Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Agência Carta Maior

ARGENTINA
Horacio González

Os conteúdos de uma nova sociedade

‘A Argentina prepara-se para um importante debate que deve envolver toda a sociedade. Trata-se de uma lei sobre o funcionamento dos meios de comunicação. A Carta Maior começa a publicar uma série de artigos sobre o tema que interessa diretamente ao Brasil, no ano em que será realizada a primeira Conferência Nacional de Comunicação. No primeiro texto, o sociólogo Horacio González destaca o caráter estratégico deste debate que envolve um setor que se julga ‘diretor de consciência’ da vida geral da população.

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Lei dos Meios de Comunicação. Bem! Uma vez aprovada, será difícil imaginar cabalmente todas as mudanças que ocorrerão na vida coletiva. Seu debate parlamentar poderá ser uma das grandes jornadas de ativismo democrático e fervor cívico no país. Em resumo, implica a renascida vontade de discutir os conteúdos de uma nova sociedade. Seu equivalente histórico, pelo dramatismo pedagógico que tem a questão, evoca a sempre lembrada lei 1420 de Educação Comum.

Mas…os meios de comunicação importam tanto assim? Hoje ocupam uma posição que poderíamos considerar como a de ‘diretores de consciência’ da vida geral da população. Jogo e cadafalso, circo e vademecum moral. Talvez tenha sido com o peronismo que se afirmou a vinculação da vida popular com o teatro da imaginação audiovisual. Mas, neste caso, o vínculo emanava da radiofonia. O peronismo foi o rádio, não a televisão. Mas manteve como equivalentes duas esferas: a estatal política e a comunicacional cultural. O balcão e o rádio. Sem absorção de uma pela outra, eram duas linguagens claramente diferenciadas. No entanto, sabe-se que no dia 17 de outubro de 1951, inaugurou-se a televisão argentina com uma imagem de Evita. Daí que os aniversários da televisão argentina coincidam com os do peronismo.

É preciso compreender esse fato – por sua importância – e, ao mesmo tempo, desconstruí-lo em nome da necessidade de ver a sociedade como uma relação de esferas autônomas, mas mutuamente concernentes e não corporativas. Instituição social e tecnologias comunicacionais são diferentes, fatos de enraizamentos culturalmente heterogêneos. Todos eles devem ser percorridos pelos símbolos genéricos de uma cidadania que esporeia e reconstitui as práticas coletivas.

A intervinculação de atos técnicos, discursivos e econômicos – que, em conjunto, fazem a essência do político – deverá tornar possível vislumbrar um novo Estado militante e produtivo. Nada disso seria possível sem um pensar crítico e uma razão comunicativa em constante revisão de si mesma. Uma grande reforma estatal democrática é um fato necessariamente paralelo a uma nova lei dos meios audiovisuais. E esta, um fato equivalente a uma autoconsciência nova sobre os planos de linguagem que constituem todo contrato social. Por isso, algo parecido com um imaginativo e inovador Congresso da Língua, convocado pelas instâncias universitárias, intelectuais, comunicacionais, culturais e sindicais argentinas, deveria ocorrer juntamente com o debate sobre a esfera midiática.

As sociedades comunicacionais universalmente ramificadas, as instituições do trabalho e da memória, a esfera tecnológica liberada de ingênuos fetichismos não devem possuir ânimo confiscatório em suas relações mútuas. Mas o trabalho material e imaterial, transformador da natureza e dos símbolos, segue sendo o valor criador que funda o vínculo intersubjetivo. Apesar disso, os meios de comunicação possuem intrinsecamente tendências substitutivas da experiência genérica humana pela via de seu poderoso interesse na unificação ‘técnica’ da linguagem, do espaço e do tempo.

São conhecidas suas restritas hipóteses de inteligibilidade, suas armações temporais pré-moldadas, o ilusionismo com que imagina que não tem suas raízes no trabalho produtivo. Isso deve ser motivo de novas considerações que revelem que é preciso que, de seu próprio interior, surjam reformuladas alianças entre legados culturais e tecnologias. Desde logo, em seu sentido profundo, as tecnologias são também fatos artísticos e retóricos de segundo grau. Quando recobram essa dimensão, condensam um novo tecido universal de caráter liberador. Uma grande revolução contemporânea consistiria em que os meios de comunicação massivos assumissem que as formas de vida são experiências autônomas não sujeitas a servidões voluntárias e imersões cegas em um indiferenciado magma comunicacional.

