‘Autor da minuta da modelar Constituição americana, terceiro presidente dos EUA e um dos patriarcas da república com o mais expressivo legado político, Thomas Jefferson (1743-1826), não poderia imaginar que 250 anos depois o seu nome seria tão usado no Brasil para batizar meninos destinados a seguir a carreira política.
Um destes Jeffersons, Roberto, nasceu em 1953, rechonchudo, tornou-se rotundo, fez carreira no trabalhismo fluminense (PTB) que não é propriamente uma academia para exercitar virtudes e inclinado para o bel canto enveredou pela histrionice. Outro Jefferson, Péres, amazonense (nascido em 1932) hoje senador da República pelo PDT é de outra cepa: escolheu o caminho da ética, veterano nas investigações legislativas e o decano da recém instalada CPI do Correiogate.
Sobre o Jefferson (Roberto) e as más companhias com que andava o governo, disse o outro Jefferson (Péres): ‘quem anda com porcos come farelo’. Não poderia ter sido mais explícito sobre o chiqueiro que se instalou na política brasileira a partir do momento em que o então presidente da República, José Sarney, iniciou o processo de comprar consciências para aumentar o seu mandato.
A promiscuidade entre o Executivo e Legislativo começou no início do mandato do vice de Tancredo Neves e continua até hoje. Fantasiado de vestal da moralidade, Sarney é o paradigma do despudor que macula os dois poderes mais visíveis da República.
O escândalo das mesadas pagas pelo PT a deputados dos partidos de aluguel é o momento culminante de um fisiologismo que comprometerá decisivamente nossas instituições se não for imediatamente estancado. Obrigado a chafurdar na imundice criada pela ‘boa fé socialista’ (expressão do ministro José Dirceu), o governo agora pretende dar a volta por cima e acelera a preparação da reforma política.
Não vai adiantar. E quem o diz com todas as letras é o governador do Acre, Jorge Viana, eleito pelo PT e apoiado pelo PSDB. Na entrevista à ‘IstoÉ’ (8/6), Viana é taxativo: o confronto mortal PT-PSDB, ambos social-democratas, é o responsável pelas alianças suspeitas e, principalmente, pela hegemonia dos fisiológicos.
‘Quem estiver no governo vai ter que estabelecer alianças com as forças políticas conservadoras…’ O hábil governador evitou usar uma expressão mais contundente como ‘forças políticas espúrias’ mas é enfático ao defender um diálogo diferenciado com o PSDB. ‘Sou um aliancista’, afirma Jorge Viana
Proposta audaciosa, missão quase impossível que talvez só ele, na qualidade de amigo do presidente Lula e amigo do ex-presidente FHC, poderia articular. Teria prontamente o endosso dos ministros Palocci e Gushiken, notórios estrategistas e, com toda a certeza, a animosidade de Dirceu e Genoíno, guerrilheiros por vocação.
A própria concepção da reforma política encomendada ao ministro Márcio Thomas Bastos corre o risco de graves deformações genéticas se o governo, para aprová-la, amparar-se excessivamente no poderoso PMDB. A outrora gloriosa agremiação é, na realidade, uma federação de partidos onde o citado Sarney comanda uma facção de teor moral tão qualificado quanto o da horda de ‘mensalistas’ e picaretas que compõem o grosso do PTB, PL e PP.
Uma reforma política capaz de cauterizar definitivamente os focos infecciosos da política brasileira exige não apenas uma concepção idealista e decente mas, sobretudo, uma blindagem capaz de protegê-la ao longo de sua tramitação legislativa das contaminações oportunistas que fatalmente ocorrerão.
A sábia, patriótica e corajosa proposta do governador Jorge Viana transcende à esfera parlamentar. Dentro dela está a gênese de um renascimento institucional capaz de nos projetar para além da ultrajante esfera de republiqueta ou república de bananas à qual fomos condenados.
Os erros crassos embutidos na ‘Constituição-Cidadã’ de 1988 podem ser rapidamente reparados por uma parceria de partidos infensos ao fisiologismo. E apenas dois grandes partidos como o PT e o PSDB — apoiados por outros menores como o PPS, PSB, PV e parcelasdo PMDB e do PFL –têm condições de produzir um estatuto político democrático e moderno, capaz de legar às futuras gerações de brasileiros uma república efetivamente jeffersoniana.
