‘A 7ª Vara Criminal de Goiânia determinou anteontem que o livro mais recente do escritor Fernando Morais, ‘Na Toca dos Leões’, seja recolhido de todas as livrarias do país. No último dia 15, o juiz Jeová Sardinha de Moraes já havia expedido um pedido de busca e apreensão na sede da editora Planeta do Brasil, responsável pela publicação.
A liminar foi concedida a pedido do deputado federal Ronaldo Caiado (PFL-GO), que move duas ações cíveis contra o escritor, a editora e o publicitário Gabriel Zeillmeister, que serviu de fonte para o trecho em que o parlamentar é citado no livro. Ele também ingressou com uma ação criminal por calúnia contra Morais.
A reportagem procurou os envolvidos no caso, mas os acusados estão impedidos pelo juiz de comentá-lo, sob pena de pagar R$ 5.000 a cada manifestação.
A editora terá 20 dias para providenciar o recolhimento dos exemplares, contados a partir do momento em que for notificada, o que não havia ocorrido até o final da tarde de ontem.
O livro, que conta a história da agência W/Brasil, cita uma declaração que teria sido dada por Caiado antes da eleição presidencial de 1989, época em que sondou o publicitário Washington Olivetto para fazer sua campanha.
No texto da ação, é transcrito um trecho do livro em que Caiado -então candidato à Presidência pelo PSD- teria afirmado possuir um projeto de ‘esterilização das mulheres como solução da superpopulação dos estratos sociais inferiores, os nordestinos’.
‘É uma declaração que o deputado absolutamente não deu. Essa frase publicada na página 301 do livro é ofensiva à sua dignidade, sua honra e sua moral’, disse um dos advogados de Caiado, Ovídio Martins de Araújo.
Para Caiado, a frase atribuída a ele é uma ‘aberração’. ‘Sou um médico, exerço a profissão há 30 anos e minha mulher é nordestina. Ninguém que vai atrás de um publicitário, ainda mais um candidato à Presidência da República, faria um tamanho disparate como esse. É uma monstruosidade praticada contra mim.’
Inicialmente, o juiz havia negado o pedido de retirada dos volumes dos pontos-de-venda. ‘O suposto e plausível direito material do suplicante [Caiado] cinge-se ao ressarcimento por dano moral, à retratação por parte do suplicado e retirada do texto imputado de ‘injurioso’ (…), nunca o de proibir a publicação do livro’, dizia a primeira sentença. Anteontem, a decisão foi revista.
Colegas de Morais classificaram de ‘censura’ a multa imposta aos réus caso eles se manifestem sobre o episódio. Para o escritor Afonso Borges, que lançou ‘Na Toca dos Leões’ em Brasília e em Belo Horizonte, ‘é um cerceamento sério à liberdade de expressão’. Ele distribuiu mais de 30 mil cartas de protesto. Morais está em viagem pela Europa.’
Lilian Christofoletti
‘Decisão é ‘absurda’ e ‘inaceitável’, dizem entidades ‘, copyright Folha de S. Paulo, 6/05/05
‘A decisão do juiz de Goiás que mandou apreender todos os exemplares do livro ‘Na Toca dos Leões’, do jornalista e escritor Fernando Morais, foi duramente criticada por advogados e por representantes de classe.
‘Se Caiado se sentiu ofendido com o livro, pode buscar uma reparação na Justiça. Mas a decisão de apreender os livros e de censurar qualquer declaração do escritor é absurda. Nada pode justificar isso. O Judiciário está abusando de seu poder’, afirmou o presidente da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), Sérgio Murillo de Andrade.
Até o final da tarde de ontem, nem Morais nem a editora haviam sido citados. Uma eventual apreensão dos exemplares só poderá ocorrer após a notificação.
Em comunicado enviado à Folha, a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) informou considerar ‘inaceitável’ qualquer restrição à livre circulação de jornais, revistas ou livros.
‘Cabe à Justiça julgar eventual dano moral, mas não determinar a apreensão de um livro, o que atenta contra o princípio constitucional da liberdade de expressão’, informou a entidade, que se disse ainda ‘surpresa e indignada’ com a proibição imposta a Fernando Morais de se manifestar sobre o episódio.
