Wednesday, 04 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Alberto Dines

‘A maioria das pessoas que ouvia os rádios mal sabia onde ficava Gdinya (ou Dantzig ?) naquela manhã de 1º de Setembro de 1939 e, no entanto, a 2ª Guerra Mundial começava naquele momento quando o rolo compressor dos blindados nazistas acabou com o ‘corredor polonês’ e retomou aquele porto no Báltico.

Exatos 65 anos depois, pela Internet e pela TV, milhões de pessoas horrorizam-se com o massacre de inocentes numa escola em Beslan, Ossetia (Osséssia?) do Norte e ninguém se dá conta que já estamos há algumas décadas em plena terceira conflagração mundial.

Os dois primeiros conflitos seguiram os protocolos e cânones, com uma declaração formal e um início cronometrado das hostilidades. Diplomatas foram para casa, entraram em cena os generais. O atual conflito foge de todos os parâmetros conhecidos. Para começar: não é uma guerra convencional, portanto não respeita qualquer convenção. Não há negociações, negociadores, as reivindicações são vagas e obrigatoriamente absurdas.

A guerra terrorista nada tem a ver com geografia ou história. Manifestou-se em Buenos Aires com a destruição do edifício da AMIA há dez anos, nas Olimpíadas de Munique há trinta, em Nova York há três. Também em Moscou, Bali, Jakarta, Bogotá ou Jerusalém. Não tem raízes ou razões, é um surto de bestialidade. Integral.

Das guerras mundiais, a de 1914-1918 foi a última travada em frentes de combate, com uma clara distinção entre zona bélica e retaguarda civil. Na 2ª Guerra, o uso da Luftwaffe para bombardear cidades e estradas coalhadas de refugiados estabeleceu a idéia de Guerra Total. O bombardeio de Londres no início do conflito e, depois, a utilização dos foguetes V-2 contra alvos indiscriminados abriu caminho para as retaliações contra Dresden, Hiroxima e Nagasaki. A Solução Final adotada pelo alto comando nazista no início de 1942 não foi uma operação paralela mas parte de um novo modelo bélico onde a conquista territorial deve associar-se à liquidação dos diferentes. Com o Holocausto estabeleceu-se a prática da limpeza étnica e a guerra ganhou outra dimensão — ilimitada e sem pretextos.

Os terroristas que ameaçavam matar os jornalistas franceses no Iraque insurgiam-se contra uma lei votada democraticamente na França, a matança ocorrida há dias nos ônibus em Beersheva, Israel, pretendia vingar a liquidação do líder ‘espiritual’ de uma facção palestina pelas forças israelenses mas não atingiu um único soldado, apenas civis.

A idéia da guerra terrorista repousa na noção de que não há inocentes, todos são culpados e todos devem morrer. Inclusive os heróis. O suicídio até então entendido como gesto nobre de renúncia, tornou-se aviltante, mero assassinato político em grande escala. A batalha de Beslan faz parte de uma guerra de extermínio sem o uso de armas de destruição de massa. Muito mais letal: é contra a humanidade.

Os alvos passaram a ser aqueles que os terroristas consideram diferentes. E os diferentes já não são apenas os sionistas, são também os judeus, cristãos, budistas, hindus, americanos, iraquianos, colombianos, sudaneses, paquistaneses, espanhóis, turcos, franceses, russos e árabes. O adversário do terrorista é aquele que optou por viajar num ônibus ou metrô em determinado horário ou mandar os filhos para aquela escola naquele dia. Em qualquer pedaço do mundo.

A Guerra Global do Terrorismo está em curso e aqueles que pretendem enfrenta-la são os mais pífios lideres que a humanidade já produziu. Ao aceitar a sua candidatura para concorrer novamente à presidência dos EUA no exato momento em que desenrolava-se a Batalha de Beslan na Ossetia, George W. Bush mostra-se à altura das lideranças franco-britânicas em 1939. Emasculados pelo poder nazista, Chamberlain e Deladier não souberam reagir na hora apropriada.