Sem esta aliança estaremos condenados a assistir ao minguar dos Jeffersons Péres e a proliferação dos Roberto Jeffersons.’
Maurício Dias
‘FHC apoiaria ‘golpe branco’’, copyright Carta Capital, 14/06/2005
‘O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos é um dos mais renomados e respeitados acadêmicos do País. Na extensa lista de trabalhos publicados por ele, um, especialmente, virou referência bibliográfica. No calor das lutas políticas do início dos anos 60, ele escreveu um livro – Quem Vai Dar o Golpe no Brasil – que prenunciou a derrubada do presidente Goulart em 1964. Ele farejou o golpe militar.
Opinião.
‘No governo tucano, a denúncia do mensalão não teria provocado grandes marés’
O fantasma dos militares não existe, mas nas últimas colunas que escreve para o jornal Valor Econômico, publicadas às quintas-feiras, ele farejou um ‘golpe branco’ contra Lula no movimento da oposição e, principalmente, do PSDB. Pró-reitor da Universidade Candido Mendes, Wanderley Guilherme dos Santos chegou a ironizar os tucanos, resgatando a imagem de Carlos Lacerda, um político que andava sempre com uma proposta de golpe na cabeça: ‘O lacerdismo mudou-se para São Paulo’, escreveu, após pensar sobre a frase do ex-presidente Fernando Henrique de que havia uma ‘crise institucional’ no País.
Nesta entrevista a CartaCapital, ele explica a crise pela missão político-eleitoral dos tucanos de algemar o governo para enfraquecer a candidatura Lula em 2006. Diz que, para alcançar esse objetivo, o PSDB chegou a pensar em um ‘golpe branco’, o impeachment, a partir das denúncias de corrupção. Mas recuou. Acredita que o partido não promoverá a iniciativa, mas, se ela surgir, apoiará. Ou seja, se o cavalo passar arriado, o ex-presidente Fernando Henrique montaria.
CartaCapital: Há uma crise política grave neste momento?
Wanderley Guilherme dos Santos: A palavra crise entrou no vocabulário diário da política desde janeiro de 2003. Falou-se de crise todos os dias. Agora, sim, há uma crise política. É uma crise importante. Mas é uma crise normal em sistemas democráticos funcionando, operando. Quer dizer, democracia com uma oposição musculosa como não havia, por exemplo, no governo Fernando Henrique.
CC: Oposição mais forte…
WGS: Agora tem. Não tinha imprensa contra, agora tem. Vivemos um período democraticamente muito mais vivo do que no governo passado. A oposição agora é uma oposição forte. Tem capacidade de agitar e criar problemas e de interferir na agenda política. Por conseqüência, a maioria da imprensa está com a oposição.
CC: O PT, na oposição, não tinha essa força?
WGS: De maneira nenhuma. O PT mobilizava, no máximo, 140 deputados durante todo o período. Se o PT tivesse o poder oposicionista que tem hoje a oposição a Lula, o então presidente Fernando Henrique Cardoso não teria aprovado 21 emendas constitucionais.
CC: O senhor quer dizer que a imprensa não oferecia aos petistas a receptividade que oferece agora à oposição tucano-pefelista?
WGS: Não havia essa simpatia. Isso dá uma outra moldura ao conflito, à disputa democrática. Ela fica mais elétrica e torna maior a possibilidade de se ter crises políticas. Existe uma crise importante agora.
CC: E qual a razão dela?
WGS: Ela não tem uma única causa. Não se trata apenas da causa dos interessados mais evidentes que são os próprios políticos. Aqueles que, num contexto de crítica, têm aumentado o seu poder de barganha, o peso ponderado deles dentro das negociações. Para os políticos de oposição esse é um momento muito importante. Interessa a eles que a crise seja caracterizada como tal: uma crise. Ou seja, o governo está em débito em relação a uma agenda de questões e de perguntas. Por outro lado, é verdade também que se essa denúncia do mensalão tivesse sido feita durante o governo Fernando Henrique não teria provocado grandes marés…
CC: Por quê?
