Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Alberto Dines

‘Santuário de probidade, pelo menos teoricamente, o Tribunal de Contas da União acaba de ser incluído na série de devassas empreendidas pela Polícia Federal nos desvãos do aparelho do Estado. Da Operação Sentinela, saíram presos quatro altos funcionários do TCU envolvidos em licitações fraudadas com empresas de segurança (cujos dirigentes também foram encarcerados).

A 38ª incursão da PF desde o início do mandato do presidente Lula coincide com uma deletéria competição com o seu antecessor para mostrar quem é efetivamente competente. Travado na base de provocações sibilinas para contentar as respectivas torcidas, o pitoresco embate entre os dois estadistas-gladiadores passa ao largo da questão da corrupção, fonte principal da insatisfação popular.

Brigam Suas Excelências por causa do risco-país e esquecem do risco que corre uma sociedade legitimamente revoltada contra a impunidade reinante. O campeonato ‘social’ que ambos disputam ignora os profundos ressentimentos que fermentam em todos os escalões contra a permissividade com o crime.

O povão pode estar preocupado com o desemprego, a carestia, o transporte urbano ou a saúde pública, mas as mazelas que o agridem frontalmente são a roubalheira e a violência. Na verdade mazela única, filha das transigências morais que desacreditam a justiça e arruínam a confiança nas instituições.

As reações à Operação Sentinela são exemplares e revelam as dimensões da prevaricação e a gravidade da condescendência com a imoralidade. Tão logo anunciada, o líder do governo na impoluta Câmara dos Deputados (PT-SP) convocou a imprensa para denunciar a Polícia Federal comandada por uma facção política, à revelia do seu comando, interessada apenas em prejudicar ‘o processo republicano’ e o ‘crescimento do país’.

A indignação do deputado Professor Luizinho, candidato à presidência da Câmara, não se relacionava com o resultado das investigações numa instituição que deveria estar imune às fraudes. O parlamentar estava preocupado com os efeitos colaterais da ação policial na hipersensibilidade do PMDB já que uma das empresas envolvidas nas licitações irregulares do TCU pertence ao ministro das Comunicações, Eunício Oliveira, um dos próceres do imaculado partido que o governo quer agarrar como base de apoio. Meia hora depois, o parlamentar subia à tribuna agora para elogiar os federais movidos apenas pela defesa dos interesses da sociedade.

A santa ira do Professor Luizinho estendeu-se a algumas altas esferas do governo que passou parte da tarde de quinta-feira paralisado por uma espécie de assembléia interna que, afinal, endossou a ação da PF e a cruzada anti-corrupção apoiada pelo Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos.

Acionaram-se então as assessorias de imprensa que produziram fartos levantamentos sobre todas operações da PF a partir de janeiro de 2003. Esqueceram de incluir outra espetacular operação, em São Luís do Maranhão, fevereiro de 2002, ainda no governo FHC, quando a mesma PF flagrou nos escritórios de uma empresa da família Sarney, quase um milhão e meio de reais em notas de 50.

O PT que estava na oposição também denunciou interesses políticos por trás da ação policial no que foi entusiasticamente apoiado pelo PFL e pelo clã Sarney que preparava a então governadora, Roseana, para candidatar-se à presidência da República. O espetacular flagrante da PF deu em nada: já no governo Lula o caso foi encerrado pela Justiça, obviamente em favor dos acusados.

Ao defender a Polícia Federal de qualquer envolvimento político ou partidário, o ministro da Justiça lembrou o caso da recente prisão do marqueteiro do governo, Duda Mendonça, flagrado numa rinha na periferia carioca. O ministro não explicou convincentemente porque razão os dois policiais encarregados da diligência foram imediatamente transferidos para delegacias remotas.

Enquanto FHC e Lula esgrimem suas competências em matéria econômica e administrativa, fica evidente a politização da luta contra o crime e a violência. De nada adianta aumentar o PIB se parte dele escoa-se através do esgoto da corrupção e do crime organizado.

A Operação Sentinela deve servir de advertência para os perigos que rondam um Estado em que os interesses partidários subjugam a soberania do aparelho policial.’