O desnorteado Bush, perseguido pelo complexo de nunca ter sido soldado, enverga qualquer uniforme que lhe oferecem e dispara armas disparatadas contra alvos inadequados. Seu colega Vladimir Putin, protótipo do gorila criado pelo Estado comunista, descendente direto do déspota Joseph Stalin, não consegue enxergar outra solução para problemas políticos que não seja a repressão e a violência.

Imunes à passagem do tempo, irresponsáveis no seu pragmatismo utilitário, as lideranças de certas esquerdas mostram-se hoje tão cegas e insensíveis quanto os comunistas que pactuaram com Hitler na véspera da 2ª Guerra Mundial ao imaginar que estariam a salvo do assalto nazista. O terrorismo não tem aliados, só adversários.’



Erin E. Arvedlund

‘TVs russas ‘escondem’ desfecho do seqüestro’, copyright Folha de S. Paulo / The New York Times, 5/09/04

‘Durante uma das mais fatais crises de seqüestro na Rússia, que espalhou medo pelo país e foi notícia pelo mundo todo, três das maiores redes de televisão russas hesitaram, depois cobriram de forma errática, e então desistiram da transmissão.

Mesmo quando o pandemônio se instaurou em Beslan, as redes controladas ou de propriedade do Estado evitaram as imagens mais sangrentas do assalto que deixou mais de 320 mortos, muitos deles crianças. As duas maiores redes, de maior audiência no país, o Canal 1 e a Rossiya, mostraram flashes ao longo do dia, mas continuaram com sua programação regular durante a tarde.

O programa de notícias da NTV estava no ar quando a luta irrompeu, e ficou claro que a crise tinha atingido seu clímax dramático. Um de seus correspondentes, Ruslan Gusarov, estava no ar quando as explosões e os tiros começaram, mas a rede rapidamente cortou a cena e continuou com quase 20 minutos de notícias internacionais, incluindo uma seqüência sobre a convenção republicana para as eleições presidenciais americanas, em Nova York.

‘Eu acho que a atmosfera geral aqui é: ‘Quanto menos notícia você tiver, melhor’, disse Savik Schuster, o apresentador do talk-show de política da NTV, ‘Svoboda Slova’, ou ‘Discurso Livre’, que foi cancelado em julho. ‘E acho que é um erro.’

Desde que foi eleito, o presidente Vladimir V. Putin tem exercido cada vez mais poder sobre a televisão russa, orquestrando o afastamento de oponentes políticos que as controlavam e aumentando as restrições sobre as transmissões das principais redes. Críticos têm reclamado há bastante tempo que o controle exercido pelo Kremlin limita o que os russos vêem e ouvem, e isso ficou eminente anteontem. Putin foi ferozmente crítico à cobertura realizada na última crise de seqüestro, a do teatro em Moscou, em 2002.

O presidente russo não fez um pronunciamento anteontem, e, sem as suas palavras, que normalmente têm destaque em toda a programação, a cobertura dos canais controlados pelo Estado pareceu ter perdido sua direção. Ontem, o discurso de Putin sobre o desfecho do seqüestro foi transmitido na íntegra pelas TVs russas, estatais e privadas.

Vida de taxista

Às 15h30, com o campo de batalha em chamas e os corpos ensangüentados das crianças que emergiam, as transmissões do Canal 1 e da Rossiya viraram as costas ao local do seqüestro e voltaram a passar sua programação regular, com filmes e dramas no período da tarde como ‘Taxista’, um seriado sobre motoristas de táxi.

Para aqueles com acesso a sistemas de TV a cabo ou por satélite, as únicas fontes de notícias reais -e cruas- foram a CNN e a BBC, que continuaram transmitindo ao vivo as chocantes cenas do alto de um telhado de um prédio nas imediações.