WGS: Primeiro, porque é uma denúncia genérica. Há pagamentos mensais feitos pelo tesoureiro do partido do governo etc. etc. Isso se disse à vontade do Sérgio Motta em situação muito mais complicada, que foi o processo de aprovação da reeleição. E não aconteceu nada porque a oposição não tinha capacidade de fazer acontecer, não tinha grandes políticos querendo fazer acontecer e não tinha a imprensa querendo fazer acontecer. E, assim, não aconteceu. E isso envolvia uma figura chamada Sérgio Motta. O deputado Roberto Jefferson tem um currículo que, por si só, não transfere credibilidade e peso às declarações. Sobretudo em declarações dessa generalidade. Dessa forma, é claro que a questão não está nem no conteúdo da declaração nem em quem declarou. Mesmo que seja verdade, embora não seja fato provado ainda, não foi isso que moveu os interessados. Foi outra coisa.
CC: Ou seja, embora a denúncia tenha sido genérica e falte ao denunciante a necessária credibilidade, logo criou-se um terremoto…
WGS: Portanto, há outras linhas de causalidade além do interesse do deputado Jefferson de se defender e de envolver outras pessoas. Outra causa da crise me parece ser o temor que o PSDB tem de Anthony Garotinho. O pavor do PSDB é que o segundo turno seja com o Garotinho e não com o candidato do PSDB. A transformação da ética na política como divisor de águas, entre maioria e minoria no País, se bem-sucedido, derrota Garotinho. Entretanto, se não for, o eventual decréscimo eleitoral da situação cai no colo de Garotinho. Independentemente de Garotinho, há interesse de o PSDB macular a imagem do Lula. Desde janeiro de 2003 temos tido sucessivas rodadas de denúncias nos jornais acompanhadas de uma pesquisa…
CC: Uma tentativa de linchamento político?
WGS: Não, não chega a isso. São manobras identificáveis. Há sempre um caso: Waldomiro Diniz, a eleição para a presidência da Câmara, o cadastramento no Fome Zero. As pesquisas feitas na seqüência indicavam que, no entanto, a imagem do presidente não era afetada. Isso tem sido desesperador para a grande imprensa…
CC: Qual o interesse dela?
WGS: A democracia em países em desenvolvimento só fica efetivamente consolidada quando dispensar a imprensa, quando o que a imprensa quiser for irrelevante para a estabilidade do governo. A imprensa é um ator importante no que diz respeito à estabilidade do governo em países em desenvolvimento, como o Brasil.
CC: O senhor se refere à capacidade de formar marolas?
WGS: Marolas, não. Grandes furacões. A grande imprensa levou Getúlio ao suicídio com base em nada; quase impediu Juscelino de tomar posse, com base em nada; levou Jânio à renúncia, aproveitando-se da maluquice dele, com base em nada; a tentativa de impedir a posse de Goulart com base em nada. A grande imprensa em países em desenvolvimento é a grande porca das instituições, a grande emporcalhada.
CC: A imprensa é assim ou ela está assim?
WGS: A imprensa não é assim. Ela é assim num certo período dos países. Ela foi assim nos EUA, na Inglaterra, e não é mais. Isso não quer dizer que não haja a imprensa porca e, sim, que a grande imprensa deixou de ser porca. Não é o caso do Brasil. Isso é importante ficar registrado, porque na medida em que passa o tempo a gente esquece. Quando aconteceu em 1954 a gente deixou passar, assim como deixou passar em 1961. Então, não pode deixar passar, não. A imprensa levou Getúlio Vargas ao suicídio com inverdades e com fatos falsos, construídos. E promoveu um golpe de Estado em 1964. Não há como negar isso. Essa é uma outra linha de causalidade. Há dois anos e meio a imprensa tentava botar Lula debaixo de sua pauta. Conseguiu agora.
CC: Não é o papel da imprensa tomar conta, fiscalizar?
WGS: É. Tomar conta, sim. Desestabilizar, não. A estabilidade não pode depender de militar, nem da Igreja, nem da imprensa.
CC: As Forças Armadas…
WGS: Duvido que elas voltem a ter a importância que tiveram. Quando se pegava um tenente roubando e gritava ‘ladrão’, ele dizia: ‘Está ofendendo as Forças Armadas’. E os generais concordavam. Hoje acontece com jornalista. O jornalista faz uma barbaridade e alguém diz: ‘Ele fez uma infâmia’. Os grandes jornais alertam: ‘A liberdade de imprensa está sob ameaça’. É a maior corporação existente hoje no País com um poder infernal.
CC: Essas linhas de causalidade explicam a crise?
WGS: Elas não são responsáveis pelo que acabou sendo a crise. A dimensão da crise não estava na cabeça de ninguém. Assim como ninguém sabe o que vai acontecer. Foi por isso que começaram a puxar os freios.
