Por três motivos a disputa pelo governo do Rio Grande do Sul entre o ex-ministro Onyx Lorenzoni (PL) e o ex-governador Eduardo Leite (PSDB) se tornou de interesse do Brasil. O primeiro foi a criminosa insinuação homofóbica feita por Onyx contra Leite, durante a propaganda eleitoral no rádio, quando disse que o estado “terá uma primeira-dama de verdade”. Leite admitiu publicamente que era gay em julho de 2021 no programa Conversa com Bial, da Rede Globo. E no final daquele ano ele tornou público o seu relacionamento com o namorado, o médico Thalis Bolzan. O segundo motivo aconteceu na sexta-feira (14/10), quando o ex-ministro admitiu que não fez vacina contra a Covid, durante debate com Leite no programa Atualidade, da Rádio Gaúcha. A pandemia causada pelo vírus matou 41 mil gaúchos e mais de 670 mil brasileiros. Toda a história da omissão do governo do presidente da República Jair Bolsonaro (PL) está contada nas 1,3 mil páginas do relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado sobre a Covid-19, a CPI da Covid, que colocou as digitais governamentais na tragédia. O terceiro motivo merece uma atenção maior por não ser visível. Vamos aos fatos.
Começamos a busca pelo terceiro motivo citando um fato histórico. A disputa política gaúcha é polarizada desde os tempos da Revolução Farroupilha (1835 a 1845), uma guerra travada contra o governo central da época que tinha como um dos seus objetivos separar o Rio Grande do Sul do resto do Brasil. Os gaúchos foram vencidos e houve com um acordo de paz que até hoje ainda é assunto polêmico, discutido principalmente durante a Semana Farroupilha, em setembro, ocasião em que são homenageados os heróis farroupilhas. Para lembrar. No estado, a polarização não é só política, ela acontece em vários setores, como no futebol, onde ou se torce para o Grêmio ou para o Internacional. Dentro desse contexto, tudo o que os estrategistas da campanha de Onyx queriam era que essa polarização se mantivesse no segundo turno, ligando a eleição estadual com a nacional, entre Bolsonaro e o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Para existir essa conexão, os estrategistas da campanha do ex-ministro consideravam importante que a disputa fosse travada entre Onyx e o candidato a governador pelo PT, Edgar Pretto. Houve uma briga acirrada pela vaga no segundo turno entre Leite e Pretto. No final, o ex-governador fez 1.702.815 votos válidos (26,81%), superando o petista por apenas 2.441 votos e se habilitando para disputar o segundo turno com Onyx, que fez 2.382.026 votos válidos (37,5%).
Agrosso modo, Onyx arrancou na disputa do segundo turno com uma vantagem de 10% dos votos válidos. E a estratégia da campanha de Leite no segundo turno é uma recauchutagem do primeiro. Vou explicar. Para começo de conversa, ele manteve o seu discurso de terceira via, uma proposta política nascida nas redações dos jornais que defendia o surgimento de um terceiro candidato à eleição presidencial para evitar a polarização entre Lula e Bolsonaro. Na ocasião, ex-governador tentou ser esse terceiro candidato, mas fracassou. E, finalmente, Leite fez uma mudança na sua estratégia de campanha no segundo turno considerada fundamental pelos especialistas no assunto. Ele não pediu o apoio do PT e muito menos do PL. E apelou para os valores culturais do gaúcho para vender a ideia que os seus problemas diários são resolvidos pelo governador, e não pelo presidente da República. Essa ideia é reforçada pela trilha musical dos programas de rádio e TV, usando a música Querência Amada, de Teixeirinha, que abre assim: ”Quem quiser saber quem sou. Olha para o céu azul. E grita junto comigo. Viva o Rio Grande do Sul…”. Vitor Mateus Teixeira, o Teixeirinha (1927 a 1985), foi e continua sendo o cantor e compositor mais popular dos gaúchos. O que vou falar agora não é opinião, são fatos que noticiamos. A estratégia de Onyx para o segundo turno também fez uma aposta na cultura gaúcha. A história da insinuação homofóbica da primeira-dama teve como objetivo despertar no gaúcho a cultura do machismo, que ainda é muito forte, especialmente pelo interior do Estado. Se essa estratégia deu certou ou errado, vamos saber no andamento da campanha. O que se tem fato até agora é a pesquisa sobre intenções de votos que saiu na sexta-feira (14/10), feita pelo Ipec: Leite tem 50% das intenções de votos e Onyx, 43%.
Para concluir a nossa conversa. A aposta da campanha do Onyx na insinuação criminosa homofóbica referente à história da primeira-dama tem como objetivo mexer com o sentimento de machismo dos gaúchos, que ainda é muito forte. Se vai ter sucesso ou não, o tempo dirá. O fato é que se trata de uma insinuação criminosa. Lembro aos colegas, em especial aos repórteres jovens que estão fazendo a cobertura do dia a dia dos noticiários, que as campanhas eleitorais nos dias atuais, por mais simples que sejam, são planejadas e tem gente muito bem paga pensando sobre as estratégias. O que isso significa? Significa que a o cerne na mensagem é disfarçado no meio da mensagem. Portanto, todo cuidado é pouco para não escrever besteira. Há duas coisas que os candidatos andam falando que estão passando batido pela imprensa. Leite tem dito que o seu governo investiu para baixar os crimes contra as mulheres. Ele foi prefeito de Pelotas (2013 a 2016) e em 9 de abril de 2015 a professora Cláudia Hartleben, do curso de Biotecnologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), desapareceu e a investigação policial aponta que é provável que ela tenha sido vítima de feminicídio – há um vasto material disponível na internet. Durante o seu governo, Leite não mexeu uma palha para ajudar a resolver o caso. Onyx vem pregando a defesa da família e os valores dos neopentecostais. É preciso perguntar para ele qual é o seu conceito de família. A campanha acaba no dia 30. Mas as estratégias dos candidatos são informações importantes que os jornalistas irão estudar por um longo tempo.
Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.