‘Tenho dito que tanto Kerry quanto Bush, se eleitos, farão tudo o que é preciso fazer para combater o novo totalitarismo que ameaça o mundo: o terrorismo islâmico. Portanto, para mim, um ou outro tanto faz. Basta se sentar naquela cadeira para que as coisas caminhem como têm de caminhar. Mas, ao assistir ao debate de quinta– feira, não pude deixar de ficar impressionado com as análises que correram o mundo. Kerry teria ganhado de Bush porque se mostrou mais consistente, mais sofisticado em suas análises, intelectualmente muito superior ao adversário. Kerry pode ser isso tudo, mas, no debate, levado pelo marketing eleitoral, ele foi simplista, reducionista, aquele com a visão mais estreita sobre o grande desafio que o mundo enfrenta. Ao longo de uma hora e meia, repetiu sem parar que o inimigo tinha um nome, Osama bin Laden, e que caçá– lo era tudo que o presidente dos EUA precisava fazer.
Diante dessa análise, a de Bush, apesar de seu olhar de esquisitão, seu jeito às vezes meio balbuciante de falar e seu vocabulário restrito, era mais sofisticada e próxima da realidade. Porque imaginar que a guerra contra o terror se limita a pôr atrás das grades Bin Laden (ou a matá– lo) soa tão ridículo como a piada que Kerry tentou fazer com Bush, ao dizer que invadir o Iraque como conseqüência do 11 de Setembro era o mesmo que Roosevelt ter invadido o México para reagir ao bombardeio de Pearl Harbor. Boa piada, mas somente isso. O cowboy ali parecia Kerry, querendo ‘acertar contas’ com o inimigo da América. Papéis trocados?
Prender ou matar Bin Laden terá apenas o efeito de satisfazer o ego americano, mas a ameaça do terror islâmico continuará a mesma. Kerry, eu sei, estava cumprindo o que seus marqueteiros mandaram, mas o perfil de Bin Laden que ele traçou parecia o de um Batman do mal, comandando o terror islâmico mundial de dentro de alguma caverna de Torabora (a insistência dele nesse nome sonoro era até engraçada, apesar de não haver nenhuma prova de que Bin Laden tenha andado por lá). Uma vez liquidado, pronto: os seus comparsas mundo afora poriam as mãos na cabeça e, em fila indiana, se entregariam para a polícia, como num desenho animado.
Dar a entender ao público americano que o fim de Bin Laden é o fim do terrorismo islâmico, ou um passo decisivo, é levá– lo a um ‘colossal erro de julgamento’, para usar uma expressão ‘marqueteiramente’ usada o tempo inteiro por Kerry. Da mesma forma, ele foi contraditório. O candidato repetiu à exaustão que, para agir, não aceitará veto de nenhum organismo internacional ou nação ou conjunto de nações toda vez que a segurança dos EUA estiver em perigo. Ou seja, ele agirá, se preciso, unilateralmente. Mas, no minuto seguinte, ao tentar se diferenciar de Bush, ele disse que, antes de agir, será sempre necessário passar ‘no teste global’, ou seja, é preciso ter o aval do mundo. Ora, como entender as duas coisas?
Em oposição a Kerry, Bush parecia ter uma visão muito mais completa sobre o que acontece no mundo. Se de fato Bush tiver um dia sido o ignorante simplório que dizem que ele é, parece que quatro anos na Casa Branca ensinaram a ele alguma coisa. Porque, de fato, o terrorismo islâmico é um fenômeno mundial, é preciso combatê– lo em múltiplas frentes, e não apenas nas montanhas de Torabora. Os fanáticos do Islã não precisam mais de um líder. Aliás, ter um líder a ser cultuado e seguido é contra a essência do que acreditam: ‘Só há um líder, e este é Deus.’ A gênese desse grupo remonta a 1928, com a criação da Irmandade Muçulmana e sua ideologia foi se consolidando com a contribuição de muitos pensadores, como Hasan Al– Banna, Sayyd Qutb e Abdulah Azzem. Para essa gente, os muçulmanos vivem mal porque não cumpriram o que Deus determinou no Alcorão: devem eles próprios viver uma vida de acordo com a verdade revelada e espalhar essa verdade para todo o mundo, literalmente. É a isso que os terroristas se dedicam: impor a sua verdade a todos nós, porque esta é a vontade de Deus. Se, para este fim, usam aviões ou carros– bombas é apenas porque ainda não conseguiram encontrar uma maneira de fazer uso da capacidade nuclear do Ocidente contra o próprio Ocidente. Se conseguirem, farão. Porque não há diferença entre se matar para matar centenas, usando dinamite, ou se matar e matar centenas de milhares com algum artefato nuclear. É apenas questão de oportunidade.
