‘A repórter do ‘New York Times’ Judith Miller, já é o jornalista que mais tempo ficou atrás das grades por proteger uma fonte nos EUA. Hoje, ela completa 67 dias detida no presídio de Alexandria, próximo de Washington. Antes dela, um profissional do ‘Los Angeles Times’ havia passado 48 dias na cadeia.
Miller, que foi presa por se recusar a revelar quem lhe contou o nome de uma agente secreta da CIA, trabalha em tempo parcial na lavanderia da prisão, ajudando a lavar os macacões e a roupa de cama dos detentos, enquanto o inquérito no qual está envolvida pode estar perto do fim.
Entre seus turnos na lavanderia, Miller trabalha na biblioteca, catalogando os livros, contou o advogado Floyd Abrams, dando novos detalhes sobre a vida de Miller atrás das grades, após ter se encontrado com ela, na quarta-feira.
Abrams, que representa o ‘New York Times’, afirmou que Miller estava ‘em segurança’, mas que as condições na penitenciária eram ‘deprimentes’.
Miller se recusou a depor em um júri de instrução que tenta determinar que integrante do governo Bush divulgou indevidamente a identidade de Valerie Plame, agente da CIA.
Abrams disse que Miller continua ‘decidida’ e que não revelaria sua fonte ao júri de instrução do caso, que pode abalar mais um governo que já vem sofrendo pesadas críticas devido à sua reação ao furacão Katrina. O inquérito acabou envolvendo Karl Rove, o principal assessor político do presidente George W. Bush.
Advogados familiarizados com a investigação afirmam que existem sinais de que o inquérito, iniciado há 20 meses, será encerrado dentro de algumas semanas, em uma rodada final de negociações e manobras judiciais.
Questionado se havia negociação em curso com o promotor especial Patrick Fitzgerald, do Departamento da Justiça, para a libertação e o depoimento de Miller, Abrams disse que ‘caso existisse a discussão, seria sigilosa’.
‘Ela está [na prisão] por um motivo. No momento, o motivo continua a existir. Ela fez uma promessa e, a menos que a fonte a libere de cumpri-la, não tem escolha a não ser manter a posição que assumiu’, disse o advogado.
Ele se recusou a comentar se Miller, detida desde 6 de julho embora não tenha publicado nenhum texto sobre o caso Plame, havia contatado sua fonte de novo pedindo que fosse liberada da promessa de confidencialidade, permitindo que depusesse.
O advogado Theodore Boutrous, que representa a revista ‘Time’ e seu repórter Matthew Cooper, disse que o impasse entre Miller e o promotor especial talvez esteja chegando ao fim.
‘Ou ele precisa de Miller ou não precisa’, disse Boutrous. ‘Quem piscar primeiro… Não há como não acreditar que é preciso que alguma coisa aconteça em breve, em um sentido ou no outro.’
Diferentemente de Miller, Cooper evitou ser preso concordando em depor depois que recebeu ‘consentimento pessoal expresso’ de sua fonte para revelar-lhe a identidade. A primeira pessoa que o informou sobre Plame foi Rove, afirmou o jornalista.
O marido da agente, o ex-diplomata Joseph Wilson, disse que o vazamento tinha por objetivo desacreditá-lo por criticar a política de Bush quanto ao Iraque em 2003, após uma viagem financiada pela CIA para investigar se o Níger havia ajudado a fornecer materiais nucleares para Bagdá.
Diversos advogados envolvidos no caso dizem que é provável que o promotor especial encerre o inquérito até o final do ano, se não mais cedo, ainda que digam não terem recebido informações do escritório dele em semanas.
Desgaste político
O desfecho poderá ter implicações políticas para Bush, cujo índice de aprovação já é o mais baixo desde seu primeiro mandato.
Depois de inicialmente prometer que demitiria quem quer que tivesse divulgado informações sobre o caso, Bush reelaborou em julho sua promessa: ‘Se alguém cometeu um crime, não voltará a trabalhar em meu governo’.