Esse horizonte deve ser o sujeito filosófico de uma nova lei sobre o exercício do poder audiovisual das sociedades. Nem é preciso que isso seja escrito. São os ‘considerandos’ implícitos de toda lei, que equivalem a indagar sobre as condições de produção material, intelectual e moral de todo fato cognitivo. Os meios de comunicação se assemelham a um estouro em puro presente, a uma lâmina translúcida sem o peso da memória. Mas seu ‘arquivo’ está articulado como uma potencial ameaça de controle social. Dupla des-historização! Parecem não ter história, estruturas de domínio, interesses econômicos, economias reprodutivas, linhas de comando, decisões políticas, autoconsciência hegemônica e operativos ideológicos! Mas esta época nos revela a anomalia de acreditar que é etéreo ou evanescente o que, na verdade, é uma materialidade espessa e de caráter examinatório sobre o conjunto das práticas sociais. A pressuposição genérica da lei dos meios deve implicar que esta revelação – a essência de uma grande debate – é democraticamente possível.

Um caso conhecido pelos historiadores argentinos é a opinião absorta de Sarmiento logo ao saber que os capitais ingleses estavam construindo a ferrovia do Ganges, da mesma maneira que, na remota Argentina, se construía o trecho Buenos Aires-Rosário. Como? Então os governantes ‘progressistas’ não incidiam em nada? Era tudo uma manifestação inevitável das forças produtivas da época? Esta profunda anedota (e uma anedota profunda é já uma teoria) nos leva novamente à questão das tecnologias. A necessária intimidade com elas anda de mãos dadas com a necessidade de que não se convertam na ‘antropologia filosófica’ de uma época, nem no governo invisível das culturas que devem ser livres em sua singularidade.

A técnica não é algo neutro. Quando acreditamos que é neutra, somos capturados por ela. Em troca, uma relação livre com as tecnologias implica decidir sobre elas, a cada passo, no interior mesmo da linguagem que utilizamos. Um mero jargão tecnicista sem raízes nem sustentação material impede a liberdade do sujeito. Aprisiona-o no ressentimento de não poder ser nunca imediatamente moderno, o que o banaliza socialmente. O moderno é um bem que implica mediações, múltiplos sintetizadores culturais, nunca é súbito nem esquecido. Uma lei de meios de comunicação socialmente inovadora deve legislar sobre novos direitos sociais de gestão nesta área. Mas são igualmente imprescindíveis duas coisas: que não se descubra que reproduziu meramente a ‘ferrovia do Ganges’ e que não se omita em rediscutir a língua como o veio permanente da autoconsciência produtiva de uma nação.

O Estado que propõe esta lei deve ser, ao mesmo tempo, um âmbito que se transforme juntamente com as mudanças essenciais que propõe. Não deve converter-se em uma região subordinada superficialmente à última novidade técnica. Deve ser um Estado renovado, não coercitivo, capaz de propiciar esferas heterogêneas de justiça. Por isso, deve assumir as tecnologias como acontecimentos também culturais e inovadores no plano artístico e científico. E, no plano da língua comum, deve atuar como se estivesse diante das grandes forças produtivas que originaram os inesquecíveis tratados de economia política do século XIX. Os ‘contratos’ que estabelecem os meios com suas audiências herdam antigas fórmulas sociais e comunitárias. Em um sentido amplo, herdam o selo do circo, do jogo e da magia. Mas, ao mesmo tempo, os decompõem em uma nova trama volátil, em pontuais momentos de consumo de línguas pré-fabricadas onde somente de tanto em tanto pulsa o destino real das existências. É difícil para os meios de comunicação escapar de um mercado de sentimentalidades já pressuposto.

Talvez as cíclicas proposições a favor da pena de morte surjam do sentimento de uma sociedade corroída, como é hoje a nossa. Trata-se de uma sociedade que busca recompor-se através de meios drásticos, próprios de uma obscura justiça substitutiva, teatralmente lúgubre e punitiva. E esse drama é contado especialmente pela televisão massiva! Faz isso, muitas vezes, retomando o edifício mental das direitas, e outras com pavorosos provérbios que parecem sair quase casualmente da boca de seus mais conhecidos menestréis. Porque seguidamente uma voz intencionada dispara: ‘Pena de morte!’. A proclamação provém do ventre mitológico da grande baleia, mas não deixa de ser um pobre artesanato da restauração conservadora. Aí se organizam as imagens públicas ao redor de confessores morais e proclamadores áulicos. São os chefes não declarados dos espasmos massivos e do pavor organizado, ainda que falem contando piadas. São os comissários sentenciosos de uma justiça em primeira e última instância, que provém de um neolítico moral que convive bem com uma ética satélite. Eles pregam, severos, o castigo e reclamam que os amemos. Como não lamentar que alguns notáveis artistas populares tenham se submetido a esses servilismos!