Marco Aurélio Weissheimer

‘Campanha na mídia alimenta o clima de ‘despetização’’, copyright Agência Carta Maior

‘O padrão é quase sempre o mesmo. Notas plantadas em colunas de jornais ou matérias que não citam as fontes de suas afirmações povoaram as principais publicações brasileiras no mês de novembro dando conta de uma iminente ‘despetização’ no ministério do governo Lula. Os alvos principais são os ministros petistas, mais particularmente aqueles ligados à esquerda do PT, e mais particularmente ainda o ministro das Cidades, Olívio Dutra, o campeão disparado no ranking dos possíveis demitidos.

O caso do ex-governador do Rio Grande do Sul é peculiar, tanto pela quantidade de notas, especulações e boatos, quanto pelas possíveis razões de sua saída do governo. Elas vão desde o fato de o PT gaúcho ter muitos ministros no governo – são quatro -, passando por críticas à política econômica, o coração generoso de Lula e chegando a avaliações genéricas sobre o suposto descontentamento do presidente com o desempenho do Ministério das Cidades.

O assunto não chega a ser novo. Praticamente desde que assumiu, Olívio Dutra convive com essas especulações e já deve ter perdido as contas de quantas vezes foi demitido. Após as eleições municipais deste ano, a onda de boatos recomeçou com força. Logo no dia 1° de novembro, o colunista Ancelmo Góis, do jornal O Globo, anunciou, sem citar fontes, que a ala gaúcha do ministério de Lula sofreria defecções. Segundo o colunista, seriam muitos ministros petistas pertencentes a um Estado onde o partido ‘quase foi dizimado’. No mesmo dia, o mesmo jornal publicou uma matéria repetindo as afirmações do colunista e garantindo que o resultado do segundo turno das eleições pesaria na reforma ministerial. A necessidade de eficiência, também. Além de não citar fontes, a matéria também não menciona nenhum dado para atestar a suposta ineficiência do Ministério das Cidades. Os ministros Miguel Rossetto, do Desenvolvimento Agrário, Dilma Roussef, das Minas e Energia, e Tarso Genro, Educação, também entraram na bolsa de especulações.

A farra das especulações

O ministro da Saúde, Humberto Costa, é outro nome que aparece com freqüência nos jornais como um forte candidato a ceder o lugar para alguém fora do PT, no processo de recomposição da base aliada que estaria sendo costurado pelo Palácio do Planalto. O curioso é que, em nenhum momento, ministros afinados com a equipe econômica – para não falar dos próprios integrantes da mesma – aparecem nestas especulações. Muito pelo contrário, nomes como Roberto Rodrigues, da Agricultura, e Luiz Fernando Furlan, da Indústria e Comércio, são apontados como modelos de eficiência e competência e fortes candidatos a permanecer até o fim da atual gestão.

Os pecados da ineficiência e da incompetência são sempre associados aos ministros do campo da esquerda petista, especialmente aqueles que ocupam pastas com orçamentos cobiçados, como são os casos de Olívio Dutra e Humberto Costa.

No dia 16 de novembro, Ancelmo Góis, mais uma vez, fala sobre a saída de Olívio Dutra do governo. Ele estaria indo ocupar a embaixada brasileira em Montevidéu, dando o lugar para Marta Suplicy. Três dias, no dia 19, O Globo volta à carga afirmando em uma matéria, mais uma vez sem citar fontes, que Olívio Dutra e Humberto Costa seriam afastados de seus ministérios. No mesmo dia, a Folha de S. Paulo diz que Olívio Dutra estaria saindo do governo para ‘acomodar o PMDB’. No dia seguinte, uma matéria de meia página de O Estado de S. Paulo discute o quadro geral de ‘despetização do governo’, apontando Olívio Dutra como um dos favoritos para deixar o ministério. O texto cita o ministro Jaques Wagner como fonte, mas as citações sobre a demissão de Dutra não são identificadas.

