‘O presidente Lula resistiu à tentação e, desta vez, não se serviu das habituais comparações futebolísticas. Inspiração e motivos não faltam – desde a última quarta-feira vibram os brasileiros com a vitória na Copa das Confederações e o duplo triunfo na Taça Libertadores.
Mas o momento é grave demais para que o presidente entregue-se às hipérboles, a não ser que admita a goleada de Jefferson, o Fenômeno, reconheça o malogro da tática da retranca ou se confessasse admirador da catimba.
O governo esta levando um banho e quem está pagando é a galera. Enquanto a imprensa deixa-se fascinar com os olés de Roberto Jefferson, o país assiste preocupado à debacle da Comissão Técnica onde todos se esgoelam e ninguém se entende.
O banco de reservas parece esvaziar-se perigosamente mas, neste caso, a figura de retórica mais apropriada seria relativa aos naufrágios – os ratos já ameaçam abandonar o navio. Caso do Vice, José Alencar, dupla nulidade que fala abertamente em deixar um dos cargos. Ainda bem que é a pasta da Defesa, se deixasse a vice-Presidência da República seu substituto constitucional seria o eminente Severino Cavalcanti cuja primeira providência seria transformar o gramado em picadeiro. Não é trágico: os partidos de ambos são campeões da Copa do Mensalão.
Patética é a zorra no estádio. A insurreição no Rio de Janeiro com policiais armados invadindo a Assembléia Legislativa deixou de ser caso de polícia, é caso de intervenção federal, motim armado, preliminar do caos. Mas o governo está flertando há quase um ano com o PMDB, partido do casal Garotinho, por isto fica batendo bola, distraído. Se o ministro-formiguinha Márcio Thomas Bastos, êmulo do ponta-esquerda Zagallo, não estivesse servindo de bombeiro há dois meses ininterruptos, a indisciplina não chegaria a este ponto. Nem o tratoraço dos mercenários rurais teria paralisado a Capital Federal.
O governo não pode continuar na monótona seresta da governabilidade enquanto campeia o desgoverno. Luiz Inácio Lula da Silva precisa ser lembrado que no próximo 14 de Julho vai desfilar no Champs Elysées ao lado do presidente Chirac na condição de presidente do Brasil e, não, de líder máximo do PT e da sua desmoralizada base aliada.
O mesmo competente assessor que sugeriu levar ao funeral de João Paulo 2º uma comitiva de ex-presidentes precisa ser novamente convocado para inventar algum recurso semelhante de modo a evitar que o país-líder do Novo Mundo se apresente ao Velho Mundo como outra República de Bananas, fragmentada e diminuída.
Está na hora de recomeçar a partida, Meritíssimo Juiz Supremo. Esqueça o placar, faça soar o apito, pare de consultar o relógio-calendário, por alguns momentos entregue-se à fantasia de que a partida foi prorrogada e as eleições, adiadas.
Foi por fixar-se nelas tão obsessivamente há três anos consecutivos que o time de Vossa Excelência engoliu tantos e tão vergonhosos frangos. Reconheça que estamos todos encalacrados na mesma crise, obrigados a jogar esta humilhante pelada. O seu onze atrapalhou-se graças à lorota de que com 36 seria mais fácil ganhar. Contundiram-se no vestiário, antes mesmo de entrar em campo.
Deixe o time jogar, Senhor Juiz, reconheça a nossa vocação para o futebol-arte e não se deixe enganar pelos ‘companheiros de armas’ que queriam ganhar no tapetão. Mostre o cartão vermelho para os que pretendiam melar o jogo, não merecem vestir a sua camisa.
Como diz o filósofo da arquibancada, o importante não é ganhar, é competir. Bola pra frente. Mas não a perca de vista — um deputado do baixo-clero pode levá-la para a casa.’