Se a pena de morte se converte em um odioso sintoma de organização social, o mundo terá esgotado definitivamente sua liberdade associativa. Por isso, muitos segmentos da televisão de massas vivem da satisfação primitiva de um Estado expiatório, espectral e inquisidor. Prometem o espetáculo domiciliar do réu no patíbulo com último refúgio do vínculo social. As intuições sombrias de um setor não majoritário, mas muito ativo da televisão emanam do caráter imediato do castigo. Dessas penumbras surgem muitos porta-vozes do chamado à pena capital, pois imaginam que há uma ‘vontade geral’ que só os meios de comunicação podem representar. Adivinham, talvez sem equivocar-se, que ao pedir o castigo máximo juntam cenicamente um sentimento viscoso e profundo com uma oculta torrente de consciências que marcham desde um justo pranto até a obtusa vingança. Tudo imediatamente. Repentinamente. Um novo direito, o direito ao repentino, é a essência mesma deste tipo de ato comunicacional. Rápido transporte das consciências. É o deslizamento vil por uma lógica de um mercado. Qual? O mercado dos sentimentos massivos como parte de uma insondável indústria cultural. É o fim da urbe como espaço comum. As paixões ficam reguladas. Governo eletrônico por scoring, rating e target.

Certamente, uma nova lei dos meios audiovisuais não contém explicitamente esses temas, mas sua essência deve ser, por um lado, a pluralidade social de gestão e, por outro, a compreensão social de como se produzem as linguagens coletivas. Mas a sociedade e o Parlamento que debatam e aprovem este crucial ordenamento devem saber que se encontram, em última instância, diante da reverberação de seu destino democrático e latinoamericano.

Sociólogo, ensaísta, diretor da Biblioteca Nacional da Argentina.

Tradução: Katarina Peixoto’

 

DEBATE ABERTO
Venício Lima

A responsabilidade social da mídia

‘No Brasil, os empresários de mídia continuam a defender seus interesses como se estivéssemos nos tempos da velha doutrina liberal (que, de fato, nunca vivemos). O discurso da liberdade de imprensa e da autoregulação praticado no Brasil é historicamente anterior ao trabalho da Hutchins Commission, de 1947.

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Há 62 anos, em 27 de março de 1947, era publicado nos Estados Unidos o primeiro volume que resultou do trabalho da Hutchins Commission – ‘A free and responsible press’ (Uma imprensa livre e responsável). A Comissão, presidida pelo então reitor da Universidade de Chicago, Robert M. Hutchins, e formada por 13 personalidades dos mundos empresarial e acadêmico, foi uma iniciativa dos próprios empresários e foi por eles financiada.

Criada em 1942 como resposta a uma onda crescente de críticas à imprensa, a Comissão tinha como objetivo formal definir quais eram as funções da mídia na sociedade moderna. Na verdade, diante da crescente oligopolização do setor e da formação das redes de radiodifusão (networks), se tornara impossível sustentar a doutrina liberal clássica de um mercado de idéias (a marketplace of ideas) onde a liberdade de expressão era exercida em igualdade de condições pelos cidadãos. A saída foi a criação da ‘teoria da responsabilidade social da imprensa’. Centrada no pluralismo de idéias e no profissionalismo dos jornalistas, acreditava-se que ela seria capaz de legitimar o sistema de mercado e sustentar o argumento de que a liberdade de imprensa das empresas de mídia é uma extensão da liberdade de expressão individual.

Em países europeus, com forte tradição de uma imprensa partidária, no entanto, a teoria da responsabilidade social enfrentou sérias dificuldades e a doutrina liberal clássica teve que se ajustar à implantação de políticas públicas que regulassem o mercado e estimulassem a concorrência.

Responsabilidade Social

A responsabilidade social tem sua origem associada à filosofia utilitarista que surge na Inglaterra e nos Estados Unidos no século XIX, de certa forma derivada das idéias de Jeremy Bentham (1784-1832) e John Stuart Mill (1806-1873).

Nos anos pós Segunda Grande Guerra, a responsabilidade social se constituiu como um modelo a ser aplicado às empresas em geral e às empresas jornalísticas estadunidenses, em particular, e começou a ser introduzido através de códigos de auto-regulação estabelecidos para o comportamento de jornalistas e de setores como rádio e televisão. O modelo está, portanto, historicamente vinculado aos interesses dos grandes grupos de mídia.