Líderes do Partido Democrata exigem que Bush demita Rove, o arquiteto de suas duas vitórias presidenciais e agora vice-chefe de gabinete, ou restrinja seu acesso a informações confidenciais.
Os advogados de Rove dizem que ele nada fez de errado e que lhe foi garantido diversas vezes que não é um dos alvos da investigação do promotor especial.
Quando Miller foi detida, o juiz federal Thomas Hogan determinou que ela deveria ficar na prisão até concordar em depor ou pelo restante do período de competência do júri de instrução, que se encerra em outubro próximo.
Mas caso não haja acordo, dizem advogados, o promotor especial poderá reforçar a pressão, ameaçando Miller com sentença mais longa. Os advogados de Miller, por sua vez, poderiam argumentar que ela não tinha intenção de testemunhar e que mantê-la presa não afetaria o trabalho de Fitzgerald, já que outros envolvidos haviam revelado suas fontes.
Repórter investigativa que cobre assuntos de segurança nacional e de política externa, Miller é um dos cerca de 440 detentos do presídio de Alexandria.
O presídio de Alexandria onde Miller está detida abrigou alguns dos mais notórios espiões e suspeitos de terrorismo do país. Num pavimento acima do de Miller, está Zacarias Moussaoui, a única pessoa condenada por causa do 11 de Setembro.
Como outros detentos, ela tem uma pequena cela que recebe alguma luz natural por uma janela e é trancada para dormir a partir das 23h. A cela dispõe de uma pia, um vaso sanitário e uma cama.
Davis não quis falar muito da rotina de Miller. Em termos gerais, disse, quem trabalha na lavanderia ajuda a lavar calças, roupa de cama e macacões.
Tradução de Paulo Migliacci’
MOORE vs. BUSH
‘Michael Moore está de volta’, copyright Folha de S. Paulo, 11/09/05
‘Michael Moore está de volta, e furioso. O documentarista, ganhador do Oscar por ‘Tiros em Columbine’, contra a indústria armamentista dos EUA, e da Palma de Ouro de Cannes por ‘Fahrenheit 11 de Setembro’, que critica a maneira com que George W. Bush lida com a chamada ‘guerra ao terror’, deve usar o furacão Katrina para lançar mais um direto de esquerda, desta vez contra a relação da Casa Branca com a questão ambiental.
Depois de escrever uma violenta carta aberta ao presidente norte-americano em que chamava Bush de no mínimo preguiçoso (‘As férias acabaram’ era o título do texto, primeiro publicado em seu site e depois reproduzido por jornais e blogs do mundo inteiro), Moore anunciou que fechou provisoriamente seu escritório de Nova York, onde mora, e mudou-se com a equipe para Covington, na Louisiana.
A explicação oficial é humanitária. ‘Fechei minha produtora em Nova York e levei minha equipe para Louisiana para ajudar no resgate’, escreveu ele, que não está dando entrevistas enquanto não melhorar a situação em Nova Orleans e região. ‘A coronel da reserva Ann Wright, que já havia nos acompanhado na turnê das eleições, no ano passado, está lá ajudando a organizar os resgates e trabalhando com dezenas de veteranos das guerras do Vietnã e do Iraque, que vão a Nova Orleans todos os dias para resgatar pessoas.’
A Folha, apurou, porém, que Moore pretende usar a visita para fazer um filme-denúncia contra a política ambiental de George W. Bush. Moore teria mesmo colocado em banho-maria seu próximo projeto, o filme ‘Sicko’ (gíria norte-americana para ‘doente mental’), sobre a indústria farmacêutica e de seguros médicos dos Estados Unidos, previsto inicialmente para ser concluído até o final do ano.
