‘‘Sou um reacionário de esquerda’ classificava-se o escritor cubano Guillermo Cabrera Infante que morreu nesta semana no exílio londrino. Irônico, sofrido, erudito, gostava de ridicularizar os chavões, sobretudo no campo ideológico, cada vez mais vulnerável às embromações e simplismos.
Trazendo o paradoxo para o delirante quadro político brasileiro, vale perguntar: quem é reacionário, quem é progressista, quem tem condições de garantir que é de esquerda? Todos se apresentam como democratas desde criancinhas, mesmo os mais empedernidos caudilhos e coronéis.
Com a Senhora Dona República transformada em Geni e apedrejada diariamente pela retórica dos palanques e palácios fica difícil saber quem é efetivamente republicano. A maioria parece acreditar que republicano é apenas aquele que não é monarquista. Um governo ‘aparelhado’ por um único partido trai e agride todos os princípios que regem a gestão da res publica, a coisa pública.
O país parece tomado por um surto de agnosia – ignorância elementar – mas de uma cepa diferente da agnosia socrática baseada no princípio ‘só sei que nada sei’. A nova variedade parece funcional, semelhante à agnosia neurológica em que o paciente perde a capacidade de perceber símbolos e noções básicas, inclusive no tocante à identificação da mão direita ou esquerda.
As altas doses de disparates que do governo e áreas afins jorram diariamente sugerem uma agnosia vocabular em que as palavras são despejadas sem parar, incapazes de formar nexos e articular-se em idéias. Diante da incapacidade de responder aos desafios diários, inclusive os mais comezinhos (como aconteceu com o lapso na importação do coquetel de medicamentos para os soropositivos), o governo prefere abancar-se desde já no palanque eleitoral para disfarçar a trágica goleada que sofreu na semana passada.
O clima de violência instalado no país transcende às tradicionais áreas de risco e exige um tipo de comportamento menos desnorteado. A parolagem aqui só agrava e dramatiza uma situação por si explosiva. A captura dos bandidos que mataram a missionária Dorothy Stang e a identificação de alguns mandantes não encerra um caso que configura uma sublevação branca. Imperioso reconhecer que a região de Anapu, no Pará, é um vastíssimo território sem lei, desgarrado da Federação, abrigo de um conglomerado de sindicatos do crime, inclusive do narcotráfico.
Se na semana passada, anunciou-se como prioridade a reforma política para evitar vexames iguais aos que resultaram na eleição de Severino Cavalcanti, nesta semana a prioridade é a inoperância do Judiciário em cuja sombra vicejam a impunidade e a violência. Na próxima segunda-feira volta-se a discutir a reforma ministerial e assim driblam-se as emergências.
Ninguém exige que o presidente Lula solte o verbo a respeito do desavergonhado corporativismo instalado na Câmara dos Deputados, nem que manifeste a sua santa indignação diante da compra dos 37 carrões de luxo para servir ao egrégio STJ.
Não cabe ao Chefe do Executivo emitir opiniões a respeito da escolha de um senador acusado de crime financeiro para presidir a Comissão de Assuntos Econômicos (Luis Otávio) nem a respeito da escolha de outro – ACM, aquele que violou o painel de votação do Senado – para presidir sua Comissão de Constituição e Justiça.
O equilíbrio entre os poderes é um dos pilares da República, há que respeitá-lo, mas a perplexa sociedade brasileira não pode ficar sem uma palavra de compreensão ou conforto diante da sucessão de malefícios que desaba sobre ela. O poder político não pode lavar as mãos e fingir que está tudo bem ou, pior, buscar bodes-expiatórios na oposição.
O governo do PT foi derrotado pelo PT e está sendo derrotado por seus aliados. Ignorar esta evidência equivale a assumir o diagnóstico de agnosia aguda, destas que impedem os pacientes de reconhecer funções mais elementares. O PT esqueceu que é partido, pensa como governo, age como porta-voz do governo e não está minimamente interessado em dizer as coisas que precisam ser ditas mas ao poder Executivo é vedado expressar.
Na verdade, o PT está cada vez mais parecido com a imagem que Cabrera Infante desenhou para si mesmo – reacionário de esquerda. Isto ainda é menos arriscado do que desconhecer qual a mão direita e entrar na contramão.’
