Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Alain-Ge’rard Slama

‘A crise financeira dos grandes jornais franceses, a concorrência da televisão, da internet e da imprensa gratuita, o nivelamento por baixo estimulado pela Audimat (índice de audiência francês). Essas questões estão no centro do já famoso festival de história do cinema de Pessac, presidido por Alain Rousset e Jean-Noel Jeanneney (presidente de honra), que este ano escolheu como tema: ‘meios de comunicação e democracia’. Esses encontros originais entre cineastas, historiadores e jornalistas, acompanhados todas as vezes da projeção de uma centena de filmes, testemunham há 15 anos a importância crescente da imagem na percepção e na interpretação dos acontecimentos.

No evento, com um tema tão diretamente centrado na vocação do festival, ilustrado pelos filmes de John Ford, Howard Hawks, Alfred Hitchcock, Orson Welles, Elia Kazan, George Cukor e vários outros, o confronto foi particularmente fecundo. Sob todos os pontos de vista, desde o caso Dreyfus de Méliès, impressionante reconstituição de 15 minutos que remonta a 1899, o desenvolvimento das mídias foi apresentado no cinema em sua realidade mais profunda, o que a torna indissociável do progresso da democracia.

Ao longo dos séculos, com altos e baixos, a sua trajetória se impôs de modo paralelo. Nos nossos dias, o nível médio dos jornalistas aumentou bastante, o tom das polêmicas amainou, a proteção legal das vítimas de difamação melhorou de forma considerável. E, apesar disso, a queda de credibilidade dos meios de comunicação como fonte de informação não pára de se aprofundar. Quando se pergunta aos leitores, ouvintes e telespectadores se confiam no que lêem, ouvem e vêem, as respostas francamente positivas giram em torno de 6%. Mais da metade das pessoas pesquisadas manifestou desconfiança. Entre as vítimas dessa desconfiança, a imprensa escrita está em primeiro lugar.

A leitura dos jornais é particularmente fraca na faixa dos 15 aos 25 anos. Menos de um leitor de 20 anos a cada 5 se informa por este meio e, mesmo assim, quando o faz, é por meio dos jornais gratuitos. Uma vez assumido, o hábito da televisão antes do jantar, do rádio no volante do carro (que leva mais de 60% dos assalariados para o local de trabalho) e dos zappings caprichosos e lúdicos da internet continua até a idade adulta.

Nessa paisagem sombria, os jornais regionais se viram, cada vez menos, por razões de proximidade. As revistas semanais resistem, porque supostamente devem selecionar, encontrar espaço e comentar as notícias brutas da história imediata. Encurralada entre esses dois pólos, a imprensa diária francesa está tão fragilizada que a curva dos anúncios diminui com as vendas.

Essa crise é preocupante para a democracia. Uma queda estrutural, quase inescapável, conduziu a palavra e a imagem a ceder aos impulsos irracionais e a ordenar a informação segundo os critérios do Audimat. O que seria do debate público se o rádio e a televisão não encontrassem mais, nessa queda, o obstáculo do jornal escrito? O pior seria se a imprensa diária se visse obrigada, para sobreviver, a se alinhar com os meios de comunicação movidos a emoção.

Esse erro é evidente no caso dos meios de comunicação ingleses e italianos, onde os modelos Murdoch e Berlusconi causam estragos. A melhora dos sites dos jornais, cuja consulta se amplia de maneira exponencial, só pode preencher, pelo menos por enquanto, uma função anexa: sua apresentação fragmentada prejudica mais do que valoriza o debate democrático, ao colocar no mesmo plano todas as informações e os pontos de vista.

Mas estamos longe, na França, desse cenário catastrófico, por uma razão que a história dos meios de comunicação e de sua tradução para a imagem coloca em evidência e que é, tudo somado, reconfortante: o público é inteligente! A multidão que se distrai do cansaço do dia passando pelo espetáculo dos histriões da telerealidade sabe que tem caso com histriões. Cada um retira sua pequena moral pessoal, que não é necessariamente voltada para baixo.