A responsabilidade social se baseia na crença individualista de que qualquer um que goze de liberdade tem certas obrigações para com a sociedade, daí seu caráter normativo. Na sua aplicação à mídia, é uma evolução de outra teoria da imprensa – a teoria libertária – que não tinha como referência a garantia de um fluxo de informação em nome do interesse público. A teoria da responsabilidade social, ao contrário, aceita que a mídia deve servir ao sistema econômico e buscar a obtenção do lucro, mas subordina essas funções à promoção do processo democrático e a informação do público (‘o público tem o direito de saber’)..

Para responder às críticas que a imprensa recebia, a Hutchins Commission resumiu as exigências que os meios de comunicação teriam de cumprir em cinco pontos principais:

(1) propiciar relatos fiéis e exatos, separando notícias (reportagens objetivas) das opiniões (que deveriam ser restritas às páginas de opinião);

(2) servir como fórum para intercâmbio de comentários e críticas, dando espaço para que pontos de vista contrários sejam publicados;

(3) retratar a imagem dos vários grupos com exatidão, registrando uma imagem representativa da sociedade, sem perpetuar os estereótipos;

(4) apresentar e clarificar os objetivos e valores da sociedade, assumindo um papel educativo; e por fim,

(5) distribuir amplamente o maior número de informações possíveis.

Esses cinco pontos se tornariam a origem dos critérios profissionais do chamado ‘bom jornalismo’ – objetividade, exatidão, isenção, diversidade de opiniões, interesse público – adotado nos Estados Unidos e ‘escrito’ nos Manuais de Redação de boa parte dos jornais brasileiros.

Liberdade de imprensa vs. responsabilidade da imprensa

Analistas estadunidenses consideram que a Hutchins Commision talvez tenha sido a responsável por uma mudança fundamental de paradigma no jornalismo: da liberdade de imprensa para a responsabilidade da imprensa. Teria essa mudança de paradigma de fato ocorrido?

No Brasil, certamente, os empresários de mídia continuam a defender seus interesses como se estivéssemos nos tempos da velha doutrina liberal (que, de fato, nunca vivemos). O discurso da liberdade de imprensa e da autoregulação praticado no Brasil é historicamente anterior à Hutchins Commission. Basta que se considere, por um lado, a concentração da propriedade e a ausência de regulação na mídia e, por outro, as enormes dificuldades que enfrenta até mesmo o debate de temas e projetos com potencial de alterar o status quo legal.

Um exemplo contemporâneo são as resistências – que já se manifestam – em relação à realização da 1ª. Conferência Nacional de Comunicações.

As recomendações da Hutchins Commission, se adotadas pelos grupos de mídia no Brasil, representariam um avanço importante. Para nós, a teoria da responsabilidade social da imprensa permanece atual, mesmo 62 anos depois.

é Pesquisador Sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de Brasília – NEMP – UNB’

 

TELEVISÃO
Argemiro Ferreira

Nasce uma estrela na rede Fox News

Nos dias, semanas, meses e anos que se seguiram ao 11 de setembro de 2001, a Fox News – do império de mídia do magnata australiano Rupert Murdoch – funcionou como uma espécie de fonte irradiadora de um terrorismo oficial patrioteiro, que ao mesmo tempo glorificava a figura do presidente George W. Bush como herói combatente de três guerras, uma delas meramente metafórica. O objetivo do canal, agora, é denunciar o ‘rumo socialista de Obama’. O artigo é de Argemiro Ferreira.

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O nome da nova estrela é Glenn Beck. Chamei atenção para ele em texto anterior para Carta Maior, a 25 de fevereiro. Ele tinha sido apresentado no canal Headline News, da CNN, onde entrevistou Sarah Palin em setembro. E neste ano de 2009 foi lançado com barulho pela Fox News, onde criou um quadro fixo sobre o governo Obama: The Road to Socialism (A Rota para o Socialismo).

Nos dias, semanas, meses e anos que se seguiram ao 11 de setembro de 2001, a Fox News – do império de mídia do magnata australiano Rupert Murdoch – funcionou como uma espécie de fonte irradiadora de um terrorismo oficial patrioteiro, que ao mesmo tempo glorificava a figura do presidente George W. Bush como herói combatente de três guerras, uma delas meramente metafórica.