Zuenir Ventura
‘Depois processam o ator’, copyright O Globo, 23/02/05
‘Tudo o que de ruim significou a eleição de Severino Cavalcanti já foi dito. Se não representa a pior coisa acontecida com o Congresso depois do regime militar, como se afirmou, foi pelo menos um episódio chocante, do ponto de vista político e moral. O governo ficou arrasado e a opinião pública indignada. De forma sorrateira, mas legítima, já que, por eleição, o atraso chegou ao antepenúltimo degrau do poder em companhia de alguns nocivos ismos: fisiologismo, corporativismo, cinismo.
Mas falta dizer o que houve de positivo. Em primeiro lugar, serviu para mostrar como a arrogância do governo era incompetente e burra, incapaz de perceber o que estava para acontecer a um palmo do nariz e das barbas de Lula. Aliás, em matéria de (im)previsão, nós da imprensa também não temos moral para falar. Dessas eleições, o que conseguimos antecipar?
O que houve de mais útil, porém, foi o espetáculo de desnudamento e revelação a que se assistiu. Entreaberta a cortina, escancarou-se na frente do palco o que se imaginava que ocorresse nos bastidores de forma velada. O festival de traição, suborno, achaque e extorsão chegou a explicitar um número novo: em vez de venda, aluguel de deputados, um método mais rentável porque permite a venda várias vezes. Como disse o próprio presidente eleito, ‘já recebi denúncia de pagamento de 20 mil, 30 mil para trocar de partido’. Por outro lado, falou-se também nos ‘200 mil argumentos políticos de Garotinho’, um dos maiores cabos eleitorais do vencedor.
Tem sido até engraçado ver o desabafo do baixo clero: o ressentimento pelas horas passadas nas ante-salas não era por causa da espera, mas da grana que acabava não saindo. Não era uma questão de ego, mas de bolso.
Não há dúvida de que Severino apresentou-se para dizer e realizar corajosa e abertamente o desejo secreto de muitos de seus colegas. Sem reserva, substituiu a hipocrisia pelo cinismo. Não esconde a cara. É a favor do atraso e contra todos os avanços, com exceção daquele que promete fazer nos cofres públicos através do aumento de salários e mordomias. Nesse capítulo, ele lança um repto. Acusa deputados que são contra os aumentos na mídia e depois vão lhe pedir ajuda escondido. ‘Quem não quiser que devolva o dinheiro.’
Como não só os fisiológicos votaram em Severino – houve os que o fizeram por revanchismo, como a turma de FHC – vai ser importante observar se haverá agora algum tipo de resistência, como a luta pela reforma política, ou se a Câmara no fundo não passa de um imenso baixo clero.
Depois Aguinaldo Silva bota tudo isso numa novela e seu ator é processado.’
Carlos Chaparro
‘Artes de engravatar a pobreza’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 22/02/05
‘O XIS DA QUESTÃO – Deliberadamente, ou sem querer, a pregação oficial do otimismo, na qual o presidente Lula tanto se empenha, exercita a lógica da lavagem cerebral: a de criar e impor ‘verdades’ que afastam as pessoas da sua própria realidade. Na mesma lógica, inventaram agora a popularização do acesso ao ‘dinheiro fácil’ dos empréstimos pessoais com desconto em folha. É uma genial forma de engravatar a pobreza, mantendo-a.
1. Intróito pessoal
O esqueleto, precário, exige tratos especiais e periódicos remendos. Para um desses remendos, três meses atrás, tive de entregar o joelho direito a um cirurgião que adora enfiar metais sofisticados em ossos frágeis, para devolver força e flexibilidade a articulações desgastadas. A cirurgia do joelho, em si, saiu tecnicamente perfeita. Seria coisa para no máximo um mês de convalescença. Mas ocorreu aquilo a que o sábio eufemismo médico chama de intercorrência – que vem a ser a qualidade do que é intercorrente, ensina Aurélio. Já agora, entenda-se por ‘intercorrente’ o algo inesperado que se mete pelo meio, e sobrevém, enquanto outra coisa dura.
Sem eufemismos: ao ser preparada para receber a haste da prótese, a tíbia abriu ao meio. Surgiu, assim, a tal intercorrência, graças à qual só agora, três meses depois, posso retomar diálogos com o computador, para os deveres e prazeres que me cabem no Comunique-se.
Na lembrança, angústias e ansiedades da prolongada imobilidade. E horas, alongadas horas de ais e uis, em sessões de torturante fisioterapia. Mas deixemos o stress para lá. Agora, há que voltar à vida de trabalho, estudo e criação.
Estou, portanto, em um momento da vida marcado por uma enorme carência de otimismo.