CC: O comportamento da oposição ficou na linha demarcatória das ações políticas? Alguém, em sua opinião, cruzou a linha?
WGS: Depende do que se chama de cruzar a linha. Quando se começa a dizer, como foi dito, que há iminência de crise institucional está cruzando a linha…
CC: Quem disse isso foi o ex-presidente Fernando Henrique.
WGS: Vamos reler o último parágrafo do artigo de 5 de julho passado, que ele escreveu em O Globo: ‘Se nada for feito, caberá a quem venha a ser o candidato do PSDB nas próximas eleições apresentar ao eleitorado um programa muito claro com reformas eleitorais, partidárias e da máquina pública. Caberá anunciar de antemão a disposição, se eleito, de recorrer aos mecanismos de consulta à população para validar essas reformas e mesmo, se entender necessário, solicitar ao Congresso uma lei delegada para fazê-las’. Se anunciada por Lula, a proposta seria tomada como fato determinante para criar uma CPI. Ameaça de chavismo.
CC: Por que o PSDB teria chegado a esse ponto?
WGS: Pelo pavor do sucesso do governo Lula. O PSDB sabe que com mais dois anos de governo, como vinha até agora, ele levaria uma surra em 2006.
CC: Interessa a eles chegar ao impeachment?
WGS: Não acredito que eles queiram promover o impedimento de Lula. Mas, se houver a possibilidade, não recuarão. Se a chance aparecer, os tucanos vão apoiar esse golpe branco, porque o governo está sendo bem-sucedido. Se fosse um governo inepto, como se apregoa, o PSDB deixaria Lula em paz e o derrotaria facilmente no ano que vem.
CC: Mas o PSDB não inventou o episódio…
WGS: Caiu na mão do partido esse episódio de corrupção nos Correios.
CC: Declarações como a do governador Aécio Neves – de que Lula não é Collor – seriam uma pitada de bom senso?
WGS: É difícil querer dizer que não está interessado no mesmo movimento que levou ao impedimento de Collor, porque o governo Lula é diferente sem, ao mesmo tempo, chamar a atenção para o fato de que podem ser iguais. Quem foi que disse que era igual? A comparação pode estar na cabeça do formulador da frase.
CC: Frase sibilina.
WGS: Muito sibilina. O PSDB, sobretudo o tucanato paulista, está numa posição de oposição provocadora. Não diria mais que está na posição golpista que já teve e pode voltar a ela.
CC: Estaria havendo transferência de um confronto paulista para o plano nacional?
WGS: Uma parte do imbróglio, do lado tucano, tem a ver com a disputa interna – quem vai ser o candidato – que implica, entre outras coisas, bloquear Aécio Neves e Jereissati. Isso obriga, também, a fazer campanha contra o PT paulista. O PT nacional é o PT paulista levando para o plano federal desavenças locais, de São Paulo.
CC: Isso tem reflexos no governo Lula?
WGS: É uma parte da desarticulação do governo que vem se revelando de uma incompetência na política cotidiana, que não é incompetência normal do PT. Isso só pode ser explicado porque estão fazendo política de São Paulo no Planalto. Não há uma defesa organizada, concatenada em torno das realizações do governo Lula e é por isso que boa parte delas ninguém sabe. Há uma busca desesperada de consenso no governo que parece o processo decisório do PT.
CC: A quem caberia arbitrar para acelerar as decisões?
WGS: Estamos falando da falta de um articulador. No caso, falta o presidente Lula. Ele está exercendo mal o seu papel de presidente. Ele tem o mandato. Não pode levar esse tempo que levou para aparecer com um discurso pífio. Foi o pior discurso político que vi o Lula fazer.
CC: O que houve de tão grave na sua opinião?
WGS: Ele concedeu tudo à oposição. Jogou fora o discurso de posse que foi magistral. Ele disse, ao assumir, que o combate à fome e à miséria seriam a meta ordenadora do governo. Ao discursar no fórum global anticorrupção, ele disse que os países emergentes continuariam pobres enquanto não acabassem com a corrupção. Além de oportunismo, isso é uma tolice. Objetivamente, o presidente disse o seguinte: enquanto for pobre haverá corrupção. Ele concedeu o discurso à pauta da oposição. E falou que a corrupção só acabaria com uma reforma política. Ou seja, Fernando Henrique pautou o discurso de Lula.’