Carlos José Marques
‘Jornalismo que incomoda’, copyright IstoÉ Dinheiro, 6/07/05
‘Nas últimas semanas tentou-se desacreditar o testemunho da ex-secretária Fernanda Karina Somaggio, das formas mais variadas possíveis. Na terça-feira passada, por meio do Jornal Nacional da Rede Globo, o País ficou sabendo que, segundo seu relato, ela chegou a ser ameaçada de morte caso confirmasse as denúncias publicadas na última edição da Revista DINHEIRO.
Ao publicar a entrevista, a Revista DINHEIRO teve como objetivo auxiliar no esclarecimento dos fatos e na apuração das denúncias em curso. A Revista tem a firme convicção de que agindo assim – dentro do mais puro e genuíno jornalismo informativo – contribuiu para a tão almejada limpeza ética e fortalecimento das instituições democráticas, que considera solidamente fincadas em nosso País.
Ato contínuo à entrevista na DINHEIRO, surgiram ilações estapafúrdias sobre os motivos da publicação. Uma versão rocambolesca, sugerindo elos inexistentes – numa ‘conspiração das elites’-, chegou a ser veiculada, dentro da velha e previsível tática de desqualificar o teor da reportagem. A Revista DINHEIRO repudia veementemente tais expedientes. Não há mistério na motivação da reportagem. Como faz regulamente, suas decisões editoriais são pautadas dentro do princípio de bem informar seus leitores: com responsabilidade, equilíbrio e contra todos os interesses escusos. Não houve combinações, alianças espúrias ou qualquer outro tipo de engenharia mirabolante. A Revista DINHEIRO procurou sistematicamente o publicitário Marcos Valério para lhe conceder o mesmo espaço e destaque dados a ex-secretária, para que ele colocasse a sua versão dos fatos, fazendo uso do mesmo veículo que abriu as páginas a Karina Somaggio. Não obteve resposta, apesar dos insistentes contatos.
À Revista DINHEIRO não cabe apontar se são verdadeiras ou falsas as acusações da ex-secretária. Só uma investigação séria e profunda das autoridades competentes, na CPI e na Justiça, fornecerá os elementos necessários a tal conclusão. Mas a Revista não poderia se furtar de colocar a público a versão dessa personagem que diz ter presenciado situações que confirmariam o suposto esquema denunciado pelo deputado Jefferson, em debate por todo o País. Tentar tolher o direito de acesso a essa informação configuraria um atentado à liberdade de comunicação e expressão.
Cabe aqui reavivar alguns fatos para a completa compreensão das circunstâncias em que se desenvolveu a reportagem com a ex-secretária: 1) Karina Somaggio procurou espontaneamente a Revista para fazer suas denúncias e teve o seu depoimento gravado em duas ocasiões. Num primeiro momento, em 2 de setembro de 2004, a avaliação editorial foi de que era necessário buscar novos elementos para, com segurança, publicar a história. A entrevista do deputado Roberto Jefferson à Folha de S. Paulo, no domingo 12 de junho de 2005, apontando o publicitário Marcos Valério como peça-chave do esquema, precipitou um novo quadro. As acusações da ex-secretária em muito batiam com as do deputado Jefferson (nomes de bancos, agentes e formato das operações). Devidamente contextualizada a acusação de Karina Somaggio, a Revista tomou a decisão de voltar a ouvi-la, na segunda-feira 13 de junho de 2005, ocasião em que ela reiterou sua versão. 2) Uma alegação recorrente, lançada pelos críticos da reportagem, aponta que a demora de nove meses entre o primeiro depoimento e a efetiva publicação tira valor do seu conteúdo. Curiosa interpretação, visto que o fato de a primeira entrevista ter sido dada antes mesmo do esquema ‘mensalão’ vir a público, sinaliza, a princípio, que a ex-secretária não estava movida por nenhum senso de oportunismo com a onda de acusações contra seu ex-chefe. 3) Muitos dos personagens e agentes citados pela ex-secretária vieram a público, por meio de vários veículos, para confirmar em parte ou no todo, circunstâncias e fatos relacionados na entrevista – a maioria dos citados, vale a ressalva, com explicações bem plausíveis para o ocorrido. 4) Em novo depoimento ao Jornal Nacional, da Rede Globo, a ex-secretária reconfirmou todas as acusações lançadas através da Revista DINHEIRO e disse que sua entrevista a nossa reportagem ‘não foi distorcida’. 4) Para as negativas registradas no testemunho à polícia, a ex-secretária apontou como explicação a onda de pressões que alega ter sofrido nos últimos dias.