2. Profeta do otimismo
Na Filosofia, otimismo tem status de doutrina. É o nome dado à atitude da mente que considera tudo pelo lado melhor, supervalorizando o quanto há ou se dá. Tudo é bom. Até o mal seria um grau menor de bondade. Porém, para definir o otimismo de que careço, prefiro a clareza do senso comum, que o entende e explica como a tendência para ver tudo pelo lado bom, desconsiderando o que há ou pode haver de mau e prejudicial.
Com tal carência, talvez devesse ser grato ao presidente Lula, que nos dois primeiros meses do ano, com bravo empenho retórico, assumiu o papel de profeta do otimismo nacional. O presidente decidiu proclamar o otimismo como virtude nacional obrigatória. Sugeriu, até, que seria mau brasileiro quem não aderisse ao otimismo dos novos tempos.
Com perdão da má analogia, o empenho presidencial em favor do otimismo me fez lembrar o ufanismo patriótico do tempos de Médici – lembram-se, o tal do ‘Brasil, ame-o ou deixe-o!’?
Para minha desgraça, não consegui aderir ao otimismo anunciado como verdade profética, na pregação eufórica do presidente Lula. Ao contrário: desde a festiva mas vazia mensagem de Ano Novo aos brasileiros, quanto mais o ouço falar em otimismo, mais o discurso me parece manipulador, escamoteador da verdade social dramaticamente exposta em ruas e praças das grandes cidades, na miséria endêmica de vastas regiões rurais e nos noticiários de cada dia.
Em resumo: o discurso oficial do otimismo soa falso.
E soa falso, porque falta à argumentação a sustentação dos fatos. Cadê as obras do governo Lula, as transformações já produzidas? Ao fim de dois anos de governo, nos balanços até agora oferecidos à Nação, continuamos a ouvir promessas, pedidos de paciência e apelos à esperança.
Há estatísticas, é certo, as estatísticas do desempenho macroeconômico. Mas faltam fatos, o relato de coisas feitas, de ações concretas relacionadas com o dever de governar para o povo.
Deliberadamente, ou sem querer, a pregação oficial do otimismo exercita a lógica da lavagem cerebral: a de criar e impor ‘verdades’que afastam as pessoas da sua própria realidade.
3. Ápices de cinismo
Da retórica do otimismo não fazem parte, por exemplo, os humilhantes números da pobreza, a inoperância da maioria dos ministérios, a esburacada malha rodoviária nacional, a vergonhosa ruína do ensino fundamental e da saúde pública e o escandaloso abandono social dos pobres, tão amplamente exibido nas filas da exclusão, em postos de saúde e do INSS.
É certo que existe a festa de índices e números da chamada retomada do crescimento, coisas como a expansão do PIB em 5%, o superávit de 35 bilhões de dólares na balança comercial e os IPCs do controle inflacionário. Mas as vitoriosas estatísticas do lado neoliberal do cenário econômico servem, também, para esconder as perversas deformações sociais do modelo. Um modelo do qual faz parte a política oficial de juros altos, que enche as burras dos bancos privados e estatais, à custa da poupança de famílias e empresas.
Mesmo a festejada inversão de tendência da curva do desemprego (queda de mais ou menos um por cento) tem efeito social por enquanto desprezível, porque do contexto da informação faz parte a revelação de que, ao mesmo tempo, os salários encolheram. Da expansão do empobrecimento não se ocupa, porém, o otimismo presidencial.
E existem os disfarces. Agora, inventaram a popularização do acesso ao ‘dinheiro fácil’ dos empréstimos pessoais com desconto em folha. Na televisão, artistas famosos, bem remunerados, empenham-se em convencer os aposentados do INSS que esse é um ótimo negócio para eles. Mentem, enganam. É ótimo negócio, sim senhor, mas para os bancos, que emprestam a juros lucrativos, sem o mínimo risco. Detalhe, na enganação: pelo menos em alguns casos, ainda se exige da vítima o pagamento de um contrato de seguro, em benefício da seguradora do mesmo banco.
E assim segue, gloriosamente vitoriosa, sob bênçãos e disfarces oficiais, a política do endividamento dos pobres, para incrementar a fortuna dos ricos. Daqui a alguns meses, estatísticas menos divulgadas darão conta da significação social dessa genial forma de engravatar a pobreza.
Haja cinismo!
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P. S. – Estou ansioso para saber como o presidente Lula irá enquadrar, no cenário do otimismo oficial, a eleição de Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara.’