A guerra de mentirinha – ou marca de fantasia – consagrada na expressão bushista global war on terror (guerra global ao terrorismo, ou então GWOT), conviveu com as duas de verdade – a do Afeganistão, hoje agravada e deteriorada, e a do Iraque, resultante da invasão ilegal seguida de ocupação, em desafio aberto à Carta das Nações Unidas, onde o Conselho de Segurança negara apoio à aventura.

Para desespero do presidente Bush e seu onipresente gênio do mal, o vice Dick Cheney, uma das primeiras decisões do presidente Barack Obama, primeiro negro na história a chegar à Casa Branca, consistiu em ‘desencantar’ a guerra da fantasia bushista – enquanto, paralelamente, reforçava as tropas no Afeganistão e abreviava o prazo para a retirada dos soldados que ainda permanecem no Iraque.

O rumo ‘socialista’ de Obama

Um problema incômodo para o novo governo, no entanto, é a sobrevivência nos EUA da barulhenta máquina de informação – ou desinformação – manipulada antes pelo governo Bush para ‘defender o país do terrorismo’. Nela atua, incansável, o grupo neoconservador que produzira a ficção bélica e comandara a campanha contra o Iraque. Pois agora esses neocons reciclam o terrorismo – contra o governo.

A Fox News de Murdoch mantém esse terrorismo no ar, das primeiras horas do dia até o final da noite. Da mesma forma como nos anos Bush aterrorizava as pessoas contra as poucas vozes da oposição que ousavam expor violações das liberdades civis nos EUA, prática e terceirização da tortura em Guantánamo e nas prisões secretas da CIA espalhadas pelo mundo, agora vê comunismo no governo.

Na nova fase, reciclada, do terrorismo patrioteiro, cujo alvo central é o próprio governo, estão alguns dos mesmos combatentes retóricos inflamados do período bushista, do campeão de audiência Bill O’Reilly, que nega ser ideológico, ao vorazmente ideológico Sean Hannity, que se livrou do incômodo penduricalho liberal Alan Colmes. E eles ganharam um reforço de peso: Glenn Beck.

Beck não assusta por ser louríssimo e de olhos azuis. Apavora pela aparência de charlatão sem escrúpulos, capaz de qualquer excesso exibicionista. Se necessário, chora. Derrama lágrimas abundantes, verdadeiras. Enquanto a Fox News criou uma Fox Nation (Nação Fox), ele lançou seu próprio Projeto 12 de Setembro – esforço explícito para reviver a histeria que se seguiu ao terrorismo de 11/9.

O terrorismo e a raiva conservadora

É difícil adivinhar aonde isso tudo vai parar. Os indícios são de que se pretende, tirando partido da incerteza trazida pela crise econômica, legado da dupla Bush-Cheney, produzir certo populismo, apoiado nos setores pos-11/9 mais histéricos, para um desafio nacional maciço ao governo Obama – retratado como ‘ameaça comunista’ às liberdades, atribuídas ao capitalismo.

Ver tudo isso como mero entretenimento da mídia seria subestimar os resultados já obtidos pela Fox News. O próprio New York Times registrou a 30 de março que Beck, mesmo na periferia do horário nobre – de 6 às 10 da noite pontificam jornais em rede nacional e talk shows de mais sucesso, como O’Reilly e Hannity – já é uma das vozes poderosas a refletir ‘a raiva populista conservadora da nação’.

Em período pouco superior a dois meses, o programa de Glenn Beck, no horário ingrato de 5 da tarde, é um fenômeno: atrai 2,3 milhões de telespectadores e supera todos os demais das redes de notícias na TV a cabo, excetuados os de O’Reilly e Hannity no horário nobre (8 e 9 da noite). Segundo o Times, significa uma façanha para a Fox News, que sofrera uma queda na campanha eleitoral.

Beck, como outros donos de talk shows, nega ser jornalista (a profissão parece em baixa junto ao público). Diz que começou como ‘palhaço de rodeios’ e compara-se a Howard Beale, aquele âncora de noticiário de TV no filme Network (Rede de Intrigas).. Esse personagem anunciou no ar a intenção de matar-se diante das câmeras, numa reação à queda de audiência de seu programa.

‘Ele está louco como o diabo’

Como a ameaça de suicídio causa impacto, Beale (interpretado por Peter Finch) ganha um horário para falar de sua revolta (‘I’m mad as hell’) contra o que está errado no país e em sua vida. O ‘Projeto 12/9’, de Beck, pretende isso. Com ele Beck encoraja pessoas em todo o país a reeditar em sua cidade a tea party de Boston, o evento que marcou em 1773 o início da rebelião dos colonos contra a Coroa.