O presidente da seccional paulista da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Luiz Flávio D’Urso, disse ver com ‘preocupação’ a decisão. ‘Qualquer manifestação que tenha um perfume de censura preocupa. Não é uma contribuição para a democracia. O sistema jurídico tem mecanismos que afastam a censura e impõem uma responsabilidade a quem escreve’, afirmou. D’Urso.
Em 1995, situação similar atingiu a publicação do livro ‘Estrela Solitária – Um Brasileiro Chamado Garrincha’, do jornalista Ruy Castro. A pedido das filhas do ex-jogador, o livro desapareceu das livrarias. A Justiça havia entendido que o texto violava a imagem e a privacidade do biografado. A decisão foi revista, e a venda, liberada.’
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‘Abap defende liberdade de expressão ‘, copyright Folha de S. Paulo, 6/05/05
‘A Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade), considerada a maior entidade do setor na América Latina, divulgou ontem a ‘Carta de Brasília’, em que defende a liberdade de expressão, diz que a receita publicitária é fundamental para subsidiar o direito à informação e destaca a responsabilidade como um de seus compromissos.
O documento é resultado do 6º Encontro Brasileiro de Agências de Publicidade, realizado em Brasília entre terça e ontem.
Dividida em quatro tópicos, a carta afirma que a receita publicitária é ‘origem fundamental ou única dos recursos dos meios de comunicação, sendo, portanto, responsável por subsidiar o direito à informação’. Acrescenta que a descentralização dessa receita ‘garante a independência da imprensa e liberdade de expressão’.
Segundo o presidente da Abap, Dalton Pastore, não serão aceitas tentativas do Estado de interferir na liberdade de expressão. O documento também cita a necessidade de reduzir a carga tributária.’
CCS EM AÇÃO
Cristiana Nepomuceno
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Presidente do órgão é acusado de favorecer representantes da mídia‘, copyright Telecom Online, 5/05/05‘Integrantes do Fórum Nacional de Democratização da Comunicação (FNDC) acusam Arnaldo Niskier, presidente do Conselho de Comunicação Social (CCS), órgão de assessoramento do Congresso Nacional para as questões relativas a comunicação e mídia, de favorecer os representantes das grandes empresas de mídia e radiodifusão que têm assento no conselho. Segundo o FNDC, Niskier indicou apenas representantes da mídia para ocupar as vagas destinadas ao Conselho em grupos de trabalho dos Ministério das Comunicações para discutir rádio digital e TV digital e também no grupo sobre lei de comunicação. Foram indicados Paulo Machado de Carvalho Neto, ex-presidente da Abert, para o grupo rádio digital, Gilberto Leifert, representante das empresas de televisão, para o grupo de TV digital, e Paulo Tonet, diretor da Associação Nacional de Jornais, para o grupo de lei de comunicação de massa. O FNDC argumenta que Niskier utilizou-se da prerrogativa que permite ao presidente do Conselho indicar nomes para representar o órgão e também do fato de o empresariado ser maioria no Conselho para apresentar as indicações ao Minicom. ‘O presidente do Conselho acolheu apenas as demandas dos representantes das empresas de comunicação, que resolveram exercer um jogo de forças para impor os interesses particulares da grande mídia a um órgão do Congresso Nacional’, afirma Celso Schröder, coordenador do FNDC e suplente da vaga dos jornalistas no CCS. Ainda de acordo com informações divulgadas pelo FNDC, em abril Niskier foi recebido em audiência pelo ministro das Comunicações, Eunício Oliveira, e pelo presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, e nos dois encontros foi acompanhado apenas de Paulo Tonet, da ANJ. O restante dos conselheiros foi apenas informado das audiências por correspondência eletrônica um dia depois do encontro ter ocorrido. ‘Niskier foi indicado para o CCS pelo senador José Sarney (PMDB-AP), cuja família possui emissoras de rádio e televisão no Maranhão, para ocupar uma das cinco vagas reservadas à sociedade civil. No currículo, Niskier tem uma folha de serviços prestados à Rede Globo e à extinta TV Manchete. Recentemente, lançou um livro sobre a vida do empresário Roberto Marinho’, denuncia o FNDC.’