Em outros termos, o desafio pode ser superado. Nos Estados Unidos, apesar da onipresença da televisão, 1 americano em cada 4 não compra menos de um jornal. Se na França essa relação caiu para 1 a cada 6, o preço dos jornais, que é o triplo do praticado além-mar e o dobro da tarifa dos alemães, é uma explicação maior, com a qual não devemos no entanto nos satisfazer. A queda dos anúncios e da publicidade seguiu a baixa das vendas, ela não a precedeu. O que está na causa, no que diz respeito à desafeição do público em relação aos jornais nacionais diários, deve-se, segundo nós, a um outro fator.

Esse fator não se deve, longe disso, a sua qualidade, que só os pessimistas julgam insuficiente, antes mesmo de ter aberto o menor jornal. Essa qualidade é, na maior parte dos casos, amplamente comparável à dos melhores órgãos de imprensa estrangeiros. A experiência mostra que não existe relação direta, pelo menos imediata, entre os esforços de um jornal para melhorar sua qualidade e o aumento de suas vendas. Para avaliar a situação desfavorável da imprensa francesa em relação aos grandes concorrentes estrangeiros, é preciso recorrer a uma outra explicação.

Cada família tem sua maneira de enxergar o mundo, de decupá-lo. O leitor gosta de se identificar. O principal inimigo da imprensa diária é a uniformidade. No nosso país, comprar um jornal sempre foi, mais ou menos, uma manifestação. Estamos errados em esquecer. É uma certa norma de pretensão à neutralidade, que confina muitas vezes à hipocrisia e não engana ninguém. Desde 1968, os leitores aprenderam a decifrar quem fala e de quem se fala. Os mascarados não seduzem.

Claro, a imprensa nacional, de vocação generalista, não saberia se contentar com as dimensões da imprensa de opinião. Ela não deve renunciar à exigência de exatidão e rigor , que supõe distanciamento. Mas, para esclarecer o debate público, para colocar os acontecimentos em perspectiva, ela deve ao mesmo tempo escapar às obediências partidárias e apesar disso encarnar suficientemente as grandes correntes de sensibilidade que se confrontam.

Em alguns casos, diante de questões consideradas por ela como grandes, e em um mundo cada vez mais difícil de decifrar, é preciso saber se engajar. Às vezes, nos perguntamos qual teria sido o impacto do ‘Eu acuso!’ de Zolá, se fosse apresentado como uma opinião entre tantas outras.’



Diário de Notícias

‘‘Le Monde’. Desde 2002, o diário perdeu cerca de 26 mil leitores’, copyright Diário de Notícias, 30/11/04

‘O jornalista Edwy Plenel anunciou, ontem, a sua demissão do cargo de director de redacção do diário francês Le Monde, função que desempenhou durante dez anos.

Edwy Plenel, de 52 anos, fez saber, através de um comunicado interno, que já tinha participado, no final de Outubro, a decisão de sair, a Jean-Marie Colombani, director do Le Monde, bem como a Alain Minc, outro elemento do conselho de administração, que tentou dissuadi-lo com o argumento das dificuldades financeiras que actualmente afectam o jornal.

A decisão do jornalista deve-se a ‘uma antiga reflexão’ e foi fundamentada pelo seu desejo de reencontrar as ‘alegrias do jornalismo e da escrita’, referiu Edwy Plenel no comunicado.

O ainda director de redacção do Le Monde garantiu, no entanto, que irá assegurar as suas funções até meados de Dezembro.

Por seu lado, Jean-Marie Colombani afirmou que a demissão de Plenel será ‘um traumatismo’ para o grupo.

Líder do mercado editorial francês com uma circulação superior a 300 mil exemplares, o Le Monde tem enfrentado, nos últimos dois anos, graves dificuldades financeiras devido à redução dos seus níveis de vendas e do decréscimo das suas receitas publicitárias.

Plenel deverá abandonar o cargo a 18 de Dezembro, a data em que o jornal foi fundado, em 1944, depois da libertação de França, por sugestão do general De Gaulle.’



