Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Agência Carta Maior


BLACK PROPAGANDA
Rosana Ramos


Uma propaganda de classe, 1/3/06


‘Dois episódios recentes, envolvendo as revistas Primeira Leitura e Veja, trazem à tona uma antiga discussão sobre o papel desempenhado pelos grandes meios de comunicação de massa na construção e permanente atualização da hegemonia conservadora no Brasil. E ao mesmo tempo recolocam a questão do porquê a esquerda não possui instrumentos de comunicação capazes de enfrentar a ideologia dominante e construir uma nova hegemonia.


Em janeiro, o professor titular de política exterior na Universidade de Brasília, Luiz Alberto Moniz Bandeira, disse, em uma entrevista ao Portal do PT, que a única manifestação contrária ao seu livro Formação do Império Americano – Da Guerra Contra a Espanha à Guerra no Iraque ‘foi a de um elemento de direita, que escreveu um artigo sob encomenda de um grupo que possivelmente serve como instrumento da black propaganda da CIA (agência de inteligência dos EUA)’. Embora Moniz Bandeira não tenha citado nomes, dias depois Reinaldo Azevedo, editor da Primeira Leitura – uma revista liberal-conservadora, vinculada à inteligência do PSDB de São Paulo -, vestiu a carapuça no texto ‘Eu, um agente da CIA’.


Já no início de fevereiro, o embaixador da Venezuela no Brasil, Julio García Montoya, enviou uma carta a Roberto Civita, presidente da Editora Abril, na qual desmente acusações ao presidente Hugo Chávez e compara os colunistas da publicação a Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Hitler.


Montoya apresenta uma queixa oficial contra a jornalista Daniela Pinheiro que, segundo ele, escreve ‘grande quantidade de mentiras’ em seu artigo ‘Com dinheiro do povo’, na edição 1º de fevereiro. A matéria afirma que Chávez teria utilizado recursos provenientes da estatal petrolífera venezuelana PDVSA para financiar o desfile da escola de samba carioca Unidos de Vila Isabel, cujo tema será Soy Loco por Ti, América. ‘Para Veja, tudo que é sensivelmente humano fede’, diz Montoya.


Principal publicação da Editora Abril, empresa que consolidou-se durante a ditadura militar, financiada pelo capital internacional, a Veja sempre foi um instrumento de propaganda da direita. Responsável não só pela sistematização de projetos conservadores ao país, como a construção de candidaturas de Collor e de FHC, mas também pela imposição de padrões de comportamento e cultura que mantêm o status quo.


Após as vitórias eleitorais das esquerdas na América Latina e, particularmente, no Brasil, a Veja tem promovido uma sistemática e ostensiva campanha contra estes governos, por meio de calúnias e denúncias infundadas, revelando sua verdadeira vocação. Que não é jornalismo. Assim como Goebbels, repete uma mentira mil vezes para fazer dela uma verdade.


BLACK PROPAGANDA


A black propaganda, a que se refere Moniz Bandeira, foi descrita em 1975 por Philip Agee, um ex-agente da CIA, no livro Inside the Company – CIA Diary (Dentro da Companhia – Diário da CIA), no qual revelou como a CIA empreende a guerra psicológica e descreveu as diversas formas pelas quais ela a realiza.


Segundo Agee, a função da CIA no programa de propaganda dos Estados Unidos é determinada pelo Departamento Oficial de Propaganda em três categorias gerais: branca, cinza e preta. Ele explica que a branca é feita aberta e declaradamente como oriunda dos órgãos do governo americano, isto é, da Agência de Informações dos Estados Unidos (USIA); a cinza é atribuída ostensivamente a pessoas ou organizações que não vinculam o governo americano como responsável pelo seu material e que divulgam informações como se fossem suas; e a preta não é imputada a fonte alguma, ou inexistentes, ou, ainda, trata-se de uma matéria falsa atribuída a fonte real.


De acordo com o ex-agente, ‘os veículos de propaganda cinza ou preta podem ignorar o patrocínio da CIA ou do governo dos Estados Unidos. O objetivo é dar mais eficiência e manter reduzido o número de pessoas que estão a par do que se realiza e, desta maneira, evitar o risco de revelação dos verdadeiros patrocinadores das operações’.


Agee garante que é assim ‘que firmas editoriais, políticos, homens de negócio podem produzir propaganda – mesmo remunerada – sem precisamente saber quem são os seus responsáveis ou financiadores. Alguns destes, obviamente, podem tomar conhecimento e então, de acordo com a terminologia da Agência, estabelece-se a distinção entre os agentes ‘conscientes e inconscientes’ ‘.


DISPUTA DE PROJETOS


A serviço da CIA ou não, o fato é que a direita cumpre bem o seu papel: sabe quem são seus inimigos e os ataca com propaganda classista. A esquerda, no entanto, tem se mostrado incapaz de fazer o combate ao monopólio na área da comunicação.


Este debate é sempre pertinente e ganha maior relevância às vésperas do Encontro Nacional do PT, momento em que o partido fará um balanço dos últimos três anos e definirá diretrizes para próximo governo. O tema da comunicação não é uma questão menor, é central no embate público de projetos.


Uma política de esquerda partidária deve visar a construção de uma nova hegemonia, com condições de desconstruir a ideologia conservadora dominante. Neste sentido o PT tem que refletir sobre a ausência de um programa estratégico para esta área.


O PT precisa investir na constituição de uma rede de comunicação própria que contemple a informação à militância, formação política e, fundamentalmente, uma comunicação de massa, com a criação de instrumentos capazes de fazer a disputa ideológica junto à sociedade.


No âmbito do governo, a comunicação tem que ser assumida como política pública. Assim como a saúde, a educação e a cultura, a comunicação é um direito. E a população tem que ter acesso à informação, ao conhecimento e aos meios de produção e propagação de idéias. Um governo de esquerda deve fomentar o desenvolvimento de veículos alternativos como rádios comunitárias e canais de televisão ligados ao governo e aos movimentos sociais.


A tentativa de estabelecer ‘boas relações’ com o monopólio da mídia, ao invés de combatê-lo com a criação de novos canais alternativos, foi um dos principais equívocos do governo Lula. Entres dias 28 e 30 de abril, data em que será realizado o 13º Encontro Nacional do PT, a política de comunicação do partido terá que constar no debate sobre diretrizes do programa de governo. Sob pena de repetirmos o desastre nesta área.


Não é possível implementar um projeto de transformação social com informações mediadas pelas grandes empresas de comunicação. A direita sabe disso, mas parece que a esquerda não.


Rosana Ramos é jornalista.’




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