O coração de Lula

Ainda no dia 20 de novembro, uma matéria de O Globo diz que ‘é unânime entre interlocutores de Lula a saída de Olívio Dutra’. Na mesma edição, a colunista Miriam Leitão defende que o presidente deve buscar eficiência em seu ministério ao invés de acolher nomes derrotados em eleições. No dia seguinte, a pressão continua. Uma matéria da Folha de S. Paulo noticia o jantar de Lula com os senadores do PMDB na casa do ministro da Previdência, Almir Lando. Segundo o texto, embora não tenham falado em postos, os peemedebistas pressionaram para que os futuros ministérios do partido sejam o da Integração Nacional (de Ciro Gomes) ou o das Cidades (de Olívio). O ministro da Cidades não tem um dia de trégua. No dia 22, uma matéria do Estado de São Paulo anuncia: ‘Olívio Dutra se isola e critica PP no governo’. Não informa, porém, onde e em que circunstâncias, o ministro teria falado contra o ingresso do PP no governo.

Mais uma vez O Estado de S. Paulo, no dia 24 de novembro: ‘Lula define com ministros quem pode sair. Saúde e Cidades na mira’. Novamente sem citar fontes, o texto diz que ‘ficou a impressão’ de que Dutra e Costa devem deixar o governo. No dia 26 de novembro, é a vez do ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, ser incluído pela Folha de S. Paulo na bolsa das demissões. Seria substituído por José Fritsch, ministro da Pesca. No dia seguinte, O Estado de S. Paulo pede a cabeça de Rossetto em uma bandeja de prata por suas ‘ligações perigosas’ com o MST. Olívio Dutra é outro nome que desagrada ao Estadão que, no dia 27 de novembro, diz que Lula já pensou várias vezes em demiti-lo, e só não o fez porque é amigo do ministro e ‘age com o coração’.

A última versão

As variações são praticamente intermináveis, assim como também a obscuridade das fontes citadas (ou não) nas referidas matérias. A mais recente delas dá conta de que Roseana Sarney, inicialmente cotada para assumir o Ministério do Planejamento, iria mesmo para onde…o Ministério das Cidades, é claro! Outra característica comum da imensa maioria dessas matérias é que elas não ouvem, ou não publicam, a versão dos ministros que, supostamente, estariam deixando o governo. Uma exceção, que curiosamente parece confirmar a regra, é a matéria da Folha de S. Paulo, de 30 de novembro, intitulada ‘Olívio e Costa elogiam a atuação de suas pastas’. Nela ficamos sabendo que os dois ministros não tem qualquer notícia de que Lula esteja planejando substituí-los e que acreditam estar desenvolvendo um bom trabalho.

Após esse reinado do ‘off’ e da especulação é possível que a, por alguns, tão sonhada despetização do ministério, comece e, finalmente, as previsões se tornem realidade, desta vez confirmadas por anúncios oficiais. Até lá, Olívio Dutra deve ir se preparando para ser demitido mais algumas vezes. * Colaborou Alexandre Souza (pesquisa)’



Mailson da Nóbrega

‘A confissão de Kotscho’, copyright O Estado de S. Paulo, 5/12/04

‘Depois da coragem de Lula em manter a política econômica e da competência do médico Antonio Palocci na Fazenda, apareceu mais uma agradável surpresa: a entrevista ao Estado do ex-secretário de Imprensa da Presidência, Ricardo Kotscho (28/11/2004).

Quando se está fora, disse, ‘a gente sempre sonha um monte de coisa, critica o que acha errado’. ‘Quando chega ao governo, acha que tem oportunidade de colocar em prática aquilo que sonhou quando era de oposição.’ Entretanto, prossegue, cedo se percebe os limites ‘entre o que quer fazer, o que precisa fazer e o que é possível fazer’. ‘De fora a gente sempre pergunta: por que não resolvem isso, por que não dão aumento para o mínimo, por que não consertam as estradas, por que o País é tão injusto?’ É uma pena que apenas um grupo de pessoas do PT, como Kotscho, tenha abandonado as visões utópicas dos tempos de oposição. Muitos ainda não ultrapassaram os umbrais da utopia e por isso não se conformam que não tenha havido a ruptura prometida na campanha. Uma pena maior ainda é constatar que fora da área econômica e de outros gatos pingados, grassam a inexperiência, a ineficiência e o anticapitalismo. Daí falar-se em despetização do governo.

Os críticos petistas à política econômica ignoram os resultados espelhados nos números do PIB, do emprego e da renda recentemente divulgados pelo IBGE, mas Lula sabe o que faz. ‘Eu não mexo na política econômica. Não tem volta. O caminho está tomado e ponto final’, disse ele na reunião de ministros do PT.

