Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Alberto Dines

‘Um domingo igual, com as mesmas expectativas e os mesmos presságios dos anteriores: a língua solta de algumas autoridades continuará a provocar mais aflições do que os miolos ressecados dos delinqüentes. Mas na outra margem do Atlântico, no outro lado do mundo, não é outono, é primavera. Na matriz da nossa história, este 25 de abril é glorioso – a Revolução dos Cravos completa 30 anos. Comemoração uníssona, inquestionável, lembra o fim de uma ditadura de 48 anos que não começou com Oliveira Salazar mas espelha-se nele.

Flores encarnadas nos fuzis, a Grândola do trovador Zeca Afonso na garganta, o Portugal melancólico, entregue aos fados, ‘orgulhosamente só’ como preconizava o ditador, transformou-se em esfuziante imagem de alegria. Em poucas horas, a quartelada virou revolução, em poucos dias transformou-se num pacto social e político. Em plena Guerra Fria, no apogeu da tragédia do Vietnã, sete meses depois da Guerra do Iom Quipur e do Choque do Petróleo que revirou a economia mundial, o pequenino Portugal produzia uma sensação de entendimento só comparável ao alívio produzido em 1945 com o fim da Segunda Guerra Mundial.

Foi um golpe militar com motivação militar (os jovens oficiais recusavam morrer na ‘África Portuguesa’) que num passe de mágica produziu a democracia. Incruento, apesar de confrontos tensos: nem as tropas rebeldes ou ‘legalistas’ dispararam um só tiro. Os três caídos foram baleados pelos esbirros da Pide e a quarta vítima foi um dos agentes da temida polícia política que reagiu à voz de prisão.

Teve toques pitorescos: o capitão Salgueiro Maia, o homem que literalmente derrubou a ditadura à frente de sua coluna de blindados, não conhecia Lisboa e teve de pedir ajuda aos populares para chegar até o estratégico Largo do Carmo; no trajeto, obedeceu disciplinado a todos os sinais de trânsito.

Os cravos murcharam 19 meses depois, quando um contragolpe militar selava um debate televisivo, realizado dias antes, onde o socialista Mário Soares encurralou o comunista Álvaro Cunhal, denunciando a tentativa de instalação de uma ‘democracia popular’ no país. O 25 de abril não pode ser isolado da sua continuação, o 25 de novembro de 1975, quando a democracia portuguesa venceu o seu desafio decisivo.

A virada portuguesa em 1974 coincidiu praticamente com a posse do nosso terceiro general-ditador, Ernesto Geisel, e o início da sua fracassada distensão ‘lenta, gradual e segura’. Uma imprensa censurada ou autocensurada serviu-se fartamente do fim do Estado Novo português para valorizar os símbolos contidos nos acontecimentos de Lisboa. Nada adiantou. Enquanto a legalidade implantava-se rapidamente em Portugal e a tutela militar mantinha-se nos aspectos formais (Mario Soares, o primeiro presidente civil em 60 anos, só foi eleito em 1986), o processo brasileiro foi atravancado, sangrento e confuso.

Temos a fama de cordiais mas são os portugueses que sabem fazer as transições sem traumas. O 25 de abril português foi um movimento de capitães e majores, os generais chegaram depois, quando era imperioso disciplinar e institucionalizar o processo de mudança. O nosso 31 de março foi obra de generais assustados com o espectro da indisciplina, incapazes de engolir suas ambições. Por isso, alongou-se e degradou-se.

O 25 de abril produziu um desenvolvimento acelerado e sustentável (que culminou com a adesão de Portugal ao então Mercado Comum Europeu), enquanto o ‘milagre brasileiro’ desandou. Lá o desvario ideológico durou pouco, a esquerda desistiu da retórica revolucionária e preferiu apostar na disputa democrática. Aqui, sucedem-se as gerações sem produzir antídotos e imunizações para as tentações totalitárias.