Ao leitor da DINHEIRO cabe dizer que o impacto da reportagem com a ex-secretária pode de fato ter incomodado a muitos – e é bom que seja assim. A Revista acredita que só com a indignação diante de denúncias graves como essa o País poderá gerar uma sociedade mais justa, mais madura e mais evoluída. De sua parte, a revista DINHEIRO reafirma que não vai recuar nenhum milímetro no seu papel de informá-lo com exatidão e profissionalismo – doa a quem doer -, sem proselitismos ou fábulas mágicas. Os arautos de invencionices bem sabem disso e talvez daí tanta artilharia para embaralhar a cena das apurações.
O CASO SCHIN
Uma operação policial na empresa Schincariol, que levou a prisão de seus principais executivos e sócios, trouxe à baila uma gravação em que se ouve o publicitário Luiz Lara prometendo facilidades em vários veículos de comunicação, entre os quais a Revista DINHEIRO. A polícia vinha grampeando a empresa e dentre as 80 fitas e quase 700 páginas de gravação há um trecho no qual Lara, em seu diálogo com o sócio da cervejaria, Adriano Schincariol, chega a prometer uma capa na Revista. é fácil perceber pelo diálogo que o profissional Lara tenta crescer para cima do cliente, contando vantagens e buscando mostrar um poder que ele não tem. O diretor e editor responsável da Três, que publica DINHEIRO, Domingo Alzugaray, divulgou nota em que aponta: ‘Salientamos enfaticamente que as capas e o texto editorial de nossas publicações não estão à venda’. O publicitário Lara disse que agiu de forma indevida e que nunca comprou reportagens da Revista. ‘Cometi um excesso, uma agência de publicidade não tem a função nem o poder de interferir no conteúdo editorial dos veículos’. Meses depois do diálogo gravado pela polícia, a Revista DINHEIRO publicou sim uma capa com a Schincariol, baseada em um estudo da consultoria Trevisan e dentro do contexto de um fenômeno de mercado que ela vinha experimentando com o seu produto ‘Nova Schin’. A reportagem na DINHEIRO saiu quase ao mesmo tempo em que a Schin tinha o mesmo espaço jornalístico (várias capas de revistas e matérias de destaque) em outros veículos. Na ocasião, a Schincariol chegou a ser premiada na imprensa econômica pelo valor de seus dirigentes e na condição de uma das melhores empresas do setor.
A decisão de colocar a Schin na capa da DINHEIRO foi de ordem estritamente editorial, nascida em reunião de pauta dos jornalistas e escolhida pelo corpo editorial da Revista pelo seu desempenho, que achamos por bem noticiar aos nossos leitores – como fazemos em quase todos os casos notórios de sucesso empresarial, mostrando os caminhos que essa ou aquela companhia trilhou para alcançar os resultados. Isso não nos furtou de ter dado antes, com exclusividade, outra história menos abonadora da mesma Schin, flagrada em situação que configuraria sinais de sonegação, numa fita com áudio e vídeo divulgada pela Revista ainda em dezembro de 2003 (leia matéria à pág. 64). O flagrante ali já dava rastros para a investigação policial que se seguiu e mereceu da Revista também uma matéria de destaque com chamada na capa e oito páginas.