O populismo de Beck e Rush Limbaugh, o rei do talk show de rádio desde os anos 1990, lembra o do padre católico Charles Coughlin, cujo sucesso começou com pregações pelo rádio em 1927. Contratado pela CBS em 1930, atraia 40 milhões de ouvintes para suas palestras semanais, que no início exaltavam o New Deal de Roosevelt e depois aderiram ao anti-semitismo, apoiando Hitler e Mussolini.

O Times definiu Beck no título de sua reportagem como a ‘louca, apocalíptica e lacrimosa estrela em ascensão da Fox News’. Segundo a reportagem de Brian Stelter e Bill Carter, ele faz uma salada de ultraje, lições baratas de moralismo e visão apocalíptica do futuro. Não por acaso, gente como ele e Coughlin costumam chegar ao centro do palco em meio a crises como a de 1929 e a de agora..

Haverá casamento de interesses mais perfeito? De um lado o potencial do império Murdoch, com o poder (testado depois do 11/9) de aterrorizar. Do outro, o populismo moralista, ultrapatriota, religioso, hipócrita e capaz de atrair a preconceituosa massa conservadora, golpeada pela derrota do Partido Republicano e pronta a acreditar que um complô subterrâneo liderado na Casa Branca por Obama vai comunizar o país.

Blog do Argemiro Ferreira’

 

NA JUSTIÇA
Redação – Carta Maior

Vitória de Luís Nassif no processo da Veja

‘Algo importante aconteceu na blogosfera brasileira quando o jornalista Luis Nassif começou a publicar reportagens a respeito da revista Veja: o debate mudou de plano. O que Nassif batizou de dossiê analisa, com farto material, o jornalismo praticado pela publicação semanal. Nesta semana, o Juiz Carlos Henrique Abrão, da 42ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, julgou improcedente a ação de danos morais movida pelo diretor de redação Eurípides Alcântara contra Nassif.

‘O maior fenômeno de anti-jornalismo dos últimos anos foi o que ocorreu com a revista Veja. Gradativamente, o maior semanário brasileiro foi se transformando em um pasquim sem compromisso com o jornalismo, recorrendo a ataques desqualificadores contra quem atravessasse seu caminho, envolvendo-se em guerras comerciais e aceitando que suas páginas e sites abrigassem matérias e colunas do mais puro esgoto jornalístico’, é o que se lê logo no primeiro parágrafo do visualmente simples blog de Luis Nassif.

A fundamentação do jornalista contra a revista baseia-se em três afirmativas. Segundo ele, é necessário juntar um conjunto de peças. ‘O primeiro conjunto são as mudanças estruturais que a mídia vem atravessando em todo mundo. O segundo, a maneira como esses processos se refletiram na crise política brasileira e nas grandes disputas empresariais, a partir do advento dos banqueiros de negócio que sobem à cena política e econômica na última década. A terceira, as características específicas da revista Veja, e as mudanças pelas quais passou nos últimos anos’.

Não há dúvida de que o blog é leitura fundamental, para se pensar o jornalismo contemporâneo. Diversos blogs, inclusive, lançaram campanhas para que a página de Nassif figurasse no topo do site de buscas Google, quando a palavra Veja fosse procurada. A Revista Veja chegou a impor dificuldades tecnológicas de busca e os próprios leitores do blog passaram a ajudar o Nassif a encontrar reportagens específicas.

Em sentença anunciada esta semana, o juiz Carlos Henrique Abrão, da 42ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, julgou improcedente a ação de danos morais movida pela Revista Veja e seu diretor de redação Eurípides Alcântara contra Nassif.. ‘A fundamentação da sentença é magnífica e a decisão é histórica, na medida em que não é muito comum que um grupo de mídia processe um jornalista por reportagens dedicadas a estudar esse mesmo veículo’, analisa Idelber Avelar, do blog Biscoito Fino e a Massa.

‘A liberdade plena de imprensa, maior conquista das democracias ocidentais, observa o ângulo da transparência, seriedade e compromisso com a verdade. Difícil manter a harmonia quando interesses econômicos, políticos, sobretudo empresariais, sem sobra de dúvida, flexionam os limites da ética e da moralidade da imprensa’, diz a sentença.