A canção Abril em Portugal, composta em 1939, chamava-se originalmente Coimbra e dela conhecem-se cerca de 200 versões em diferentes idiomas (Avril au Portugal e April em Portugal as mais conhecidas), a maioria inspirada nos cravos do 25 de abril de 1974. Aquarela do Brasil, de Ary Barroso, apresentada no Carnaval do mesmo 1939, é a música brasileira mais conhecida no mundo. Mas ainda aguarda algum grande feito – fora dos gramados de futebol – para ser cantada com a mesma emoção.’



IMPRENSA LUSA
Carlos Chaparro

‘Curiosidades de um jornalismo de elites’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 19/04/04

‘O XIS DA QUESTÃO – A proeminência do esporte (leia-se futebol) constitui uma faceta pouco estudada, e surpreendente, nas preferências jornalísticas dos portugueses. O país tem três jornais diários esportivos, dois deles (A Bola e o Record) com tiragens ao redor dos 100 mil exemplares, o dobro da tiragem média do Público e do Diário de Notícias, os diários de maior prestígio nacional. Em termos de espaço, até nesses dois jornais de referência, em cuja fisionomia o articulismo político prepondera, o futebol ganha do texto de idéias.

Lisboa (16-4-2004) – Depois de quase quatro semanas em terras lusas, chegou a hora de falar um pouco da imprensa portuguesa. Desde já devo avisar que, às impressões acumuladas nessas quatro semanas, falta o suporte de uma observação sistemática, o que reduz a valia referencial do texto que se inicia. Ainda assim, penso que vale a pena recortar certas características do jornalismo impresso português, em seus formatos atuais. Além das eventuais curiosidades contidas, as informações reunidas poderão ajudar à percepção de diferenças importantes em relação ao jornalismo brasileiro. E comparar, desde que sem preconceitos, é quase sempre uma boa maneira de aprender a nos conhecermos melhor.

Poderemos, pelo menos, aguçar a curiosidade em relação às razões de certas diferenças. Por exemplo: a publicidade ocupa, proporcionalmente, quase o dobro do espaço nos grandes jornais brasileiros, na comparação com os principais diários portugueses. Enquanto, no Brasil, os anúncios preenchem em torno de 65% do espaço impresso, em Portugal, o padrão médio de ocupação do espaço, por anúncios, anda em torno dos 35%.

Daí resulta uma diferença óbvia, porém de enorme importância: o texto tem peso visual avassalador nos jornais portugueses. Já nos jornais brasileiros, o que prepondera na ocupação da mancha impressa são os anúncios. E essa limitação (o excessivo peso visual dos anúncios) talvez explique a criatividade didática do desenho gráfico brasileiro, um dos melhores do mundo, graças ao qual o noticiário emerge e brilha, apesar do sufoco de ‘centimetragem’ da publicidade.

Haveria, muito, o que investigar e discutir em torno das diferenças de ‘engenharia econômica’ nos dois modelos. Por falta de informações e argumentos, teremos de deixar isso para outras ocasiões. Mas não se correrá grande risco se admitirmos, como probabilidade, que a proximidade cultural dos Estados Unidos, a adesão aos paradigmas do jornalismo americano e a importação de receitas gerenciais da experiência americana têm muito a ver com esse perfil do jornalismo impresso brasileiro.

De outro lado, a imprensa portuguesa está histórica e culturalmente vinculada à escola francesa de jornalismo, enraizada na força argumentativa de articulismo. Mais do que os fatos, as idéias dão tom aos jornais mais conceituados. E embora amenizado nos últimos anos pela prioridade de conquistar leitores (Portugal é, na Europa, um dos países de mais baixos índices de leitura de jornais), o tempero argumentativo ainda persiste no estilo do jornalismo português. Chega a invadir títulos e aberturas de reportagens.