Onde entra o Iraque nessa história? De duas maneiras. Depois do megaatentado de 11 de setembro, realizado por um grupo que tinha o abrigo apenas de um estado pária como o Afeganistão, os EUA não podiam se dar ao luxo de permitir que o Iraque, muito mais rico e forte, pudesse, um dia, acolher terroristas. O próprio Kerry, antes das primárias, para justificar seu voto a favor da guerra, dizia que o mundo tinha todos os motivos para acreditar que o Iraque pudesse de fato ter armas de destruição em massa: de 91 a 98, a quantidade de armas encontradas pelos inspetores era superior ao que todos tinham imaginado; como o Iraque ficou quatro anos sem inspeção, era legítimo supor que o país tivesse recomposto seu arsenal. De outro lado, tanto Kerry quanto Bush sabem que o grande problema a ser enfrentado é a Arábia Saudita, ninho das justificativas ideológicas dos terroristas. A coroa saudita tem se mostrado reticente, deixando de atuar frontalmente contra os clérigos radicais com medo ela própria de agravar o conflito interno. Enfrentar essa situação é um imperativo, reconhecem os dois candidatos, mas como fazê– lo, se a Arábia responde por boa parte das exportações mundiais de petróleo?
Para Kerry, livrar o mundo dessa dependência é prioridade, mas a receita dele é investir pesadamente em tecnologia para que em dez anos fontes alternativas de energia possam ser descobertas. A questão é: o mundo pode esperar até lá? A invasão do Iraque seria um atalho, triplamente vantajoso: livraria o mundo de Saddam e os EUA, de uma ameaça potencial, levaria um experimento democrático para uma região onde só há déspotas e faria jorrar petróleo para suprir o mercado internacional na eventualidade de um conflito com a Arábia Saudita. Coisas que não se dizem em debates.
Não se discute que o Iraque está num caos. Mas, se eleito, Kerry sabe que terá de tentar estabilizar o país a qualquer preço. E, quando isso acontecer, ele agradecerá a Bush por ter aberto o caminho para o resto do trabalho. Fora de debates, os americanos costumam ter perspectiva histórica.’
Luciana Coelho
‘Ao quebrar regras, TVs ajudaram Kerry’, copyright Folha de S. Paulo, 02/10/04
‘Se o candidato democrata, John Kerry, venceu o debate presidencial de anteontem, ele deve muito à decisão das TVs americanas de burlar as rígidas regras de transmissão. Afinal, se seguido o combinado, os 62,5 milhões de espectadores do confronto não teriam acesso às reações de seu adversário, o presidente George W. Bush.
‘Uma das principais regras impedia as TVs de mostrarem os candidatos ao mesmo tempo. Mas elas fizeram isso o tempo todo, e foi exatamente por causa dos momentos não– verbais que as pessoas ficaram com a impressão de que Bush foi pior’, disse à Folha o professor Robert Kubey, diretor do Centro para Estudos da Mídia da Universidade Rutgers, em Nova Jersey.
Antes do debate, as redes alegaram que desobedeceriam à extensa lista de determinações, organizada pelos comitês dos dois candidatos e pela Comissão para os Debates Presidenciais (CDP), ‘pelo bem do jornalismo’.
Durante a transmissão, mantiveram uma edição simples, de câmeras fixas, mas usaram à exaustão o recurso da tela dividida para mostrar os candidatos simultaneamente – o CDP, que proibira as câmeras de focalizar um candidato enquanto outro falava, não teve como fazer cumprir a ordem. ‘Acho que as TVs fizeram bem ao não seguir as regras. [A tela dividida] deu aos espectadores uma visão mais precisa do que estava acontecendo’, opinou Kubey.
O que estava acontecendo nesses ‘momentos não– verbais’: Bush suspirando, aparentando cansaço, ansiedade ou procurando respostas; Kerry sorrindo com confiança, calmo e seguro. Essa, ao menos, foi a análise extensivamente repetida por todo o dia de ontem pelos principais canais de notícias dos EUA, a CNN e a Fox News. ABC, NBC e CBS, as três maiores redes dos EUA, também declararam Kerry vencedor.
‘Fiquei surpreso com a Fox, porque eles são bastante partidários [do atual governo]. Acho que o fato de até a Fox mostrar analistas dizendo que Kerry foi melhor é um sintoma de quão mal Bush foi’, disse Kubey.
Pelo bem da imparcialidade jornalística, houve aqueles que surgiram na tela dizendo que Bush se saíra melhor – mas, inevitavelmente, se tratava de uma pessoa diretamente ligada à campanha do presidente, que logo se via confrontada com os resultados das pesquisas. Democratas também foram questionados, sobretudo a respeito de uma resposta vaga de Kerry sobre seu voto contra a liberação de US$ 87 bilhões para a Guerra do Iraque.