‘Desenhada a arquitetura da lide, o seu ambiente divergente, feito o bosquejo do essencial, e tendo em mira a mudança de mentalidade surgida com a guerra midiática dos informes eletrônicos, blogs, equipamentos disponíveis, sopesando, um a um, todos os aspectos, a prova amealhada não permite, salvo melhor juízo, o acolhimento desta ação. Explicando a procura de justificativa, embora forte e contundente na sua crítica, Luis Nassif se cercou do contexto que tinha em suas mãos para escrever a matéria e não patinar nas informações, abordou assunto próprio de sua característica e o desagrado, como não poderia deixar de ser, fora generalizado’, prossegue o juiz.

‘Técnico, impecável, o magistrado reitera que julga a ação, não a veracidade da reportagem de Nassif. Mas estabelece claramente que Nassif seguiu pautas jornalísticas em seu trabalho.. Categórico, o Juiz desmonta a pretensão da Revista Veja de extorquir cem mil reais de indenização do jornalista.Muito pouco apreço pela verdade e pela própria dignidade terá qualquer advogado que recorra desta decisão em nome da Revista Veja. Trata-se de uma sentença histórica em defesa da genuína liberdade de imprensa, não desse falso slogan que evocam os grupos de mídia quando são contrariados’, avaliou Avelar em sua página.

O diretor de redação de Veja, Eurípedes Alcântara, e o editor especial Lauro Jardim entraram em fevereiro de 2008 com as ações civis na Justiça de São Paulo. Foram quatro ações: duas de Alcântara contra o jornalista e o portal que hospeda seu blog, o iG, cujo mantenedor é a Brasil Telecom, e outras duas de Jardim também contra Nassif e o iG.’

 

ANIVERSÁRIO
Redação – Carta Maior

As manchetes do golpe militar de 1964

‘‘Que tal republicar as manchetes de cada órgão de imprensa naquele primeiro de abril de 1964? – sugeriu Emir Sader em seu blog nesta página. Publicamos uma seleção do que foi destaque em alguns dos principais jornais do Brasil a partir do dia 1° de abril de 1964. ‘Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas que, obedientes a seus chefes, demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições’, disse o Globo, apoiando o golpe militar.

Emir Sader sugeriu em seu blog aqui na Carta Maior: ‘que tal republicar as manchetes de cada órgão de imprensa naquele primeiro de abril de 1964?’. Aqui está uma seleção do que foi destaque nos principais jornais do Brasil a partir do 1º de abril de 1964. Se algum desavisado recebesse em mãos qualquer destes periódicos imaginaria a ditadura com carnaval nas ruas e militares ovacionados pelo povo. A pesquisa abaixo foi publicada no blog da BrHistória, da jornalista Cristiane Costa:

‘Ressurge a Democracia! Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente das vinculações políticas simpáticas ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é de essencial: a democracia, a lei e a ordem.

Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas que, obedientes a seus chefes, demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições.

Como dizíamos, no editorial de anteontem, a legalidade não poderia ter a garantia da subversão, a ancora dos agitadores, o anteparo da desordem. Em nome da legalidade não seria legítimo admitir o assassínio das instituições, como se vinha fazendo, diante da Nação horrorizada …’

(O Globo – Rio de Janeiro – 4 de Abril de 1964)

‘Multidões em júbilo na Praça da Liberdade.

Ovacionados o governador do estado e chefes militares.

O ponto culminante das comemorações que ontem fizeram em Belo Horizonte, pela vitória do movimento pela paz e pela democracia foi, sem dúvida, a concentração popular defronte ao Palácio da Liberdade. Toda área localizada em frente à sede do governo mineiro foi totalmente tomada por enorme multidão, que ali acorreu para festejar o êxito da campanha deflagrada em Minas (…), formando uma das maiores massas humanas já vistas na cidade’

(O Estado de Minas – Belo Horizonte – 2 de abril de 1964)

‘Salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares que os protegeram de seus inimigos’

‘Este não foi um movimento partidário. Dele participaram todos os setores conscientes da vida política brasileira, pois a ninguém escapava o significado das manobras presidenciais’

(O Globo – Rio de Janeiro – 2 de Abril de 1964)

‘A população de Copacabana saiu às ruas, em verdadeiro carnaval, saudando as tropas do Exército. Chuvas de papéis picados caíam das janelas dos edifícios enquanto o povo dava vazão, nas ruas, ao seu contentamento’

(O Dia – Rio de Janeiro – 2 de Abril de 1964)

‘Escorraçado, amordaçado e acovardado, deixou o poder como imperativo de legítima vontade popular o Sr João Belchior Marques Goulart, infame líder dos comuno-carreiristas-negocistas-sindicalistas. Um dos maiores gatunos que a história brasileira já registrou., o Sr João Goulart passa outra vez à história, agora também como um dos grandes covardes que ela já conheceu.’