Um ‘Fahrenheit Ambiental’, concebido no calor da hora, não seria exatamente novidade na filmografia de Moore. O cineasta é mais conhecido hoje em dia por sua maestria na sala de edição, não necessariamente na captação de imagens. Ele usa e abusa da compra de filmes e vídeos de produção caseira ou feitos por cinegrafistas amadores, como no caso da Guerra do Iraque, país em que nem chegou a colocar os pés durante a fase mais dura do conflito. Há rumores de que ele já estaria comprando tudo o que está conseguindo encontrar sobre a inundação de Nova Orleans.
Moore não está sozinho ao explorar um fenômeno de mídia como o furacão para fins de entretenimento -nem que, no caso de Moore, o entretenimento tenha motivos supostamente nobres ou pelo menos uma função militante. A livraria Barnes & Noble já anuncia para o dia 28 o livro ‘O Furacão Katrina’, feito por uma equipe de uma empresa especializada em meteorologia.
A indústria literária é mais ousada e tradicionalmente ligada aos fatos do dia do que a do cinema e da TV, por exemplo -Moore é a exceção que conforma a regra. Os estúdios de Hollywood demoraram quase quatro anos para começarem a tocar abertamente no tema 11 de Setembro em suas obras de ficção, e o ataque terrorista ainda não viu um bom longa que o interprete.
Literatura e TV
Mesmo a ficção nas letras tomou seu tempo para encarar de frente os EUA pós-terrorismo. O desenhista Art Spiegelman, autor da clássica graphic novel ‘Maus’, lançou há menos de um ano ‘In the Shadow of No Towers’ (na sombra de nenhuma torre), sua visão sobre os acontecimentos daquele dia. Da mesma maneira, o britânico Ian McEwan faz do assunto o centro de seu ‘Saturday’, de 2005.
Segundo ronda feita pela Folha entre as principais editoras, as livrarias devem esperar uma pequena avalanche de livros-reportagens perpetrados por alguns dos principais repórteres que cobrem agora o evento em Nova Orleans para jornais como o ‘New York Times’ e revistas como a ‘New Yorker’. Não se fala sobre ficção, porém. Pareceria oportunista, acredita-se.
Da mesma maneira, a TV aberta vem exibindo especiais televisivos sobre o assunto, e emissoras de TV paga como a HBO analisam propostas de documentários, menos partidários do que o de Michael Moore promete ser. De novo, nada de ficção.
Mas o caso mais involuntariamente engraçado talvez venha da indústria fonográfica, sempre a primeira a reagir em ocasiões assim, geralmente em busca da doação imediata para os esforços de resgate e recuperação. Foi assim no 11 de Setembro, na Guerra do Afeganistão, na Guerra do Iraque e no tsunami -para não citar os clássicos ‘Concert for Bangladesh’, de 1971, ‘Live Aid’, em favor da África, de 1985, e ‘We Are The World’, sua versão norte-americana.
Tem sido assim agora, com uma profusão de concertos televisivos que reúnem atores e músicos -anteontem, começou um evento do gênero transmitido ao vivo pelas principais emissoras de TV dos EUA.
Uma banda, porém, vem lucrando sem querer com a desgraça alheia. É a Katrina and the Waves (Katrina e as ondas), um conjunto de pop rock dos anos 80 mais conhecido pelo hit ‘Walking on Sunshine’. Redescobertos nos últimos dias, viram seu nome batizar de séries de reportagens de TV a títulos de jornais. Isso levou a vocalista, Katrina Leskanich, a dizer: ‘Espero que o verdadeiro espírito de ‘Walking on Sunshine’ prevaleça. Odiaria que nosso nome ficasse manchado por tanta tristeza.’’
CHINA SEM SKYPE
‘Governo chinês tenta impedir acesso ao Skype’, copyright O Globo, 12/09/05
‘A estatal China Telecom, maior operadora de telefonia fixa do país asiático, está tentando bloquear o uso da tecnologia Skype, que permite realizar chamadas baratas de longa distância de computadores para telefones fixos, informou ontem a imprensa local. Segundo as notícias veiculadas, a China Telecom preparou uma lista negra de pessoas que utilizam o serviço Skype na cidade de Shenzhen e ameaça castigar quem burlar a proibição.