O tom argumentativo deriva, também, do lugar nobre ocupado pelos artigos, bem como da extensão do espaço a eles concedido. Exemplo: domingo passado (11 de abril), o Público, principal jornal diário de Lisboa, identificado por aqui como paradigma de jornalismo de referência, ocupava, com artigos, oito das onze páginas iniciais da edição. Depois da fieira de artigos, vinha o noticiário político nacional, em quatro páginas, duas delas dedicadas à memória do 25 de abril. Ao noticiário internacional foram dadas as seis páginas seguintes, uma das quais com textos de análise. Completavam as 64 páginas da edição (formato tablóide, padrão europeu) o noticiário geral, o noticiário local e regional, o espaço da cultura e do lazer, um caderno de classificados, alguns anúncios de página inteira – e o esporte, que, com 10 páginas, foi a única editoria a superar o espaço dos artigos.

Será essa uma contradição – a de um jornalismo que dá tanta importância ao texto de idéias (artigos) quanto às emoções e polêmicas esportivas?

Talvez. Na verdade, a proeminência do esporte (leia-se futebol) constitui uma faceta pouco estudada, e surpreendente, nas preferências jornalísticas dos portugueses. Vejam só: o país tem três jornais diários esportivos, dois deles (A Bola e o Record) com tiragens ao redor dos 100 mil exemplares, o dobro da tiragem média do Público e do Diário de Notícias, os dois jornais de maior prestígio na imprensa portuguesa.

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Com mais ou menos intensidade argumentativa, com tiragens maiores ou menores, a verdade é que impressiona a massa de texto oferecida pelos principais diários portugueses, em especial nos fins de semana. Contribui fortemente para essa sensação o fato de esses jornais circularem nos fins de semana com revistas próprias, todas acima das 100 páginas, e distribuídas gratuitamente. Para se ter uma idéia do que isso representa no contexto da leitura semanal, vale a pena informar que a Visão, principal revista de atualidades do país, circulou esta semana com uma edição de apenas 68 páginas (capas incluídas).

Para a carga de texto dos fins de semana, o semanário Expresso dá contribuição marcante. Sem precisar disputar leitores com os jornais diários (em vez disso, aglutina-os), o Expresso vende 130 mil exemplares por edição, bem acima da tiragem média que qualquer dos jornais diários. É o único jornal português de grande porte em formato ‘standart’, e isso lhe marca a identidade visual, e o diferencia fortemente dos diários, todos em formato tablóide. Mas o semanário lisboeta se diferencia, também, pelo debate político mais incrementado e pelo discurso jornalístico mais claro, marcas reforçadas pelo estilo de titulação em que se privilegia a precisão e a contundência. Exemplo, na manchete desta semana: INTERNADOS À FORÇA – Manifesto propõe internamento compulsivo dos tuberculosos.

Raramente se vê tal poder de síntese nos principais títulos dos jornais diários. Como exemplo, eis a manchete de primeira página do Público, domingo passado: Bush foi avisado um mês antes do 11 de setembro de que a Al-Qaeda planeava atacar os Estados Unidos. Praticada pelo Público, o estilo verborrágico provavelmente faz escola…

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Será que o tom argumentativo e os exageros verborrágicos explicam as baixas tiragens dos diários ditos de referência? Eis aí outra questão a que não se pode responder por palpite. O que se sabe é que, somados, os dois mais conceituados jornais do país (Público e Diário de Notícias) mal alcançam os 100 mil exemplares de venda diária – se a tanto chegam. Dos jornais diários, os dois que mais vendem não se enquadram nos parâmetros intelectuais do ‘jornalismo de referência’: o Correio da Manhã (110 mil exemplares de tiragem média) e o Jornal de Notícias (com tiragens em torno dos 106 mil exemplares) – ambos arrolados na categoria dos ‘populares’, não sei se porque vendem mais ou devido à linguagem direta e clara dos seus títulos e textos.

De qualquer forma, temos aí uma equação que não fecha, no mínimo curiosa: quem mais leitores tem, não gera discussão pública; quem gera discussão pública, poucos leitores alcança.

Deve-se levar em conta, entretanto, que essa é uma questão tangenciada por grossos preconceitos, em Portugal como no Brasil. Um deles, o que leva as elites, protagonistas do tal debate público, a proclamarem como ‘produto ruim’ o jornalismo que elas próprias rotulam de ‘popular’, para o desqualificar. Sequer se importam com as complexidades que o termo ‘popular’ pode conter, uma delas, a possibilidade de escolha de outras perspectivas, no ‘ver’ e no ‘relatar’ do que acontece.