A Revista DINHEIRO habitualmente tem retratado em suas páginas casos empresariais e da agenda econômica e financeira do País, que julga de interesse do seu público. A resposta de crescimento da nossa base de leitores e assinantes faz supor que estamos no caminho certo. Cerca de 80% das capas da Revista são de negócios, de empresas e de seus atores – empreendedores e fatos a eles ligados. Mais da metade dessas capas de negócios são casos de sucesso empresarial, como o fenômeno da Nova Schin. Agora que a Schincariol está sob os holofotes de uma investigação policial, a Revista volta, nesta edição, a falar da empresa, tentando mostrar os desdobramentos do caso.
Como postura editorial, somos francamente favoráveis ao empreendedorismo. Temos na concepção editorial da Revista a defesa intransigente dos valores que marcam esse empreendedorismo e os seus agentes, dentro dos termos da lei. Ao mesmo tempo, acompanhamos e damos voz ativa a todos os empreendedores e a suas empresas que, de uma maneira ou de outra, justa ou injustamente, venham a enfrentar dificuldades em seus negócios e suspeitas sobre sua atuação. Foi assim no caso da Vasp, quando tivemos, em meio à crise da companhia, a primeira entrevista exclusiva de seu presidente Wagner Canhedo, falando do drama vivido para encontrar saídas. Foi assim com Olacyr de Moraes, o ex-Rei da Soja que perdeu quase tudo (‘Perdi US$ 1 bilhão, é o fim’, declarou na ocasião), atribuindo a culpa dos prejuízos a condições desfavoráveis do mercado. Tem sido assim em dezenas de outros casos que o leitor habitual da DINHEIRO pode facilmente comprovar.
A Revista DINHEIRO imagina estar desta maneira contribuindo para o desenvolvimento da livre iniciativa e cumprindo nesse cenário o seu papel de dar voz ativa ao empreendedorismo brasileiro, em toda a sua diversidade criativa, no seu sucesso e nas suas questões mais difíceis, ajudando naquilo que os empreendedores fazem de melhor: a contribuição firme, sem trégua, para o crescimento do País e para uma situação melhor de todos os brasileiros.’
Antonio Brasil
‘A cobertura do ‘mar de lama’ pela TV’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 4/07/05
‘Em meio a maior crise política dos últimos anos, um verdadeiro ‘mar de lama’, a cobertura da TV brasileira tenta se manter na ‘superfície’. A cobertura é, no mínimo, discreta, quase tímida. Faz sentido. A TV brasileira depende muito do governo. De qualquer governo. Com tanto a perder, avalia com cautela o momento político e ‘pisa em ovos’. Tem dívidas milionárias e depende das benesses da boa vontade do governo federal. O mesmo governo que por sua vez controla a ‘galinha dos ovos de ouro’ das nossas TVs: as verbas publicitárias das empresas estatais. A TV brasileira participa desse fantástico show de denúncias pensando nos números. Não nos números dos índices de audiência. Esses estão sempre garantidos. Mas pensa, sim, nos números das verbas milionárias controladas pelo governo.
Cobertura a reboque
A cobertura da crise na TV está sempre a reboque dos veículos impressos como a Folha de S. Paulo ou revistas semanais como a VEJA ou IstoÉ. A imprensa escrita tem custos e dívidas menores e não está ‘dominada’. Pode se dar ao luxo de enfrentar o governo. Precisa da crise para sair da própria crise. Competir com a TV tem lhe custado muito dinheiro e ainda mais prestígio e credibilidade. Jornalismo investigativo no Brasil tem sempre um objetivo político definido.
A TV brasileira quer manter o modelo de poder. Sua cautela em termos financeiros é facilmente explicável. Sabe muito bem que no Brasil o governo decide tudo e no próximo ano teremos Copa do Mundo e eleições presidenciais. Nesses eventos ‘políticos’ muito dinheiro vai rolar. Não se pode arriscar o faturamento de uma emissora em crise financeira com um jornalismo investigativo de verdade. Não se deve incomodar quem ainda decide tudo com razões que a própria razão desconhece.