Pedro Doria
‘Isso não é governar’, copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 11/06/2005
‘Pois bem, então cá estamos à porta de mais uma crise política. São espetáculos divertidos de assistir vez por outra, os jornais lêem-se como romances policiais – intrigas, corrupção, jogos de interesse – e, no entanto, desde aqueles últimos dias apocalípticos de 1992 que tudo soa também um pouco a farsa. Depois de um tempo, de maiores e de menores crises políticas, dá na verdade até um certo desânimo. É de pensar: o que é que esses caras estão fazendo mesmo?
Esqueçamos a crise, vamos de volta ao cotidiano. Que é que faz o Congresso? Páginas e páginas e páginas de jornais e revistas vêm sendo produzidas no Brasil ao longo dos últimos vinte anos de democracia. São notícias, artigos, análises, notas corridas, mas tratam do quê? Jogo político. Qual a estratégia de um grupo, as declarações do fulano, a manobra regimental, novas filiações partidárias, cassação de mandato. Brasília vive disso, respira isso. O cruel desta crise, momento em que o noticiário trata com exuberância do disse-me-disse habitual, é que ela só deixa mais explícito que é isto que fazem o ano inteiro, todos os anos.
E esquecem que política não é o objetivo mas o meio.
No entanto, naqueles poucos metros que separam Planalto e Congresso, nas muitas idas e vindas, algo se perde. Parece que em nenhum dos prédios se discute saúde ou educação ou tecnologia ou qualquer coisa que valha a pena discutir. A polêmica entre ministros e deputados e senadores nunca é a respeito de algo realmente importante. Talvez seja sobre quem será ministro ou secretário, ou trate de uma verba atrasada, aí é sobre se despacha exército para cuidar de segurança ou não – há sempre algo urgente para resolver. E é claro que há coisas urgentes quando não se governa. Não é característica do PT. Este é o Brasil. Assim que inventaram o governar, assim é que fazem.
Só que as coisas não são assim. Abra o ‘New York Times’ ou o ‘Washington Post’. Há polêmicas em Washington, também – e muita política. A minoria democrata dedica-se já há algum tempo a bloquear o trator republicano. Por quê? Picuinha política? Nada. Discutem como deve se reorganizar a segurança interna do país, com atenção para questões como privacidade; qual deve ser o perfil de novos juízes; estão há dois meses num feroz embate a respeito da reestruturação da previdência pública. Argumentam, de um lado ou de outro, se células tronco embrionárias podem ser usadas ou não em estudos. Crises políticas se armam ao redor da questão do casamento gay.
França? As páginas de política do ‘Le Monde’ tratam de como lidar com imigrantes, sindicatos e governo brigam a respeito de como deverá ser o regime do trabalho no futuro. Inglaterra? Uma das grandes preocupações da semana é a política agrícola da União Européia, como devem ser distribuídos (ou não) subsídios. Não só: de acordo com o ‘Guardian’, a nova lei contra crimes de ódio (religioso, racial etc.) e uma discussão interna do Partido Conservador a respeito dos direitos de gays estão na pauta. A Espanha continua sua eterna tentativa de lidar com o terrorismo basco, em Portugal a direita cobra redução de impostos, e a esquerda, criação de empregos. (Empregos estão sendo criados, apenas num ritmo menor do que o esperado.)
Nada disso está de fato na pauta política brasileira. As grandes cidades recebem migrantes da China, Bolívia e África a olhos vistos – e são bem-vindos, mas em Brasília jamais se discute alguma política de incentivo ou contenção ou assentamento de estrangeiros. Queremos ou não e para quê? E estratégia para redução de impostos ao longo do futuro? Deixa pra lá, tema seguinte. Casamento gay é da mais alta relevância, é coisa que envolve decisões de vida e angústias de um bom naco de brasileiros. Mas quando a questão chegou às comissões, foi recebida por parlamentares e imprensa como uma curiosidade, uma excentricidade, e ninguém discutiu muito o assunto.
Quantos são os deputados ou senadores especializados na questão de células-tronco? Por que, como aconteceria em qualquer país, não há uma comissão permanente e agitada dedicada ao estudo do problema da segurança pública no Rio de Janeiro com convocações para depoimentos, muito barulho e quetais? Onde estão os volumes de estudos e conclusões e idéias produzidas pelo Parlamento para a exploração sustentável da Amazônia? Ou para, dadas as limitações da política econômica, melhora da infra-estrutura viária e elétrica do Brasil?