Mas essa é outra questão, para outros textos.’



ECOS DA GUERRA
Rafael Cariello

‘EUA coíbem fotos de caixões após divulgação’, copyright Folha de S. Paulo, 24/04/04

‘O veto do governo americano à divulgação de imagens de soldados mortos sendo transportados de volta para o país foi furado, anteontem na internet e ontem nas TVs e jornais dos EUA, com a publicação de fotos de caixões de militares, cobertos com a bandeira do país, vindos do Iraque.

A publicação foi defendida por críticos da proibição -para eles um limite imposto à liberdade de imprensa-, e atacada por defensores do direito de privacidade das famílias dos militares mortos. Para estes, a divulgação das fotos desrespeita os parentes dos mortos, ao não lhes dar a chance de ter a última palavra sobre o acesso ou não a essas imagens.

Esse é o argumento do governo -proteger e respeitar a sensibilidade dos parentes dos mortos. Os críticos afirmam que a proibição favorece o governo e a candidatura à reeleição de George W. Bush ao não mostrar a realidade do conflito no Iraque.

As fotos, tiradas numa base da Força Aérea no Estado de Delaware, foram inicialmente divulgadas no site da organização Memory Hole -que combate ‘segredos de governo’-, que havia feito o pedido de liberação das imagens com base numa lei de liberdade de informação.

Contrariando o veto do governo, uma divisão da Força Aérea aceitou o pedido, e 361 fotos foram divulgadas anteontem. No mesmo dia, o Pentágono anunciou que a permissão havia sido um erro e que outras cópias de fotos não seriam liberadas.

Bush disse ter ficado ‘emocionado’ com as imagens. Ele reiterou seu apoio à proibição de divulgação de fotos de militares mortos. ‘Temos de prestar atenção à privacidade e à sensibilidade das famílias dos mortos; essa é a base da política [de proibição] e deve ser nossa maior preocupação’, disse um porta-voz.

A política do governo americano de não permitir essas imagens foi adotada na Guerra do Golfo, em 91. Foi flexibilizada durante a Presidência de Bill Clinton (1992-2000) e retomada sob Bush.

Um exemplo do atual rigor com a divulgação de imagens foi dado na quarta, quando uma funcionária de uma empresa que presta serviços no Iraque foi demitida após tirar fotos similares e enviá-las para um jornal de Seattle.

O virtual presidenciável democrata, John Kerry, criticou a demissão e, referindo-se à publicação das fotos e à proibição do governo Bush, disse que ‘a verdade está em questão nessa eleição’.

Peso eleitoral

Entre os americanos, há controvérsia sobre se as imagens podem ter impacto na percepção da opinião pública sobre a Guerra do Iraque -com conseqüências para a eleição presidencial.

O congressista democrata Jim McDermott lembrou a influência de imagens de caixões no crescimento da oposição à Guerra do Vietnã (1965-75). ‘Isso não é um problema de privacidade. Trata-se de tentar evitar que o país encare a realidade da guerra.’

O professor de ciência política da Universidade da Califórnia John Zaller discorda. Especialista em mídia e opinião pública, diz que a divulgação ou não dessas imagens não tem peso algum na eleição de novembro.

Ele diz haver uma relação entre número de mortos numa guerra e a queda da popularidade do presidente, que no entanto independeria da apresentação de imagens. Mas as notícias de mortes no campo de batalha que mais pesam, afirma, são as primeiras, o que não se aplica à situação atual, e teriam impacto proporcional cada vez menor. ‘As primeiras dez mortes têm o mesmo impacto na popularidade do presidente que as cem seguintes.’

‘Nas últimas semanas, passamos de 600 para 700 mortos. O resto do mundo espera que a opinião pública americana mude de idéia. Eu ficaria surpreso se isso acontecesse’, afirma Zaller.’