A companhia telefônica também planeja bloquear o uso do Skype em todo o país, porque a tecnologia ameaça seus negócios de chamadas telefônicas de longa distância, informou o diário ‘South China Morning Post’.
‘O serviço de chamadas de computadores para telefones fixos está estritamente regulado pela lei e, na China, somente a China Telecom e a China Netcom têm permissão para realizá-lo’, declarou um porta-voz da operadora estatal ao jornal.
O Skype permite ligações para a Europa ou para os Estados Unidos por apenas dois centavos de euro por minuto, frente ao custo de 70 centavos de euro por minuto no serviço regular da China Telecom.
Apesar de as autoridades chinesas tentarem bloquear e impedir o uso do Skype no país, na prática qualquer pessoa que possua um cartão de crédito internacional e um computador pode continuar acessando o serviço Skypeout pela internet.’
COBERTURA DE GUERRA
‘Cobertura de guerra para ‘covardes’’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 9/09/05
‘Nem todo jornalista internacional é correspondente de guerra. E nem todo correspondente de guerra é necessariamente um herói. Muitos jornalistas são enviados para áreas de conflito meio a contra-gosto. Consideram cobrir guerra um ‘inferno’, um ‘risco’ da profissão que deve ser evitado por todos os meios. Mas cobrir guerra também pode ser muito engraçado.
Este é o tema principal de um livro muito bom recém-lançado aqui nos EUA, War Reporting for Cowards, (Cobertura de Guerra para Covardes), Atlantic Monthly Press, NY, 2005. O autor Chris Ayres é um jornalista inglês – tinha que ser – correspondente em Los Angeles do The Times de Londres. Apesar de jamais ter sonhado em ser correspondente de guerra, acabou participando da invasão do Iraque com os fuzileiros americanos.
O autor faz questão de dizer logo na introdução do livro que não queria ir: ‘Sou um covarde assumido’. E acrescenta com certo ar de orgulho: ‘Venho de uma longa linha de covardes na família. Minha mãe sabia mais de guerra do que eu.’ Chris Ayres confessa ignorância e desinteresse pelas guerras. ‘Já tinha visto filmes como O Resgate do Soldado Ryan, Apocalipse Now e tantos outros. Mas não sonhava em cobrir guerras. Pertenço a uma geração que prefere viver bem distante do perigo!’
Equipamentos inúteis
Além das ‘gracinhas’, Chris Ayres procura revelar e desmistificar os mistérios da elite da nossa profissão, os correspondentes de guerra. Segue a linha de outros grandes livros que utilizaram o humor para descreverem os correspondentes internacionais em livros clássicos como ‘Scoop’ (Furo de reportagem), de Evelyn Waugh. Apesar de escrito nos anos 30, ainda é leitura indispensável para qualquer jovem jornalista que sonha em se tornar correspondente internacional ou correspondente de guerra. Hoje, com um jornalismo em crise, não faz muita diferença. Esta é provavelmente uma péssima notícia para os estudantes ou jovens jornalistas de TV que buscam um ‘televidão’.
O livro de Chris Ayres é engraçadíssimo. É daqueles livros que fazem os leitores correrem o risco de passarem por ‘malucos’. Comecei a ler ainda no metrô de NY, a caminho de casa, e todos olhavam. Eu não parava de rir. Não faltam situações cômicas, típicas dos focas internacionais. Por exemplo, antes de embarcar para guerra, Chris Ayres decidiu ir a rua mais chique de Los Angeles, Rodeo Drive, para fazer compras. Tinha consigo uma lista com mais de 70 itens requisitados pelo Pentágono, os organizadores da sua aventura no Iraque. E como não tinha a menor idéia do que iria enfrentar e do que realmente precisava – em toda a sua vida, nunca tinha sequer acampado – acabou comprando um monte de equipamentos caros, pesados e…inúteis. Agora imaginem a cara dos fuzileiros americanos quando receberam o jornalista inglês com uma bagagem gigantesca.
