Não foi a primeira e nem será a última vez que pesquisas de intenção de votos em eleições no Brasil cometem erros. Faz parte do jogo. Acontece nas mais sólidas democracias do mundo. No domingo (02/10), contrariando a maioria das pesquisas, o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), que concorre à reeleição, não só foi para o segundo turno disputar com o seu principal adversário, Luiz Inácio Lula da Silva (PL), como ajudou a eleger mais de 100 deputados federais, 14 senadores e vários governadores. Claro, é importante discutir as razões pelas quais houve o erro nas pesquisas. Mas não é a principal discussão. A principal discussão é saber onde foram parar os mais de R$ 60 bilhões colocados à disposição do governo federal pela chamada PEC da Bondade, para serem usados em programas sociais, e o Orçamento Secreto, para emendas parlamentares que deixam rastros onde o dinheiro é aplicado – há matéria nos jornais. Temos citado em matérias dispersas pelos noticiários no último meio ano que esse dinheiro estaria sendo usado pelos aliados do governo.
O fato é o seguinte. Nunca na história do Brasil um governo colocou tal soma de dinheiro na rua durante um ano eleitoral. Lembro que recentemente falamos que o retorno em prestígio político junto aos eleitores para o governo do dinheiro da PEC da Bondade tinha sido muito pequeno. Não lembro de se ter publicada alguma matéria relevante esmiuçando o caso. O que vou falar agora não é opinião, são fatos que temos escrito. Os dois principais grupos que sustentam o governo são os militares (ativa, reserva e reformados), que somam mais de 6 mil ocupando cargos de chefias na administração federal, e os parlamentares do Centrão, que dão sustentação no Congresso ao presidente da República. Os militares foram beneficiados por um decreto assinada pelo presidente que permite que a soma dos salários que ganham nas Forças Armadas com a remuneração que recebem pelo cargo que ocupam na administração pública ultrapasse o teto do funcionário público, em torno de R$ 40 mil. Os parlamentares são beneficiados pelo Orçamento Secreto. Isso significa que não estão no governo por motivos ideológicos ou qualquer outro que não seja o dinheiro.
Portanto, eles farão tudo para preservar os seus ganhos. Mas até onde estão dispostos a ir? Essa pergunta ainda não respondemos ao nosso leitor. O que nós sabemos é que esse pessoal tem provocado um atrito considerável com os funcionários federais de carreira. E que, por conta disso, existem setores na administração federal, como o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que estão virados em confusão. Lembro que na Polícia Federal (PF) existe um racha entre os delegados como jamais se tinha visto antes. Andei falando com lideranças sindicalistas sobre essa situação. Um deles chamou a minha atenção para um fato que considerei importante. Disse que existe uma conversa forte nos bastidores do governo de mexer na estabilidade dos funcionários públicos federais para poder colocar em lugares estratégicos da administração pessoas de sua confiança. Argumentei que seria necessário aprovar no Congresso uma reforma administrativa, a qual duvido que passe. “Tudo depende”, respondeu o sindicalista. Pedi maiores explicações, e ele disse: “Caso o governo se reeleja, ele vai mexer na estrutura do país por dentro, especialmente nos setores de fiscalização. Portanto, vai tentar fazer a reforma”.
Arrematando a nossa conversa. Lembro o leitor que se tornou rotina nos noticiários avisar que o ministério tal não respondeu às perguntas feitas pelos jornalistas. O governo de Bolsonaro tornou a vida dos jornalistas um inferno. Até para obter informações básicas necessárias para completar uma matéria. Fez isso por ter alguma coisa a esconder? Não acredito. Fez porque considera a imprensa livre um problema e uma ameaça, por impedir que a única versão do fato seja a oficial. Dentro dessa realidade, rastrear no governo o caminho que verbas percorrem é muito difícil. Na maioria das vezes, impossível. Isso deixa a imprensa encurralada em um canto, porque não tem como esclarecer a maioria dos assuntos. E não tem porque há falta de pessoal nas redações. Sendo assim, sempre que uma matéria, por mais relevante que seja, fica “empacada”, um termo usado para definir que não avança por falta de informações, ela é colocada de lado e segue o baile. Tenho recomendado aos meus colegas, especialmente os jovens envolvidos com a cobertura do dia a dia, que tenham cuidado com as informações pela metade. Por quê? Muitas vezes são armadilhas para pegar repórteres desprevenidos e usá-lo para vender o seu peixe. Lembro que nesses quase quatro anos de governo, Bolsonaro é um dos presidentes que mais acumulou situações não explicadas, algumas até muito simples.
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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.