Apenas tarde da noite da sexta as redes de TV mostraram um pouco mais das imagens mais trágicas -a inundação de corpos no necrotério de Beslan, pais percorrendo o local em busca de suas crianças, quadro após quadro, balançando-se em desespero -que o mundo todo já tinha visto horas antes. Com agências internacionais’



MÍDIA, TERROR & ISLAMISMO
Érica Fraga

‘Imprensa britânica e islã batem de frente’, copyright Folha de S. Paulo, 5/09/04

‘O Reino Unido tem assistido nos últimos dias a uma crescente onda de conflitos entre grupos que representam muçulmanos e alguns setores da mídia. O capítulo mais recente desse confronto foi a demissão, na última semana, de um assessor de imprensa do British Council acusado de ter sido o autor de artigos ofensivos à comunidade islâmica publicados pelo jornal ‘Sunday Telegraph’.

Harry Cummins, funcionário do British Council -braço do governo cuja principal missão é promover a integração do Reino Unido com outros países-, havia sido apontado, há duas semanas, por uma reportagem do jornal ‘The Guardian’ como o homem que se escondeu atrás do pseudônimo de ‘Will Cummins’.

Um desses artigos diz que ‘todos os muçulmanos, como todos os cachorros, compartilham certas características’. Outro afirma que ‘é ao coração negro do islã, não à sua face negra, que milhões se opõem’.

A notícia caiu como uma bomba no British Council, que acaba de apoiar a publicação de uma cartilha cujo objetivo é fornecer a jornalistas informações sobre o islã e comunidades islâmicas no Reino Unido a fim de ‘evitar comentários ignorantes sobre muçulmanos’. Na última quinta-feira, a instituição anunciou que Cummins havia sido demitido.

O ‘Sunday Telegraph’ não quis comentar o assunto. Cummins- que nega ter sido o autor dos artigos- não foi localizado.

Outros casos

O caso chamou a atenção devido à virulência dos artigos. Mas conflitos entre a mídia e os muçulmanos não têm sido incomuns no Reino Unido. Segundo especialistas, a maioria das situações em que há sinais de racismo ou do que os muçulmanos chamam de ‘islamofobia’ foram registrados, até agora, em tablóides.

‘Essa tendência existe, mas seria absolutamente errado afirmar que é generalizada. Esse tipo de racismo se restringe a alguns jornais populares que acham que representam a média da população inglesa contra os ‘invasores’, diz Angela Phillips, professora do Goldsmiths College e colaboradora do ‘Guardian’. Ela diz que, embora o racismo seja preocupante, a ocorrência de reações de repúdio, como a do British Council, são um bom sinal.

Racismo

O jornalista Tim Gopsill, do sindicato dos jornalistas, diz que ‘sem dúvida há racismo na mídia britânica contra minorias étnicas’, mas diz também que o problema é mais localizado no que chama de ‘imprensa popular’.

As organizações que representam muçulmanos, no entanto, dizem que o problema inclui, além dos tablóides, veículos de direita.

‘Antes do 11 de Setembro, a mídia dava muito espaço para os extremistas que nunca representaram a maioria dos muçulmanos. Depois, passou a querer nos colocar na mesma caixa dos extremistas’, diz Amas Altikriti, da Muslim Association of Britain (MAB).

Ao mesmo tempo em que afirmam que são vítimas de ‘islamofobia’ por parte de alguns órgãos de imprensa, as organizações de muçulmanos também são acusadas de racismo por esses veículos.

Ao longo do mês passado, por exemplo, a MAB se envolveu em uma polêmica com o jornalista Anthony Browne, do ‘Times’, que afirmou, em um artigo, que a organização tem preconceito contra os judeus.

Disse ainda que a MAB possui vínculos com grupos e pessoas ligadas ao terror.

Altikriti se defende dizendo que a organização não é contra judeus. ‘Ser contra os judeus seria o mesmo que ser contra o islã, porque nós os consideramos como nós mesmos. Há, inclusive, judeus que trabalham conosco’. Admite, no entanto, que a MAB é ‘anti-Israel’. ‘Isso nós nunca negamos’, afirma.

Em relação ao terrorismo, ele diz o seguinte: ‘Uma coisa crucial em qualquer sociedade é que exista um nível básico de confiança entre as pessoas. Se eu digo que somos contra o terrorismo e não acreditam em mim, o que eu posso fazer para convencer as pessoas?’, pergunta.

