Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Agência Carta Maior


VENEZUELA
Ignacio Ramonet


A mídia do ódio


‘Chego a Caracas para participar de uma jornada sobre ‘O Direito cidadão de
estar informado’, encontro organizado pela Telesur. Participam personalidades da
envergadura de Tariq Ali, Danny Glover, Richard Gott, Fernando Solanas, Miguel
Bonasso. O ambiente está marcado pelo assunto da não renovacäo da concessão da
Radio Caracas Televisión (RCTV), expirada no dia 27 de maio próximo passado.
Assisto a uma manifestação do Presidente Chávez, recentemente reeleito com 63%
dos votos. Ele explica que a decisão está amparada no Direito, e que não
significa nenhuma arbitrariedade, nem ilegalidade. Acrescenta que, na Venezuela,
onde 80% das estações de televisão são usadas pelo setor privado, a absorção dos
meios de comunicação por grandes empresas converteu o direito de informar mais
num privilégio empresarial do que num legítimo direito cidadão.


Converso com Francisco Farruco Sesto, galego nascido em Vigo, que chegou a
Caracas com 12 anos de idade e hoje é nada mais nada menos que o ministro da
Cultura. De modo simples e tranqüilo, Farruco me explica que toda essa barulhada
internacional é um pretexto para atacar o presidente Chávez. ‘Por que razäo’, me
diz, ‘a Venezuela está hoje no olho do furacäo, quando governos anteriores
aplicaram a censura a torto e a direito, e para cá nunca vieram Repórteres sem
Fronteira, a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), nem a Corte
Interamericana de Direitos Humanos? Por que ninguém protestou quando essa mesma
RCTV foi fechada durante vários dias em 1976, por ‘difusäo de notícias falsas’,
ou quando foi lacrada em 1980, por ‘sensacionalismo’, ou quando de novo foi
fechada em 1981, por ‘difusão de programas pornográficos’, ou quando foi
condenada em 1981,por ter ridicularizado o presidente da República?’.


Tudo isso aconteceu antes da primeira eleição do presidente Chávez, em 1998.
E nenhuma organizacäo internacional condenou estes ‘abusos’ naquela ocasiäo.
‘Assim como não condenaram o fechamento do Diário de Caracas, ou o desligamento
massivo de jornalistas do Globo, ou de Nuevo País. Se hoje há condenacöes, é só
para perseguir o presidente e desmerecer o programa da Revolucäo
Bolivariana’.


O amigo Farruco tem razão. Abundam exemplos, em diversos países, de
concessões não renovadas a canais de televisão, sem que provoquem protestos.
Para não ir muito longe, em 2004 na Franca se suspendeu a concessäo da TV Al
Manar, porque se considerou que este canal do Hezbolla libanês ‘pregava o ódio’.
Na Inglaterra, Margaret Thatcher cancelou a concessão de uma das grandes cadeias
de televisão por ter difundido notícias não gratas, ainda que verídicas. No
mesmo Reino Unido as autoridades dispuseram, em marco de 1999, o fechamento
temporário de Med-TV-Canal 22; em agosto de 2006 revogaram a licença da One TV;
em novembro do mesmo ano, a da StarDate TV 24 e em dezembro a do canal de
televendas Auction World.


Organizações independentes, como o Observatório Global de Mídia, denunciaram
com provas cabais que a RCTV participou da conjuntura midiática que propiciou o
golpe de estado de 11 de abril de 2002. Este canal, mediante manipulaçõöes e
envenenamentos, difundiu falsidades e calúnias para fomentar a execração e a
birra contra o presidente Chávez e seus partidários. Um comportamento semelhante
foi condenado em outras latitudes. Por exemplo, o Tribunal Internacional sobre o
Genocídio em Ruanda condenou, em 1994, os promotores da Rádio Mil Colinas por
cumplicidade com o extermínio dos tutsis. Na ex-Iugoslávia, o informe do
representante da ONU, Tadeusz Mazowiecki, condenou o papel das ‘mídias do ódio’
nas operações de ‘limpeza étnica’ levadas a cabo na Croácia e na
Bósnia-Herzegovina.


Na Venezuela, a RCTV tem sido uma típica ‘mídia do ódio’, despertando na
opinião pública instintos primários e promovendo uma violência tal que poderia
desembocar numa guarra civil. A que então se deve todo esse barulho a seu favor?
À solidariedade do poder midiático internacional, que vê na decisão do
presidente Chávez uma ameaca contra sua atual dominação ideológica. Mas a
aguerra näo acaba aqui.


Publicado no jornal El Pais, 08/06/2007


Traducão: Flávio Aguiar


Ignacio Ramonet é jornalista do Le Monde Diplomatique.’


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