A imagem diz tudo
Entre tendas amarelas fosforescentes, escovas de dente elétricas e mais um monte de besteiras, o autor também conseguiu o primeiro colete à prova de balas. Em sua santa ignorância, Chris escolheu um colete azul, bem tchan, com a palavra PRESS (Imprensa) em letras brancas e enormes. Queria ‘impressionar’ todos! Mas logo percebeu que tinha cometido um erro.
Primeiro: não há nada azul no deserto. Chris Ayres se tornaria um alvo perfeito para os ‘snipers’ (atiradores) iraquianos. Todos se afastavam dele certos do seu fim prematuro. Segundo erro: ‘Press’ em inglês também significa ‘aperta’. Lembram daquelas brincadeiras de escola quando pendurávamos um cartaz nas costas dos meninos mais bobos com as palavras ‘me chuta’? É mais ou menos a mesma coisa.
Todo o fuzileiro americano que passava pelo jovem Chris com o seu colete azul que dizia ‘PRESS’, aproveitava a deixa, e dava um tremendo empurrão ou um ‘soco’ no pobre jornalista. Depois, todos morriam de rir. ‘No começo até que era engraçado’, confessa resignado. ‘Mas depois não agüentava mais’. Pobre foca!
Sei que não deveria, mas confesso que ri muito. Fica ainda mais engraçado vendo a cara do Chris Ayres no Iraque. Como sempre, a imagem diz tudo!
Guerra vicia
Mas para os jornalistas veteranos, o despreparo de jovens jornalistas como Chris são ‘hilárias’, mas também são perigosas. Segundo a nossa colega Cristiana Mesquita, correspondente de guerra com diversas passagens pelo Iraque, Chris Ayres conseguiu cometer todos os típicos erros dos focas de guerra. ‘O problema é que, infelizmente, nem todos sobrevivem para escrever livros engraçados’, acrescenta Cristiana. Ela tem razão. Muitos dos jovens jornalistas que caíram de pára-quedas no Iraque, sem a menor idéia do que encontrariam, acabaram mortos ou feridos. Mas nem tudo no livro são gracinhas. O autor relembra que 347 jornalistas foram mortos em várias partes do mundo nos últimos 10 anos. Em toda a Segunda Guerra Mundial, o número de jornalistas mortos foi cinco vezes menor.
Mas Chris Ayres conseguiu sobreviver. Enfrentou as ‘gracinhas’ dos fuzileiros americanos, as balas dos atiradores iraquianos e escreveu um bom livro sobre jornalismo internacional. Mas afirma que jamais cobriria outra guerra! Pode ser. Outros grandes correspondentes de guerra já disseram a mesma coisa. E como dizia Ernest Hemingway, ‘o problema é que apesar de todos os riscos somos sempre atraídos pelos mistérios tanto do amor como da guerra’. E quanto à covardia a que tanto se refere Chris Ayres em seu livro, Hemingway a definiria como humor e ironia: ‘uma falta de habilidade para interromper o funcionamento da imaginação’
Tudo a ver. Guerra é uma desgraça. Mas tem muita gente que gosta e não vive sem ela. Querem um exemplo?
Então leiam War Junkie – One Man’s addiction to the worst places on earth (Viciado em Guerra – A dependência de um homem pelos piores lugares da Terra), de Jon Steele, Corgi Books, 2003. É exatamente o oposto do livro de Chris Ayres. Jon Steele é um cinegrafista americano viciado em guerra. Ele adora e não consegue se afastar dos conflitos mais violentos. Ele tenta nos convencer que cobrir guerra é extremamente excitante. Depois de sobreviver a uma guerra, todos os problemas de uma vida considerada ‘normal’ deixaram de ter importância. Mas também alerta os noviços. Apesar do glamour, cobrir guerras tem um preço. Poucos correspondentes têm família e muitos apresentam sérios problemas psicológicos. Robert Capa, um dos maiores fotógrafos de todos os tempos, também sofria com o complexo de culpa: ‘Em uma guerra, ao contrário de tantos soldados, os correspondentes podem sair a qualquer momento sem sermos considerados ‘covardes’.