Liberdade de imprensa

De forma geral, os jornalistas envolvidos em polêmicas se defendem afirmando que estão apenas exercendo sua liberdade de imprensa.

Segundo Stephen Abell, diretor-assistente da Press Complaints Commission-organização encarregada de arbitrar reclamações contra a imprensa-, o código de ética da profissão no país diz que os jornalistas são livres para emitir sua opinião desde que não forneçam informações erradas.

Para Shareefa Fulht, da Muslim Youth Helpline -serviço de orientação a jovens muçulmanos-, há, de fato, críticas crescentes da mídia contra muçulmanos. Porém, diz ela, ‘é isso o que se tem numa sociedade livre’.’

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‘Notícias sobre ‘terroristas’ são pivô de crítica’, copyright Folha de S. Paulo, 5/09/04

‘Uma das principais críticas de organizações de muçulmanos e de instituições de proteção a direitos humanos em relação à mídia no Reino Unido está ligada às notícias de prisões de suspeitos de terrorismo.

‘Com a nova lei antiterror, a polícia pode deter qualquer pessoa sob o pretexto de que é suspeita, e a maior parte dos presos são muçulmanos. Só que a maioria deles acaba sendo liberada por falta de provas. O problema é que a mídia noticia com estardalhaço as prisões, mas não noticia quando as pessoas são soltas’, diz Liz Fekete, do Institute of Race Relations.

Segundo ela, a conseqüência negativa disso é que a população acaba tendo a idéia de que muitos muçulmanos estão envolvidos com terrorismo no Reino Unido.

Pesquisas do Institute of Race Relations e de instituições que representam muçulmanos indicam que, entre mais de 600 pessoas -a maior parte muçulmanos- detidas para averiguação, somente 15 ficaram presas.

‘Além disso, a maioria dos que terminaram presos de fato sequer são muçulmanos. Muitos eram suspeitos de ligação com o terrorismo na Irlanda do Norte, por exemplo’, afirma Fekete.

Mas o fato de estarem no centro desse debate público também tem trazido conseqüências positivas, segundo os muçulmanos, como o crescimento da procura por cursos sobre o Oriente Médio.

‘Acho que todas as discussões sobre o Oriente Médio, petróleo e guerra têm chamado a atenção dos jovens. Por outro lado, o declínio do interesse por estudos americanos pode ser uma reação contra o que os políticos dos EUA têm feito’, disse Muhammad Abdel Haleem, da School of Oriental and African Studies.’



Folha de S. Paulo / Associated Press

‘Diretor de TV árabe liga terror a mundo islâmico’, copyright Folha de S. Paulo Associated Press, 5/09/04

‘O diretor-geral da rede de TV árabe Al Arabiya, Abdulrahman al Rashed, afirmou ontem que o mundo muçulmano é o principal responsável pelos atos de terrorismo internacional nos últimos dez anos, refletindo a indignação em países árabes com o desfecho sangrento do seqüestro em Beslan.

‘Nossos filhos terroristas são fruto de nossa cultura corrompida’, escreveu Al Rashed no artigo ‘A dolorosa verdade: todos os terroristas do mundo são muçulmanos’, publicado pelo jornal pan-arábico ‘Asharq Al Awsat’. O autor lista atentados recentes de grupos islâmicos no Iraque, no Iêmen, na Arábia Saudita e na Rússia -a república tchetchena tem maioria muçulmana.

No mesmo tom de Al Rashed, Mohammed Sayed Tantawi, principal xeque muçulmano do Egito, questionou: ‘Qual a culpa dessas crianças? Por que elas deveriam ser responsáveis pelo conflito [islâmico] com o governo?’. ‘Aqueles que conduzem seqüestros são criminosos, não muçulmanos’, acrescentou Tantawi.

Em coluna no jornal ‘Al Ahram’, o intelectual egípcio Ahmed Bahgat afirmou que os terroristas prejudicam o islã. Para ele, as imagens de Beslan ‘mostraram os muçulmanos como monstros que se alimentam do sangue das crianças e da dor de suas famílias’.’