Diogo Mainardi
‘Coragem, presidente!’, copyright Veja, 2/03/05
‘Vá até o site do Palácio do Planalto. Clique na página de Lula, no cantinho esquerdo da tela. Leia tudo. Leia a biografia. Leia os pronunciamentos. Leia o ‘Café com o presidente’. Quando enjoar, entre na seção ‘Fale com o presidente’. Preencha o formulário com seus dados completos, e mande uma pergunta a Lula. Qualquer pergunta serve. Pergunte se ele consegue colocar o dedo na ponta do nariz e andar em linha reta. Pergunte se ele tem alguma suspeita sobre quem matou o prefeito Celso Daniel. Pergunte se ele já experimentou maconha. Pergunte qualquer bobagem. O importante é entupi-lo de mensagens.
Uma das características mais desalentadoras de Lula é o medo que ele tem da imprensa. Considerando o grau de domesticação do meio jornalístico, é um medo inexplicável. Lula não responde nada a ninguém. Algum tempo atrás, pedi-lhe sua lista de leituras preferidas. O secretário de imprensa, Fábio Kerche, mandou me dizer que o presidente estava atarefado demais, visitando Pernambuco, mas que tentaria responder em breve. Esperei uma semana. Esperei duas semanas. Como ninguém respondeu, reiterei o pedido. Educadamente, o secretário do secretário do secretário se comprometeu a consultar o chefe mais uma vez. A seguir, desapareceu. Continuo esperando.
Lula não gosta de livros. Todo mundo sabe disso. Ao pedir-lhe uma lista de leituras preferidas, minha intenção não era zombar de sua falta de cultura. O que eu queria é que o governo fornecesse alguma pista para explicar sua estratégia de longo prazo. Foi o que fez George Bush quando o New York Times o entrevistou sobre suas leituras. Assim como Lula, Bush não é particularmente letrado, mas aproveitou a entrevista para recomendar um livro de Natan Sharansky, que foi alçado à condição de plataforma ideológica para a política intervencionista americana. O New York Times, acertadamente, faz oposição a Bush. Chega a contar mentiras a seu respeito, como aconteceu na última campanha eleitoral. Na semana passada, o jornal publicou mais uma reportagem constrangedora sobre ele: velhas gravações em que o presidente parece admitir que já fumou maconha. É esse o ponto: Bush enfrenta a imprensa, mesmo a que lhe é mais hostil, enquanto Lula não dá satisfação a ninguém, nem para esclarecer assuntos menores, como sua lista de livros preferidos.
O caso do momento nos Estados Unidos é o do falso jornalista que assessores de Bush teriam plantado na sala de imprensa da Casa Branca. Sua função seria levantar a bola para o presidente nas entrevistas coletivas, dirigindo-lhe perguntas combinadas. Descobriu-se que o falso jornalista é um garoto de programa ligado ao Partido Republicano. Se forem confirmadas as suspeitas de que assessores de Bush estão metidos nessa história, a credibilidade do governo ficará comprometida. Lula, claro, não precisa de nada disso. Ele resolveu a relação com a imprensa de maneira muito mais direta: simplesmente nunca deu uma entrevista coletiva, com ou sem jornalistas infiltrados. Vou escrever agora mesmo ao secretário de imprensa Fábio Kerche, perguntando qual é a cor preferida de Lula. Vamos ver se ele responde.’
Catia Seabra
‘Com Eunício, Ceará expande comunicações’, copyright Folha de S. Paulo, 1/03/05
‘Domicílio eleitoral do ministro Eunício Oliveira (PMDB), o Estado do Ceará está expandindo seus serviços de comunicação: 69% das consultas públicas abertas este ano para execução de serviços de retransmissão de TV (RTV) são para lá. Das 52 portarias publicadas no Diário Oficial da União, 36 são destinadas a municípios do Ceará, quatro vezes mais dos que para São Paulo, o segundo colocado, com 9.
Nas consultas públicas, ‘considerando o interesse público em expandir os meios de comunicação’, o Ministério informa disposição de autorizar uma retransmissora de TV na cidade contemplada pela portaria e oferece a interessados 30 dias para participar da seleção. Isso significa que vai ser permitida a exibição da programação de um canal que ainda não passava na cidade e há uma consulta para saber quais são os candidatos a executá-la.
As portarias foram publicadas um ano antes da eleição, em meio à especulações sobre a reforma ministerial. É o Ministério que decide quem executará o serviço, que é extensivo a prefeituras. Segundo consultorias, o Ministério pode abrir consulta por conta própria, mas, em geral, há uma demanda para isso.