A maldição do jornalista
Mas, Chris Ayres, um covarde assumido, só queria sobreviver e sair do Iraque o mais rápido possível. Relembra que, ao contrário da maioria dos jornalistas, jamais sequer pensou em ser um correspondente de guerra, muito menos um herói. Queria aproveitar a vida. Estava muito feliz cobrindo amenidades e celebridades em Hollywood. De repente, do nada, recebeu um telefonema de Londres que modificaria a sua vida. Perguntado se gostaria de cobrir a guerra no Iraque – ele diz que era muito cedo, não tinha sequer tomado um café – , acabou respondendo que sim. Até hoje não se perdoa pela resposta. A namorada também não o perdoa. Chris culpa a sua ignorância ou talvez uma ressaca na noite anterior pela resposta positiva para o editor em Londres. Mas também confessa que temia perder o emprego e a boa vida de correspondente internacional.
Quando conseguiu pensar e medir as conseqüências, já era tarde demais. Teve que deixar uma vida de sonhos em Los Angeles e ingressar num verdadeiro pesadelo a caminho do Iraque. Diz que até hoje se arrepende de ter ido para o Iraque.
Assim como tantos outros ‘focas de guerra’, Chris teve que fazer um cursinho de sobrevivência para jornalistas em Londres. Quase morreu no tal cursinho. Também pudera, Chris não é do tipo aventureiro. Sempre gostou de conforto. Adora bons hotéis e jamais tinha sequer acampado. Em questão de dias, Chris Ayres se tornou mais um dos muitos jornalistas ‘embedded’, embutidos ou integrados às forças militares americanas no Iraque. O que teria sido uma oportunidade excepcional para tantos jovens e ambiciosos jornalistas, para Chris era mais uma grande desgraça na sua carreira.
‘Parece que tenho o péssimo hábito ou seria ‘maldição’ de estar sempre no lugar errado na pior hora, diz Chris Ayres. Muitos jornalistas morreriam de inveja. Chris Ayres igualmente a contra-gosto, presenciou todos os detalhes da destruição, explosão das Torres gêmeas em Nova Iorque, um furacão na Flórida ou a invasão do Iraque. Para a sua infelicidade, mas para a alegria dos seus editores, Chris Ayres parece que ‘atrai’ desastres. Os mesmos editores do The Times acrescentam: ‘Tudo bem. Mas não deixe de nos avisar quando vier novamente a Londres’. Ainda mais risadas.
Correspondentes malucos
‘Além de covarde, Chris Ayres é um hipocondríaco assumido: ‘Achava que ia ser envenenado, seqüestrado, ou pior de tudo, cortariam a minha cabeça’, afirma o autor. A situação exigia medidas drásticas para garantir tanto a sobrevivência pessoal como profissional. Afinal, ele não queria fama ou fortuna. Queria voltar para Los Angeles e cobrir somente a ‘guerra nas estrelas’.
Tomara que o livro seja logo traduzido no Brasil. War reporting for cowards além de engraçado é muito bem escrito. Chris Ayres não é nada bobo. É um jornalista talentoso e muito ambicioso. Seu livro é uma jogada de mestre. Ainda acaba se tornando uma ‘estrela’ do jornalismo.
Mas o seu relato também contribui para conhecermos um pouco dos bastidores da guerra do Iraque e os sérios problemas éticos enfrentados pelos correspondentes ‘embutidos’. Chris Ayres optou por um outro caminho. Evita descrever o glamour da profissão e procura desmistificar o trabalho de uma das tribos mais misteriosas e esquisitas da nossa profissão. Para o grande público, todos os correspondentes de guerra são heróis. Mas como um bom jornalista, Chris Ayres teve a coragem de buscar a verdade.’