Nada disso. Nenhuma idéia criativa. Só megaprojetos, as PPPs da vida, essas grandes reformas que ninguém explica direito e sobre as quais fala-se muito para aprovar uma, sempre meio capenga, de dois em dois anos. E aí volta-se para o noticiariozinho político, de quem muda de partido ou domicílio eleitoral, quem será candidato a quê, quem disputa o cargo tal, implanta ou não implanta comissão, o governo isso, a oposição aquilo, como são as manobras para eleger o presidente, o relator. E alguém sempre há de ter fitas.
Estas são as coisas que dominam a política brasileira. No fim, a imprensa acaba se acostumando a fazer um trabalho que não é muito diferente daquele feito pelas ‘Caras’ e ‘Contigos’ da vida: fofoca. Porque esta é a palavra. Política no Brasil é a respeito de quem está no poder e quem está fora e o que estão fazendo para se manter lá ou chegar lá, um passando rasteiro pelo outro. Bacana, mas isso é fofoca de terno e gravata – e as atrizes da TV, ao menos, são bonitinhas de se ver.
Não quer dizer que o Poder Executivo seja muito melhor. Não é. Nos primeiros escalões, é a mesma coisa. Mas lá embaixo tem uma turma de funcionários públicos, em cargos comissionados ou concursados, que tem de fato que tocar o país. Só que eles não podem tomar certas decisões. Não foram eleitos para isto.
Executivo e Legislativo estão viciados, não sabem fazer o que têm de fazer, não pensam em que Brasil teremos em dez ou vinte ou cinqüenta anos. É uma eterna gerência do hoje – isto não é governar. Ainda assim, desde que Fernando Collor foi eleito, todo grupo alçado à presidência da República pelas urnas teve, sem esconder, um projeto de passar mais de década no poder. É sintomático a respeito de qual o seu objetivo. Claro que não pode dar certo.’
José Paulo Lanyi
‘Que manchete você quer?’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 12/06/2005
‘Na terça-feira (07/06), a Folha reagiu à afirmação do procurador-geral da República, Claudio Fonteles, de que, acerca das denúncias contra o Governo, a imprensa ‘faz um manchetismo danado’. Reagiu porque publicou, reagiu ao escolher o antetítulo: ‘Procurador-geral da República, que tem o poder de pedir ao STF investigação contra Lula, minimiza suspeitas de corrupção’. Esse aposto, ‘que tem o poder de pedir ao STF…’, é um esclarecimento crítico, não apenas um complemento informativo. Abriga um alerta e uma constatação: o responsável pelo desencadear de um processo contra o presidente da República volta as suas costas para as denúncias.
Essa não foi a primeira manifestação do procurador-geral sobre os supostos excessos dos jornalistas. Em 30 de junho de 2004, Fonteles fez a seguinte declaração, reproduzida pelo TRF Hoje, site do Tribunal Regional Federal da 5a Região, sediado em Recife: ‘O jornal brasileiro ainda está muito comprometido com a manchete pela manchete. Eu não acho uma boa coisa notícia pela notícia’. Ele disse mais na mesma ocasião, o V Encontro Nacional de Assessores de Comunicação do Judiciário e Ministério Público: ‘A imprensa pode fazer tanto pelo país e ela deve, mas é necessário acabar com o manchetismo. A notícia pela notícia’.
A escolha da manchete é uma das ações mais apaixonantes do jornalismo. Carrega elementos objetivos, sem dúvida. Como questionar, por exemplo, a propriedade de um título como este? – ‘Morre o Papa João Paulo II’.
Há, contudo, uma ênfase de subjetividade que derruba, atropela e pisoteia o espantalho da imparcialidade. Aqui se interpõem as motivações sócio-antropológicas, políticas, culturais e filosóficas (nas denúncias políticas, a ética é uma palavra-chave tão citada quanto banalizada).
Não é de hoje que se diz que a simples escolha de uma pauta, de uma notícia, de um lead, da página, da disposição na página, das imagens, da legenda, do conjunto de títulos de uma matéria, tudo isso contrariaria o conceito de objetividade e de imparcialidade.
Assino embaixo. Em sua ‘leiguice’ amparada pela experiência, o procurador Fonteles também endossa essa construção. Ele sabe que, a par de motivações como a notícia sensacional – aquela que, em tese, glorifica e vende exemplares -, a escolha de uma manchete pode ser tudo, menos objetiva e imparcial.
