Deixando de lado as análises sobre a devastação das contas públicas que pode causar a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de R$ 50 bilhões para o governo federal usar em programas sociais, a chamada PEC da Bondade. Vamos nos fixar apenas no jogo da disputa eleitoral entre o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), que concorre à reeleição, e o seu principal adversário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP), que está na frente nas pesquisas de intenção de votos e tem chance real de se eleger no primeiro turno. Vamos aos fatos. Há pelo menos 30 milhões de brasileiros passando fome, o diesel está mais caro que a gasolina, o litro de leite custa R$ 10, o botijão de gás mais de R$ 120, a inflação está alta – há matérias na internet. Dentro dessa realidade, qualquer político que se posicionar contra a emenda não se elege nem para síndico de prédio. Não foi por outro motivo que na votação da emenda no Senado apenas José Serra (PSDB-SP) votou contra. Resumindo a situação: Bolsonaro encurralou em um canto a oposição.
A esperança dos estrategistas da campanha de reeleição do presidente é que a PEC da Bondade tenha o mesmo efeito na popularidade de Bolsonaro que teve o Auxílio Emergencial de R$ 600 que foi pago para 40 milhões de brasileiros durante o auge da pandemia de Covid (2020 e 2021). Na ocasião, a popularidade do presidente, que vinha caído, subiu de 29% para 40% – há matéria na internet. Nem mesmo os colegas comentaristas políticos que agem como se tivessem uma “bola de cristal” podem especular se isso vai acontecer. Porque hoje o contexto político, econômico e social é outro. Lembramos que na época do Auxílio Emergencial quem dava as cartas no governo era o chamado Gabinete do Ódio, formado pelos três filhos parlamentares de Bolsonaro, Carlos, vereador do Rio, Flávio, senador do Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado federal por São Paulo. O foco do governo eram as teses negacionistas em relação ao poder de contágio e letalidade da Covid-19. E também a pregação contra a eficiência das vacinas. Nos dias atuais quem dá as cartas são os militares saudosistas do Golpe de 1964, que somam mais de 6 mil ocupando cargos na administração federal, representados pelo general da reserva Braga Netto, possível vice na chapa da reeleição. E os 199 parlamentares de nove partidos do Centrão, que têm com um dos seus líderes o senador Ciro Nogueira (PP-PI), ministro da Casa Civil.
Essa aliança entre os militares e os parlamentares do Centrão é tensa e só se mantém porque existe o objetivo comum, que é a reeleição de Bolsonaro. Vejamos o seguinte. Os militares que estão no governo são de várias patentes da ativa, reserva e reformados. Legalmente, eles não representam as Forças Armadas. Estão no governo por sua própria conta. Mas no imaginário da população eles são as Forças Armadas, que tem um enorme prestígio na opinião pública. O presidente Bolsonaro é capitão reformado do Exército e surfa no prestígio dos militares. A poucos dias, Braga Netto, durante uma conversa com empresários no Rio de Janeiro, ameaçou a Justiça Eleitoral dizendo que as eleições não sairiam caso não fosse possível auditar as urnas eletrônicas. Falou bobagem. Mas as bobagens ditas por um general para a maioria dos brasileiros soam como uma ameaça. Só para constar. As urnas eletrônicas são confiáveis. A função dos parlamentares do Centrão é outra. Eles são a ligação direta de Bolsonaro com o eleitor. Operam o chamado Orçamento Secreto, um truque contábil que destina dinheiro para emendas parlamentares. Os parlamentares do Centrão nunca tiveram tanto dinheiro à sua disposição para encantar os seus eleitores. Portanto, se somar o prestígio das Forças Armadas, a habilidade dos parlamentares do Centrão de usar o dinheiro público para se eleger e a PEC da Bondade, a crença é que garantirão Bolsonaro no segundo turno e com uma boa chance de ser reeleito. Mas se o efeito da PEC da Bondade não for o esperado e Lula continuar crescendo nas pesquisas, o que vai acontecer? Os militares que estão no governo vão bagunçar as eleições? Se tentarem, serão presos. Lembro que eles estão ao lado de Bolsonaro pelo dinheiro, e não por compromisso político. Graças a um decreto assinado pelo presidente, os militares podem somar os vencimentos dos cargos que ocupam no governo aos seus salários nas Forças Armadas. Antes do decreto, não podiam ganhar acima do teto salarial do funcionalismo público federal, ao redor de R$ 39 mil. Hoje, os generais no governo estão ganhando mais de 100 mil reais. Já os parlamentares do Centrão, se falhar a PEC da Bondade, vão se juntar ao próximo governo, como sempre fizeram.
Ofato é o seguinte. Se a candidatura à reeleição de Bolsonaro não reagir nas pesquisas com a PEC da Bondade corre o risco de implodir, porque as divergências entre os principais grupos políticos que a apoiam são enormes. Isso que escrevi não é opinião. São fatos que temos publicado nos noticiários. O presidente da República não está mal nas pesquisas por um único motivo. Mas pelo conjunto da obra de erros cometidos na administração do país, como os documentados nas 1,3 mil páginas do relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado da Covid-19, a CPI da Covid, no escândalo do caso dos “pastores do MEC”, que resultou na prisão preventiva do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, 64 anos. Pela invasão por garimpeiros e madeireiros das reservas indígenas da Selva Amazônica, que resultou no brutal assassinato do jornalista britânico Dom Phillips, 67 anos, e do indigenista brasileiro Bruno Pereira, 41 anos, no Vale do Javari. Pelo caos criado nas contas públicas pela inoperância do ministro da Economia, Paulo Guedes. Podia ficar listando problemas o dia todo. É a soma de tudo isso que chamo de “conjunto da obra”. O fato é que nós só vamos saber quem ganhou as eleições para presidente da República depois que as urnas foram abertas. Até lá tudo é possível. Menos bagunçar as eleições. Quem tentar, vai preso.
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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.