A meu ver, Lula abandonou a idéia de ruptura por três razões básicas.

A primeira é sua impressionante intuição, que se torna mais conhecida à medida que são divulgadas passagens de sua vida. Mais de uma vez, ele resistiu ao canto da sereia de intelectuais de esquerda e sindicalistas que gostariam de usá-lo para por em prática suas próprias visões do mundo. Antes de assumir, Lula percebeu que aventuras na política econômica poriam em risco o País e seu futuro político.

A segunda razão é a evolução institucional do Brasil, isto é, a democracia, a estabilidade, as novas instituições econômicas e as crenças da sociedade, como definido por Douglass North. Assim, o País dispõe de normas e condutas enraizadas nas áreas fiscal e monetária – incorporadas na Lei de Responsabilidade Fiscal e na autonomia de fato do Banco Central – e na nova cultura de intolerância à inflação e a desmandos orçamentários. O déficit zero, para pasmo dos descrentes, virou instrumento de marketing, como no anúncio do governador Aécio Neves nos jornais.

Contamos também com a vigilância da mídia. A uma pergunta sobre a independência da imprensa em relação ao poder (O Globo do mesmo dia), Kotscho disse que isso já existe há muitos anos. ‘A grande imprensa não é dependente do governo. Se pegar os balanços, a participação da publicidade oficial nas grandes empresas, é coisa de 2%, 3%.’

A terceira razão é a integração crescente do Brasil às correntes mundiais de comércio e finanças. Fazer parte da globalização tem mais vantagens do que desvantagens, como estamos aprendendo. Uma das vantagens é proteger a sociedade contra ações inconseqüentes na política econômica, que geram queda imediata de confiança e interrupção dos fluxos de recursos financeiros e de investimentos diretos.

Esse novo conjunto de detectores de sinais permite a identificação instantânea de desvios de comportamento e de práticas voluntaristas na gestão macroeconômica. Os mercados responderão com a fuga de capitais com efeitos negativos sobre a taxa de câmbio, a inflação, os investimentos, a atividade econômica e o emprego. Por seu turno, os eleitores sabem antecipar as respectivas conseqüências no seu bolso.

Por isso, imporão severas perdas à popularidade do governo e do presidente.

Em resumo, Lula e pessoas sensatas como Kotscho mudaram porque amadureceram e porque tiveram à sua frente um conjunto de sinais para orientá-los no caminho do exercício do poder, que costuma ser árduo e cheio de riscos de acidentes mortais. Infelizmente, uma parte expressiva do governo e os economistas da velha estirpe ainda teimam em instar o Presidente a enveredar por caminhos sabidamente desastrosos.

Para nossa sorte, parece certo que a trilha escolhida por Lula ‘não tem volta’. A declaração de Kotscho confirma essa esplêndida realidade. (Mailson da Nóbrega é ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultorias Integradas (e-mail: mnobrega@tendencias.com.br))’



Elio Gaspari

‘O leitor esclarece’, copyright O Globo, 5/12/04

‘O assessor especial da Secom encarregado da edição da ‘Carta crítica’, uma análise política do noticiário da imprensa, esclarece que o ministro Luiz Gushiken não determinou a sua retirada de circulação.

A decisão, tomada pelo redator da publicação e referendada por Lula, foi de restringir sua circulação. Ela era remetida a 14 leitores, entre eles o presidente e o comissário Gushiken. Tendo ocorrido um vazamento, os 12 outros destinatários foram excluídos da lista.

Não se deve comparar os propósitos dos comissários do Planalto com os dos generais do Serviço Nacional de Informações. Mesmo assim, vale o registro de que as Apreciações Sumárias do SNI (uma análise semanal dos acontecimentos políticos e econômicos) também se destinavam a um universo de dois leitores: o chefe do Serviço e o presidente da República.

Com uma diferença: depois de liberada, a Apreciação podia ser lida pelos donatários das agências regionais do SNI.

Pede-se a Lula e ao comissário Gushiken que preservem esses documentos, como o presidente Ernesto Geisel preservou cerca de 200 Apreciações recebidas entre 1974 e 1979. Elas estão no CPDOC, à disposição dos interessados.’