Verbas publicitárias no Brasil, principalmente nas estatais, obedecem a critérios indefinidos, quase ‘misteriosos’. Mas ninguém parece se importar muito com isso. Em tempos de CPIs das mais diversas, talvez é chegada a hora de pensar além dos ‘mensalões’ e dos Correios. Deveríamos investigar o relacionamento das nossas TVs com as verbas publicitárias de ‘estatais’ e com as campanhas políticas milionárias.
O poder político da TV
O nosso modelo de TV com um único canal hegemônico se assemelha muito com o nosso modelo de democracia representativa brasileira. O governo pode tudo. E tudo é feito para nada mudar. O modelo garante uma estrutura injusta de poder político, econômico e social. E, principalmente, garante os privilégios das minorias. Não é à toa que só perdemos para Serra Leoa no campeonato mundial de desigualdade econômica. Pena que esse campeonato não seja organizado pela Fifa ou transmitido pela TV.
Um país onde os 10 programas líderes de audiência são de uma mesma emissora. As demais redes de TV ficam com as ‘sobras’ da audiência e das verbas publicitárias. O modelo de TV brasileiro garante um ‘círculo vicioso.’ É muito parecido com o modelo do nosso sistema político. Os nossos políticos assim como os empresários de TV sabem muito bem que o sistema privilegia sempre a ‘situação’. No fundo, ninguém quer mudar nada. Em caso de dúvidas, o jogo da corrupção garante o modelo.
Ou seja, apesar dos anseios da nação e das eleições, tudo no Brasil continua igual. Assim como na política nada muda. A corrupção é muito resistente! Garante a política que garante por sua vez a TV. Pela governabilidade e pela manutenção do modelo comunicacional tudo se justifica. O modelo vigente de TV hegemônica com padrão ‘duvidoso’ de qualidade garante o quase monopólio das verbas e da audiência. A TV e a política brasileiras se assemelham e se completam.
Critérios misteriosos
Nesta crise, ficou mais do que evidente pelas investigações nos Correios, na Secretaria de Comunicações e nas agências publicitárias administradas pelo PT, que o critério da divisão de verbas publicitárias é essencialmente ‘político’. O critério técnico de índices de audiência ou de circulação verificada para publicações impressas são critérios políticos. Costumam ser boas justificativas para a manutenção de privilégios ou beneficiam acordos particulares. Nada é claro ou transparente. A imprensa e o público, na verdade, têm pouco acesso a essas negociações milionárias entre TVs e estatais, por exemplo. Os dados e critérios costumam beneficiar a estrutura vigente de poder. Um dia você acorda e descobre que a Petrobras, os Correios, a CEF ou qualquer outra estatal resolveu patrocinar a cobertura televisiva das olimpíadas, da Fórmula-1, do campeonato brasileiro ou da Copa do Mundo no mesmo canal de sempre. O resto fica com os restos.
Câmeras ocultas sob controle
Em essência, as verbas publicitárias ficam sempre para os mesmos amigos, aliados e ‘corrompíveis’ da vez. Mudam os partidos e fica o modelo. Mudam os programas de TV, mas o modelo econômico de hegemonia de um único canal de TV ou um único partido político é sempre preservado.
Afinal, TV no Brasil virou partido político. Por aqui, os fins sempre justificam os meios. Na TV como na política, luta-se pela manutenção de privilégios históricos. As justificativas são as mesmas. Tanto os nossos representantes como as nossas TVs precisam do dinheiro do estado para sobreviver. E para sobreviver e enriquecer, eles fazem qualquer coisa. Vendem a alma, os votos, assim como as TVs vendem os horários políticos ‘gratuitos’ ou as investigações jornalísticas.
No momento, as poderosas câmeras ocultas das nossas TVs estão no armário. Aguardam as decisões e alinhamentos políticos dos donos dessas emissoras. Sem qualquer controle externo, a qualquer momento, podem fazer estragos ainda maiores. Podem se tornar armas poderosas contra os inimigos do atual modelo de poder das nossas TVs.