LIBERDADE DE IMPRENSA
Luiz Garcia
‘Investigativos e investigadores’, copyright O Globo, 6/05/05
‘O ideal seria que todos os jornalistas fossem investigativos. Esse exagero foi cometido outro dia pelo vice-governador Luiz Paulo Conde, em reunião promovida no Rio pela Unesco e pela Associação Nacional de Jornais para discutir ética e liberdade de imprensa.
O vice-governador também assimilou um deslize de linguagem que todos cometemos: o certo, claro, seria chamar de investigativo o jornalismo, e de investigador o profissional. Vai-se ver, o jornalista, inconscientemente, tem medo de ser visto como uma espécie de submeganha.
Passando a questões mais sérias, não seria má idéia se nossos homens públicos aprendessem a conviver com o jornalismo investigativo – em vez de simplesmente usá-lo ou denunciá-lo, segundo a conveniência do momento.
Por enquanto, mesmo nas redações essa área de ação não está ainda claramente disciplinada e definida. Por isso é boa notícia que tenha sido criada a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo. A iniciativa foi de profissionais, não das empresas, mas os objetivos devem e certamente podem ser convergentes.
Com toda a autoridade de quem é incapaz de investigar onde foi parar a caneta que estava aqui neste minuto, gostaria de sugerir algumas propostas de normas de conduta, sem ordem de importância.
1. Só tem direito a ficar na sombra o informante espontâneo que corre perigo de vida ou prejuízo desmedido e injusto se sua identidade for revelada. Há o risco de que isso possa fazer secar a maioria das fontes? Talvez. E não seria má idéia em muitos casos.
2. A informação fornecida pelo inimigo pessoal, pelo rival político ou pelo competidor em negócios é, em princípio, suspeita; quase sempre, com boa razão. Não há novidade: jornalistas sérios sempre trataram esse tipo de informação como pista ou indício – mas jamais como notícia pronta.
3. A suspeita com que deve ser manuseada qualquer informação escandalosa exige a aplicação do método usado, há 30 anos, pelo ‘Washington Post’ no caso Watergate: só se leva a sério notícia desse gênero se confirmada por pelo menos duas fontes independentes uma da outra. Na Brasília de hoje eu diria três fontes distintas. Quem sabe, quatro.
4. É inadmissível, por não ser notícia legítima, o uso de qualquer denúncia sobre hábitos e convicções íntimas de alguém – quanto a religião, sexo etc. – a não ser quando esse alguém buscar prestígio ou lucro na vida pública mentindo a respeito.
5. Toda investigação deve ser antecedida por pergunta óbvia: o que está ganhando o informante? Não há resposta que invalide obrigatoriamente a investigação, mas o dado é vital na decisão sobre o direito da fonte ao anonimato.
6. Uma pergunta do repórter a ele mesmo: quanto ou o que vou ganhar com este trabalho? Em dinheiro, prestígio ou confirmação de convicções políticas? A resposta não muda os fatos – mas com certeza influi no rigor com que os examinamos, à luz do interesse público.
E a conversa está apenas começando. Em que arcabouço jurídico deve existir o jornalismo investigativo? Por exemplo, em caso de dolo, como devem responder o informante (categoria que inclui policiais, promotores e juízes) e o veiculador da informação?
O encontro desta semana foi um aperitivo. Espera-se que nos próximos ninguém defenda, ainda que apenas retoricamente, a idéia de que todos os jornalistas devem ser investigadores. Por um motivo, pelo menos: jornais e revistas ficariam chatíssimos.
Em circunstâncias ideais, os profissionais serão curiosos, sempre; preocupados com o interesse público, o tempo todo. Dedicados a tornar melhor – e também mais divertida – a vida do leitor, idem.
Mas sherloques, só quando absolutamente necessário. E ajudantes de sherloques com dúbios ou desconhecidos motivos, nunca.’