Levantamento
Feito a pedido da Folha, um levantamento do Instituto de Estudos e Pesquisa em Comunicação (Epcom) mostra que, das 52 portarias publicadas este ano – e assinadas, em sua maioria, entre 23 de dezembro e 21 de janeiro – apenas nove são para São Paulo e duas para Minas. Há ainda registro de uma abertura de consulta em cinco diferentes estados: Rio de Janeiro, Pará, Paraná, Espírito Santo e Mato Grosso.
A página da imprensa nacional só registra quatro portarias com esta no ano passado.
Só no dia 15 de fevereiro deste ano, foram abertas, porém, 18 consultas públicas no Estado do Ceará. Na lista, há tanto reduto eleitorais do ministro, como Icó, Baturite e Tauá, onde foi o deputado mais votado, como municípios afastados ou em conquista. Em Russas, por exemplo, o PSDB acaba de ser derrotado por aliados do PMDB e, apesar de tucano, o prefeito de Iguatu, Agenor Neto, é amigo do ministro. Em Icó, Eunício teve 39% dos votos do município na eleição, e Tauá é a cidade administrada pela mulher do presidente do PMDB.
Há também cidades que, como Acaraú e Cruz, compõem a base de apoio do deputado Aníbal Gomes, braço direito de Eunício na Câmara, além de redutos do filho do governador, o deputado Léo Alcântara. No Ceará, a aposta é que Eunício concorrerá ao Senado sem se confrontar com o governador, Lúcio Alcântara.
Embora o processo seja legal, o coordenador do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, Celso Schöred, vê a concentração de consultas no Ceará como preocupante, ‘especialmente quando se leva em conta que o ministro atua na área de radiodifusão’. ‘Os indicativos são preocupantes. O governo tem que olhar o que está acontecendo com muito cuidado’, alerta.
Para Schöred, é ‘um argumento quase infantil’ alegar que há mais pedidos no Ceará. Já Daniel Herz, diretor da Epcom, lamenta: ‘É um indicador inequívoco de beneficiamento de uma região. Isso não é surpresa na história do Ministério. Surpresa é que continue a acontecer neste governo’.
O governo Fernando Henrique foi encerrado com a autorização de 16 TVs educativas, nove delas para Minas, Estado de Pimenta da Veiga, titular da pasta até abril de 2002. Levantamento concluído à época pelo Ministério mostrou que, de 1999, ano em que Pimenta assumiu o cargo, até março de 2002, foram liberadas para Minas 103 FMs, quatro AMs e 275 rádios comunitárias. São Paulo recebeu 30 FMs, duas AMs e 196 comunitárias.’
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‘Ministério afirma que está apenas ‘limpando a pauta’’, copyright Folha de S. Paulo, 1/03/05
‘Alegando que o Ministério só assina as portarias quando provocado por interessados, a assessoria do Ministério das Comunicações afirmou que o volume para o Ceará ‘decorreu do grande número de pedidos de abertura de consultas apresentado pelas grandes geradoras afiliadas à Rede Globo, STB, Record’.
Sem citar números, o Ministério informou que ‘o Ceará foi o Estado que mais apresentou pedidos de consulta pública para RTV [retransmissoras de TV] em 2004. Portanto, é natural que tenham ocorrido tantas publicações no Diário Oficial’.
A assessoria explica ainda que a consulta não representa a outorga de autorização em si, mas, ‘apenas o chamamento de interessados a que apresentem seus projetos técnicos e concorram à RTV em uma localidade’. Além disso, salienta: ‘a autorização para RTVs resolve um problema muito comum em vários Estados, especialmente o Ceará, que é o acesso de populações do interior mais distante à programação da Globo, do SBT e da Record’.
Em resposta à Folha, a assessoria ressaltou que ‘O Ministério não abre consultas públicas espontaneamente, mas desde que provocado por pedidos de interessados em executar o serviço’. Signatário de boa parte das portarias, o secretário-executivo do Ministério, o também cearense Paulo Lustosa, descarta qualquer peso político na decisão.
Segundo ele, não há controle do fluxo de publicação no Diário Oficial e o ritmo de abertura de consulta segue a demanda dos interessados. ‘De outubro para cá, estamos desovando tudo, estamos limpando a pauta’, diz.
Ainda segundo Lustosa, havia 76 mil processos no Ministério quando Eunício assumiu. De acordo com um dos assessores de seu antecessor, o número de processos em andamento quando Miro Teixeira foi nomeado era de 17 mil, sendo 3.200 referentes à retransmissão de TV. Com o fim das delegacias regionais, seriam mais 20 mil. Para Lustosa, houve ‘uma limpeza de pauta’.’