Democracia direta na Internet
Mas depois de um mar de lama, com tantas denúncias contra quase todos os políticos brasileiros, será que a democracia representativa ainda tem solução?
Esta semana, o polêmico deputado Fernando Gabeira aponta o caminho. Em artigo publicado em O Globo, ‘Democracia com cartas marcadas’, ele defende um ‘rejuvenescimento’ da democracia representativa:
‘Nossa crise, pela primeira vez, projetou em cena o peso da Internet. As notícias circulam mais, reproduzem-se, enfim cresceu a capacidade de acompanhar os fatos.
… Esse formidável e novo aparato técnico que existe no Brasil permite a tomada de decisões rápida e maciça. As próprias eleições representativas revelam o avanço técnico. Nenhuma reforma política salvará a democracia representativa se o não for levado em conta esse dado novo: a possibilidade de democracia direta.
…Ninguém propõe que uma substitua a outra. Mas a chance de rejuvenescimento está ancorada na possibilidade de uma nova combinação entre o trabalho do parlamento e as decisões populares, através de referendos e plebiscitos’. Denunciar é bom. Mas sonhar ou apontar soluções – quaisquer soluções – também é preciso!
‘Cartas marcadas’ na TV
Procurem refletir de uma forma menos fatalista e preconceituosa contra as tecnologias de ‘inteligência coletiva’. Um dia, democracia nesse país, mesmo que seja a brasileira, também foi considerada um sonho impossível. Há muitos anos, outro pensador polêmico, o francês Pierre Levi, tem defendido a cibercultura e levantado a bandeira de uma democracia direta pela Internet. Em livros como ‘A Inteligência Coletiva’, ele defende a reposição de uma democracia representativa decadente, uma democracia de ‘cartas marcadas’ da TV. Não custa nada sonhar. O modelo atual concede poderes exagerados para alguns poucos políticos e para um único veículo de comunicação.
O ‘mar de lama’ na política brasileira tem tudo a ver com outro ‘mar de lama’ com ‘cartas marcadas’ em nossas próprias TVs.’
Eleno Mendonça
‘A crise e a economia que a gente não vê’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 4/07/05
‘Abre-se o jornal e está lá: bolsa cai, dólar sobe, ou o contrário. Por apenas esses indicadores, instantâneos, os analistas mais afoitos avaliam se a crise política está ou não contaminando a economia. Eu diria que esses são apenas os primeiros sinais e, o que é pior, sujeitos à ação de especuladores. A verdadeira economia não se vê. Apenas daqui a pouco, decorridos mais de mês da pior crise do governo Lula, se terá uma noção exata dos efeitos e, não tenham dúvidas, o cenário irá piorar.
Mas a imprensa prefere os dados à vista. Deveriam, por exemplo, ir perguntar como andam as compras de matérias-primas, de embalagens, o consumo de energia e outros insumos. Esses indicadores poderiam dar um ‘cheiro’ real de como anda o humor do empresário em manter investimentos, o ânimo do brasileiro em continuar consumindo. A queda da inflação, mais que o efeito da elevada taxa de juro, dá um bom sinal de que as pessoas estão deixando de comprar. Não é apenas para aproveitar a taxa, mas por medo. Muitos, e isso não aparece na ata do BC, estão tirando o pé, receosos com o que vem pela frente.
Mas não tem mesmo saída, a não ser passar tudo isso a limpo. Se no começo dessa investigação nomes tão ilustres e inesperados já aparecem, o que acontecerá decorridos dois ou três meses? A CPI terá um freio? Tomara que não. Mas me preocupa muito o fato de rever o cenário da era Collor, do ponto de vista jornalístico, quando acontecia exatamente como agora: todo mundo ficava ‘aberto’ no fim de semana à espera da bomba, da Veja, como se apenas a Veja tivesse capacidade de investigação. Existe no jornalismo e na vida uma máxima de que quem sai na frente ganha a corrida. Ao segundo colocado resta apenas ficar ‘botando azeitona na empadinha do outro’. A Veja e a Folha largaram na frente e está difícil, pelas relações e contatos que estabeleceram, deixar a concorrência se aproximar, embora haja empenho. No momento, o máximo que se tem feito é se confirmar linhas de reportagem e de investigação desses veículos, que, literalmente e infelizmente para a concorrência, estão pautando a imprensa.