(Tribuna da Imprensa – Rio de Janeiro – 2 de Abril de 1964)

‘A paz alcançada. A vitória da causa democrática abre o País a perspectiva de trabalhar em paz e de vencer as graves dificuldades atuais. Não se pode, evidentemente, aceitar que essa perspectiva seja toldada, que os ânimos sejam postos a fogo. Assim o querem as Forças Armadas, assim o quer o povo brasileiro e assim deverá ser, pelo bem do Brasil’

(Editorial de O Povo – Fortaleza – 3 de Abril de 1964)

‘Desde ontem se instalou no País a verdadeira legalidade …. Legalidade que o caudilho não quis preservar, violando-a no que de mais fundamental ela tem: a disciplina e a hierarquia militares. A legalidade está conosco e não com o caudilho aliado dos comunistas’

(Editorial do Jornal do Brasil – Rio de Janeiro – 1º de Abril de 1964)

‘Milhares de pessoas compareceram, ontem, às solenidades que marcaram a posse do marechal Humberto Castelo Branco na Presidência da República …O ato de posse do presidente Castelo Branco revestiu-se do mais alto sentido democrático, tal o apoio que obteve’

(Correio Braziliense – Brasília – 16 de Abril de 1964)

‘Vibrante manifestação sem precedentes na história de Santa Maria para homenagear as Forças Armadas. Cinquenta mil pessoas na Marcha Cívica do Agradecimento’

(A Razão – Santa Maria – RS – 17 de Abril de 1964)

‘Vive o País, há nove anos, um desses períodos férteis em programas e inspirações, graças à transposição do desejo para a vontade de crescer e afirmar-se. Negue-se tudo a essa revolução brasileira, menos que ela não moveu o País, com o apoio de todas as classes representativas, numa direção que já a destaca entre as nações com parcela maior de responsabilidades’.

(Editorial do Jornal do Brasil – Rio de Janeiro – 31 de Março de 1973)

‘Golpe? É crime só punível pela deposição pura e simples do Presidente. Atentar contra a Federação é crime de lesa-pátria. Aqui acusamos o Sr. João Goulart de crime de lesa-pátria. Jogou-nos na luta fratricida, desordem social e corrupção generalizada’.

(Jornal do Brasil, edição de 01 de abril de 1964.)

‘Participamos da Revolução de 1964 identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada’.

Editorial do jornalista Roberto Marinho, publicado no jornal’ (O Globo’, edição de 07 de outubro de 1984, sob o título: ‘Julgamento da Revolução’).

Mais algumas manchetes:

31/03/64 – CORREIO DA MANHÃ – (Do editorial, BASTA!): ‘O Brasil já sofreu demasiado com o governo atual. Agora, basta!’

1°/04/64 – CORREIO DA MANHÃ – (Do editorial, FORA!): ‘Só há uma coisa a dizer ao Sr. João Goulart: Saia!’

1o/04/64 – ESTADO DE SÃO PAULO – (SÃO PAULO REPETE 32) ‘Minas desta vez está conosco’… ‘dentro de poucas horas, essas forças não serão mais do que uma parcela mínima da incontável legião de brasileiros que anseiam por demonstrar definitivamente ao caudilho que a nação jamais se vergará às suas imposições.’

02/04/64 – O GLOBO – ‘Fugiu Goulart e a democracia está sendo restaurada’… ‘atendendo aos anseios nacionais de paz, tranqüilidade e progresso… as Forças Armadas chamaram a si a tarefa de restaurar a Nação na integridade de seus direitos, livrando-a do amargo fim que lhe estava reservado pelos vermelhos que haviam envolvido o Executivo Federal’.

02/04/64 – CORREIO DA MANHÃ – ‘Lacerda anuncia volta do país à democracia.’

05/04/64 – O GLOBO – ‘A Revolução democrática antecedeu em um mês a revolução comunista’.

05/04/64 – O ESTADO DE MINAS – ‘Feliz a nação que pode contar com corporações militares de tão altos índices cívicos’. ‘Os militares não deverão ensarilhar suas armas antes que emudeçam as vozes da corrupção e da traição à pátria.’

06/04/64 – JORNAL DO BRASIL – ‘PONTES DE MIRANDA diz que Forças Armadas violaram a Constituição para poder salvá-la!’

09/04/64 – JORNAL DO BRASIL – ‘Congresso concorda em aprovar Ato Institucional’.

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Pesquisa: Clarissa Pont’

 

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