumo de informações, especialmente em períodos eleitorais.  

Uma solução possível, e que já está sendo testada em várias partes do mundo, é o uso da chamada “leitura crítica”, como um recurso contra o uso de narrativas políticas como parte de processos de desinformação eleitoral. Não se trata de desconfiar de tudo o que é lido, ouvido ou visto nas mídias, mas de questionar e pesquisar sobre temas sobre os quais nosso conhecimento é limitado.

Sem a desconstrução de narrativas fica mais fácil a propagação de ideias, conceitos e condutas baseados na repetição constante de fake news e informações descontextualizadas. A era digital e em especial as redes sociais, permitiram a generalização da velha máxima nazista de que uma mentira repetida milhares de vezes vira uma verdade na mente de pessoas indefesas diante da guerra das narrativas eleitorais.

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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.