Do lado de cá, não só posso como devo defender a subjetividade. É a mesma que dá eco a alicerces democráticos, como a isonomia e a probidade na administração pública.
O manchetismo, termo pejorativo para designar a videz irresponsável, é também um sintoma do funcionamento precário das instituições. Nunca haverá respeito por uma sociedade frágil, inerme. Os mecanismos de proteção, como a Justiça e o Parlamento, têm sido maculados pela tibieza, pela inoperância e pela ineficácia – o primeiro, vítima, sobretudo, de uma formulação administrativa incorreta; o segundo, maculado pela imagem recorrente da corrupção, pela inconsistência de seu corpo e pelo vácuo de convicção ideológica.
A subjetividade distorcida do conjunto das instituições é o manto que acolhe a irracionalidade a que se refere o procurador. Mas isso não deve servir de desculpa para a omissão dos incomodados. Podados os exageros, as manchetes estão aí para ajudar. Pepinos e abacaxis no liqüidificador e teremos, por fim, o extrato da objetividade, aquele que inocenta os justos e condena os que devem.
Até lá, bom jornalismo neles!’
Eleno Mendonça
‘É bom apertar os cintos’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 12/06/2005
‘Até hoje, nunca vi uma crise política que não resvale na economia. Por mais ligeira que seja, por maior cuidado que tome o poder central em tentar isolar as coisas, a economia acaba sofrendo. Apesar disso, a maioria dos analistas do mercado dizia até hoje que isso não ocorreria, que a economia tinha vida própria e não se deixaria abater por mais esse caso, que não passava de mais um case de roubalheira pública. Por não pensar assim escrevi aqui mesmo sobre esse inevitável risco de contaminação. Bem, mas, com as denúncias da mesada do PT aos políticos para obter apoio no Congresso, todo mundo mudou de opinião. Era a evidência da notícia, diante da queda da bolsa, oscilação do dólar e desculpas esfarrapadas do Planalto e do PT.
Outra coisa que ninguém admite: estamos sim numa crise. Até porque, crise é crise e não importa se seja pequena ou grande a ponto de desestabilizar o governo. Esta não parece ser pequena. Desde a CPI dos Correios, instalou-se um clima ruim para o governo, na medida em que todos sabem como começa uma CPI, mas não sabem dizer como termina. A CPI dos Correios, agora turbinada por mais essa denúncia de propina política, pode enveredar sabe-se lá por quais caminhos. Pior que isso: a nova denúncia pode aos poucos avançar para uma nova CPI e até comprometer o presidente, que segundo o denunciante sabia do caso e não mandou investigar. A oposição, não tenham dúvidas, vai se apegar a cada detalhe desses.
Outro segmento que está adorando tudo isso é o financeiro, mais propriamente algumas figuras do mercado financeiro. Existe nesse mercado uma pequena, mas poderosa, camada de investidores que se lambuzam diante de notícias como estas. É a hora de especular e ganhar dinheiro, ainda que isso seja contra o País, o presidente, os cidadãos. Daí para atingir intenção de investimento, risco País é um pulo. Por isso, é bom pôr as barbas de molho e apertar um pouco mais os cintos.
Esse cenário político, lamentavelmente, piora num momento complicado para a economia. Sem saber como desembarcar da política monetária dos juros altos, melhor dizendo altíssimos, o governo agora se vê em meio a essa tremenda enrascadas. Agora, tudo o que fizer no campo econômico será interpretado como intenção de ofuscar a crise política.
Como agravante, fica na minha cabeça uma enorme dúvida. Esse Delúbio, tesoureiro do PT que teria dado as mesadas, não estaria cumprindo seu papel. Afinal, se deu dinheiro para ter apoio no Congresso, como se justificam as várias derrotas do Planalto? Outra coisa: se é invenção de Roberto Jefferson para sair do foco da CPI dos Correios, por que então não o denunciaram quando ele levou a caso ao presidente? E o presidente, por que não agiu?
A conseqüência de tudo isso, denuncismo, crise política, juro alto, desemprego etc. está nas intenções de voto. Os eleitores já indicam que Lula não leva a eleição (caso ela fosse hoje) no primeiro turno contra candidatos como FHC, Alckmin e Serra. Isso é o sinal evidente de que as coisas, de fato, não andam nada bem. E observem que a pesquisa foi feita antes dessa denúncia.’