‘As reprises de verão nos Estados Unidos, como incêndios em florestas, são uma calamidade com um lado bom -é essa a maneira pela qual a natureza reequilibra o ecossistema da televisão. As reprises permitem que os telespectadores percebam que ‘Lost’ melhorou ao longo da temporada, enquanto ‘24 Horas’ piorou. E que ‘Desperate Housewives’ não manteve o pique ousado e refrescante dos primeiros episódios.
‘Lost’, da ABC (exibida no Brasil pelo canal AXN), começou com uma premissa abstrusa: sobreviventes da queda de um avião perdidos em uma assustadora ilha tropical. Mas a temporada terminou de maneira eletrizante, o que prova que a série enfim encontrou a disciplina narrativa.
‘Lost’ acompanha a evolução de mais de uma dúzia de personagens centrais, e número imenso de reviravoltas na trama e de tramas secundárias -de um ninho misterioso a criaturas selvagens que jamais são vistas e devoram pessoas- e também incorpora flashbacks que lentamente revelam as histórias de cada náufrago.
Em ‘24 Horas’, da Fox, a trajetória foi a oposta: os personagens foram se tornando menos interessantes à medida que o ‘Dia 4’ avança. A quarta temporada começou com tudo mudado. A irritante filha de Jack Bauer não faz mais parte do elenco, um novo presidente ocupa a Casa Branca, Jack tem um novo emprego, trabalhando para o secretário de Defesa, e uma nova namorada, a filha de seu chefe, incidentalmente. Mas não demorou muito para que a série começasse a sofrer sob as limitações que seu formato impõe: 24 horas consecutivas é um período prolongado demais para manter em funcionamento a idéia de ação em tempo real que embasa a série.
‘Desperate Housewives’, de maneira até apropriada, é uma série que injetou muito botox. É um programa sexy, mas sua expressão é congelada e estática demais para parecer natural. Mesmo que os véus de mistério que encobrem o suicídio de Mary Alice estejam sendo removidos, os personagens e o roteiro continuam fracos e sem variedade.
Filmes não podem ser refeitos depois que estréiam nos cinemas, e livros não podem ser reescritos depois que chegam às livrarias. As série de televisão têm o luxo de consertar seus erros e acertar as coisas. E os telespectadores têm todo o verão para lhes dar uma segunda chance.’
AMÉRICA
Bia Abramo
‘‘América’ ganha erotização e audiência’, copyright Folha de S. Paulo, 12/06/2005
‘‘Sex Sells’ (sexo vende) é uma das máximas da mídia. E é verdade: a novela-Titanic de Glória Perez que o diga. Claro que a troca de direção teve seu papel e não foi pequeno. Os acertos de ritmo, o esforço em clarear determinadas passagens, o foco maior em algumas subtramas; tudo isso minimiza, um pouco que seja, a confusão do roteiro e a circularidade dos diálogos. Mas, se a sexualidade dos personagens não tivesse aflorado com mais decisão -ainda que com bastante cafonice -, a novela não teria a recuperação de audiência que parece estar se consolidando.
Justiça seja feita a ‘América’: não é a primeira e não será a última vez que as novelas recorrem ao aumento de temperatura sexual para levantar a audiência. E, de certa forma, apesar do formato às vezes apelativo ou vulgar, não é, em si, um mau sinal que as pessoas fiquem atraídas por cenas que sugiram sexo. Estamos falando aqui de adultos, evidentemente. (Em relação às crianças, a conversa deveria ser outra e o problema é que não é.)
Na verdade, sem um certo grau de erotismo, nenhuma narrativa do tipo telenovela se sustenta. O amor romântico evocado no melodrama inventa uma série de disfarces para o que é, no fundo, a história de uma paixão sexual. E aqui, no Brasil, a telenovela acompanhou e, de certa forma, ainda caminha em direção à liberalização dos costumes, notadamente na área do comportamento sexual e afetivo.
Apesar da inabilidade dramática de Deborah Secco e Murilo Benício, na novela, o sexo ainda tem alguma relação com uma idéia de erotismo. No pólo quase antípoda, mas não exatamente oposto, está a idéia que sustenta um programa como ‘Falando de Sexo com Sue Johanson’. O programa é uma espécie de sucesso da TV paga e não é à toa. Sue, uma ex-enfermeira, provavelmente entrada na casa dos 70 (ela não revela), fala com uma desenvoltura espantosa sobre qualquer prática sexual excetuando-se aquelas que são mais ou menos unanimemente condenadas, como a pedofilia.
Se na novela ainda há espaço para alguma imaginação, aqui a coisa é tomada completamente pelo que há concreto na atividade sexual. Técnicas, saúde, doenças, artefatos, brinquedos, um tanto de moral, algum conselho sobre relacionamentos: o campo sexual fica reduzido a uma série de problemas e como resolvê-los.
Um dos aspectos que chama a atenção no programa é a ‘facilidade’ com que Sue Johanson trata de temas, uhn, cabeludos e a naturalidade com que encara quase todo e qualquer tipo de comportamento sexual. Mas, num certo sentido, não poderia ser diferente: ela é herdeira de uma cultura que, em nome da tolerância, adotou um ponto de vista técnico que simplifica bem as coisas a uma equação em que o direito à privacidade, o consentimento entre adultos e alguns limites bem largos resolvem qualquer parada. Além de camisinha, claro.’
PANTANAL
Cristina Padiglione e Keila Jimenez
‘Portugal reprisa ‘Pantanal’, copyright O Estado de S. Paulo, 11/06/05
‘Marco da teledramaturgia nacional, Pantanal, da extinta TV Manchete, está sendo reprisada em Portugal. A trama inovadora de Benedito Ruy Barbosa, dirigida por Jayme Monjardim e que muito incomodou a Globo em 1990, entrou no ar na rede portuguesa RTP há duas semanas e já está entre as melhores audiências do canal.
A reprise vai ao ar lá diariamente em dois horários: ao meio-dia e às 19 horas. Espera-se que, cedo assim, a novela tenha ganhado edição para frear aqueles intermináveis banhos de rio com moças quase nuas.
Pantanal foi vendida para a RTP pela Venevisión Internacional, rede venezuelana que em 1998, no auge da crise da TV Manchete, comprou os direitos de vendas de boa parte das novelas da casa para o exterior – isso, em tese, exclui as chances de a Venevisión vender esses títulos a canais brasileiros. A venezuelana também tem em seu pacote a novela Xica da Silva, agora vista aqui pelo SBT e que foi exibida em vários países – em Portugal foi batizada como Francisca da Silva.
Antes de comprar Xica da Silva, que vem rendendo boa audiência ao SBT, o canal de Silvio Santos quis adquirir justamente Pantanal. No Brasil, entretanto, a produção pertence ao espólio da massa falida da Manchete. Xica da Silva não: juridicamente, foi produzida por uma empresa chamada Bloch, Som & Imagem, criada pelos Bloch em 1995, logo após a dissolução da venda da emissora ao grupo IBF, de Hamilton Lucas de Oliveira. Tudo o que a Manchete fez após 95 pode ser negociado no Brasil por meio da Bloch, Som & Imagem.’