Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A morte do repórter

O jornalista Reali Jr. era um ser humano ecumênico. Ele saiu do Brasil e foi viver na França durante o período da ditadura militar para poder exercer a sua profissão livremente. Era um homem decididamente de esquerda, mas colocava o profissionalismo acima de qualquer convicção política. Seu verdadeiro partido era a notícia.


Nunca conheci um repórter mais repórter. Aprendeu o ofício nos campos de futebol, carregando aqueles velhos e pesados ‘microfones volantes’e entrevistando jogadores antes e depois dos embates. Com a mesma desenvoltura com que entrevistava obscuros Atalibas da bola, arrancava confissões e garimpava notícias de ministros, presidentes, chefes de Estado, monarcas, príncipes, astros de cinema, literatos ou foragidos da lei.


Aos poucos, a sua casa em Paris se tornou ponto de referência não só dos exilados que fugiam do regime militar, mas de todos os políticos brasileiros de dentro ou de fora do poder que passassem pela França. Era impossível passar por Paris sem compartilhar de um prato de comida, de uma taça de vinho ou simplesmente de uma reconfortadora prosa com Reali Jr e sua adorável Amélia, essa sim, uma mulher de verdade.


Lacuna no jornalismo


Passaram por lá desde Miguel Arraes e Jânio Quadros a Delfim Neto e Celso Furtado. A casa de Reali Jr era ecumênica como a sua alma.


Dois anos e meio atrás veio passar as férias do Brasil e nunca mais conseguiu voltar para casa. Fez um transplante de fígado, mas outras complicações impediram a sua volta. De vez em quando, vinha à minha casa devorar a polenta com codornas que minha mulher, Vera, preparava especialmente para satisfazer a sua refinada gula.


Morreu no sábado, 9/4. Três de suas quatro filhas e quatro dos seus cinco netos que moravam em Paris vieram se despedir dele, junto com meia cidade de São Paulo.


E adianta dizer que com a sua morte abriu-se uma lacuna no jornalismo? Prefiro então usar as palavras de seu amigo Luis Fernando Verissimo, simplesmente porque ele conseguiu dizê-las antes de mim:



‘Nunca a palavra perda para descrever uma morte foi tão apropriada.’

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Jornalista