A nova denúncia é avassaladora. Se muitos achavam que até agora não havia efeito econômico, certamente estão revendo esse conceito. Enquanto isso, enquanto o circo pega fogo, Lula torce na granja para que não haja respingos e envolvimento de outras pessoas próximas a ele ou da área econômica. O presidente, contudo, sabe-se lá mal aconselhado por quem, exerce essa torcida em meio a uma jocosa, inconveniente, desnecessária e fora de época festa junina. Convenhamos, é preciso muita devoção ao santo para num momento como esse ter cabeça para comer pipoca e estourar rojões.’
***
‘Exageros e a volta do desânimo’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 27/06/05
‘Se a intenção do governo é de fato dar uma segurada na economia, está conseguindo. Tanto arrocho na política monetária, a famosa taxa básica de juro, só pode mesmo dar nisso, um PIB negativo ou muito perto de zero e em deflação. Será que agora que os índices inflacionários passaram a operar abaixo de zero, o Banco Central estará convencido de que a dose é um exagero?
A se considerar exclusivamente a ata do Copom, a intenção será a de manter o aperto. A imprensa precisa procurar mostrar o que isso está fazendo com o chamado Brasil real. Eu falo com muita gente e já vejo que todo o ganho de otimismo, toda a expectativa de novos postos de trabalho, de retomada da economia, de novos investimentos, estão caindo por terra. Esse clima de paralisia todos já sentimos e sabemos os efeitos.
No final do ano passado, quando a economia cresceu em torno de 5%, havia uma animação geral. Entrou-se 2005 com esse ambiente. Infelizmente o primeiro trimestre foi desastroso. Tirando quem exportou, não houve setor que apresentasse um índice no mínimo satisfatório. Era o efeito das confusões que se iniciavam no campo político e da taxa de juro, que começava a se tornar uma enorme pedra no caminho de quem investe na produção, contrata mão-de-obra etc.
No segundo trimestre tudo ia bem. Há na economia algo que funciona a despeito das decisões do governo federal. Foi mais ou menos isso que se verificava nesse início do segundo período. É quando os agentes econômicos esperam por medidas, elas não surgem e aí eles se lançam a investir, mesmo porque a despeito de condições contrárias não podem parar e perder mercado. O cenário, portanto, não era dos melhores, mas permitia certo arrojo.
Acontece que veio essa avalanche de denúncias. Pronto, tudo está de novo na estaca dos limites. Muitos vão ignorar isso tudo em nome da seqüência dos negócios, até porque os políticos passam e as empresas, os negócios, devem continuar. Mas o fato é que a grande maioria não consegue simplesmente pensar assim. Aí é que se assiste a um ambiente de paralisia, de interrupção de negócios, de contratações, a uma reversão de expectativas.
Infelizmente a imprensa não tem refletido isso. Chegamos à deflação e isso sim está ligado à demanda. A despeito de todos negarem que a economia não vai sofrer por conta desse cenário, eu só conheço deflação e só a admito com queda de demanda. Ou seja, as pessoas estão parando de comprar, de consumir. Isso é grave.
O governo certamente está muito preocupado com essa contaminação, mas apenas dizer que a economia não arredará pé de sua trajetória, de que não haverá efeito da crise política é insuficiente. Será preciso mais que isso para assegurar que a CPI siga seu caminho, enlameando nomes, empresas e arrastando muitos por onde passa. Será preciso montar um cordão de isolamento e procurar deixar a economia fora de tudo isso. É fácil? Lógico que não, mas com essa inflexibilidade do Banco Central será bem mais difícil.’