MÍDIA & TECNOLOGIA
Renato Cruz

‘Livro de Ethevaldo Siqueira, que ouviu especialistas em tecnologia, discute tendências para os próximos anos’, copyright O Estado de S. Paulo, 5/12/04

‘Qual será o impacto das novas tecnologias no cotidiano das pessoas nos próximos anos? Como será a casa do futuro? Como será o entretenimento? Que ferramentas tecnológicas estarão disponíveis? Quais serão os reflexos na educação e no trabalho? Para responder a essas perguntas, e a muitas outras, o jornalista Ethevaldo Siqueira, colunista do Estado, ouviu mais de 50 especialistas internacionais nos últimos 4 anos, além de vários brasileiros. O resultado do trabalho é o livro-reportagem 2015: Como Viveremos (Editora Saraiva, 332 págs.), que chega às livrarias na próxima semana.

Não se trata de ficção, muito menos de ficção científica. Ethevaldo procurou retratar a visão de consenso entre futurólogos internacionais como Arthur C. Clarke, Alvin Toffler, Horst StOrmer (Nobel de Física em 1998), Don Tapscott, Nicholas Negroponte e Michio Kaku, além dos brasileiros João Antonio Zuffo e Jean-Paul Jacob. Entre as tendências analisadas está o nascimento do Pluricom, equipamento de bolso que une celular, televisão e telefone e a transformação das residências em verdadeiras cavernas de alta tecnologia.

Primeiro jornalista especializado em telecomunicações e informática do País, Ethevaldo começou sua carreira há 37 anos, neste jornal, com uma reportagem sobre a criação do Ministério das Comunicações, em Brasília. A seguir, principais pontos da entrevista sobre o livro.

OTIMISMO

É interessante que a visão predominante dos entrevistados é otimista. Eles levantam sempre a grande preocupação de que a tecnologia não deve ser vista sob nenhuma ótica extrema. Nem como solução utópica dos problemas humanos, nem como catástrofe. Nem com deslumbramento, nem com pavor. É necessária uma visão extremamente crítica, serena, equilibrada e construtiva.

PESSIMISMO

Mas alguns, que são minoria, têm uma visão pessimista. Muitos dos especialistas da internet acham que ela vai se tornar um verdadeiro pesadelo. Os otimistas acham que, embora a internet vá ter sempre um porcentual relativamente alto do que eles chamam de lixo virtual – com invasões, fraudes, vírus, spams, pedofilia, propagandas terroristas etc -, boa parte, digamos, 60% dela, será de coisas úteis. Eles apostam muito em projetos colaborativos, do tipo da Wikipédia, do Projeto Gutemberg. Aqui, no Brasil, da biblioteca eletrônica da Escola do Futuro.

MENSAGEM

O livro contém uma mensagem, de que a tecnologia pode contribuir positivamente para o aumento da produtividade, para a melhoria da qualidade de vida e, principalmente, como uma ferramenta muito útil para a educação. Outra mensagem é que a maioria esmagadora dos entrevistados acha que devemos ter uma preocupação muito maior com o futuro próximo. O horizonte de uma década é fundamental para qualquer nação se preparar realmente.

EDUCAÇÃO

O capítulo que eu acho de maior profundidade, pelo depoimento dos educadores, é o da educação, que eu chamo de hiperescola. É uma visão da escola muito além do ambiente presencial, tradicional de professor diante de aluno. A aprendizagem torna-se um processo ubíquo, que está em todo lugar, a toda hora. O acesso à educação, ao conhecimento, e ferramentas extraordinárias, de ordem global, como a internet, tornaram a idéia de universidade aberta muito mais dinâmica, interessante.

ADAPTAÇÃO

O mais difícil vai ser o teletrabalho, porque muita gente terá de trabalhar em casa. É um desafio muito mais de administração do tempo e da privacidade que de tecnologia. Outro grande desafio será a falta de contato com a natureza. Arthur Clarke diz que uma das preocupações dele com o futuro é que seus netos irão conhecer uma galinha somente no zoológico.’