Mas, da boca dos analistas, teoricamente imparciais, vinha um raro uníssono: Kerry se saiu melhor e chamou a atenção dos eleitores. Se a performance vai se converter em votos é uma incógnita, mas que o debate melhora suas chances é fato.
O evento de anteontem superou em cerca de 12 milhões as expectativas de público, uma audiência inédita desde que George Bush pai debateu com Bill Clinton e Ross Perot em 1992.
‘O debate pode influenciar muito a opinião pública. Isso porque as pessoas sabem como Bush é, mas não sabem como Kerry é. Muita gente prestou atenção nele pela primeira vez’, comentou Kubey. ‘E Kerry se mostrou em sua melhor forma.’
Na análise de Kubey, o efeito para Bush foi contrário. ‘As pessoas nunca têm oportunidade de ver Bush assim, tão desorganizado, procurando respostas. As pessoas sempre o vêem falando para um público que o apóia, nunca sendo atacado ou acusado por uma outra pessoa’, disse.
Ao contrário das TVs, os jornais destoaram em sua cobertura. O ‘USA Today’ e o ‘New York Times’ cantaram vitória democrata. ‘Se a questão era se Kerry pareceria presidencial, apresentaria suas posições claramente e sucintamente e manteria Bush na defensiva, então ele não deixou nada a desejar’, disse o ‘Times’. Já o ‘Washington Post’ fez uma leitura mais neutra, ressaltando momentos de hesitação de ambos.’
O Globo
‘Cheney e Edwards, um embate de opostos na TV’, copyright O Globo, 05/10/04
‘É o duelo da experiência contra a empolgação. Depois que os candidatos a presidente se enfrentaram na TV na semana passada, hoje é a vez de seus companheiros de chapa trocarem farpas no primeiro e único debate dos aspirantes ao posto de vice– presidente dos Estados Unidos. O já vice Dick Cheney e seu adversário democrata, o senador John Edwards, vão se encontrar na Universidade de Case Western Reserve, em Cleveland, no estado de Ohio.
A disputa televisiva de hoje está atraindo mais interesse do que normalmente despertam os debates de candidatos a vice por causa dos perfis diametralmente opostos dos dois: Cheney, de 64 anos, já com uma longa carreira pública e com fama de astuto, e Edwards, de 51, senador novato pela Carolina do Norte, tido como bom orador e mais simpático e carismático.
O confronto ocorre três dias antes do novo debate entre o presidente George W. Bush e o democrata John Kerry. Uma nova pesquisa do Instituto Gallup para a rede de TV CNN indicou um empate entre os dois, confirmando a recuperação do democrata após o debate da semana passada. Nesta pesquisa, Kerry e Bush estão cada um com 49% das intenções de voto. Na pesquisa anterior, Bush ganhava por 52% a 44%. Numa outra enquete do Instituto Zogby, Bush tem 46% contra 45% de Kerry.
Candidatos passam dia no estado indeciso de Iowa
Outras duas pesquisas indicaram Bush na frente, mas por margens menores que em consultas anteriores: na do Instituto Pew, Bush ganha por 48% a 41%, e na da rede de TV ABC News– ABC e do jornal ‘The Washington Post’, por 53% a 47% . Ontem, os dois candidatos dedicaram o dia a conquistar eleitores em Iowa, um estado indeciso onde Bush perdeu a eleição por pouco mais de quatro mil votos em 2000. Ao lado do ator Michael J. Fox, que sofre de mal de Parkinson, democrata, Kerry deixou o tema da guerra no Iraque de lado e acusou Bush de ‘virar as costas à ciência’ ao impor sérias limitações à pesquisa sobre células– tronco, que tem potencial promissor para o tratamento de diversas doenças, mas é desaprovada pelos conservadores.
– Ele se rendeu à ideologia de extrema– direita – disparou Kerry.
Bush, por sua vez, acusou o adversário de ter votado 98 vezes pelo aumento de impostos em seus 20 anos de Senado e o chamou de ‘perigo para a paz’.
– Vocês devem ter notado que ele muda de opinião com muita freqüência, mas não sobre impostos – alfinetou o presidente na cidade de Clive, onde assinou uma lei de redução de impostos que segundo ele deverá beneficiar 94 milhões de pessoas.
Bush voltou a bater na tecla de que Kerry não é adequado para liderar a guerra contra o terror.
– As políticas do meu adversário são perigosas para a paz mundial – acusou. – Se forem implementadas, elas tornariam este mundo não mais pacífico, mas mais perigoso.
Kerry recebe apoio de 186 ex– embaixadores
Ontem, um grupo de 186 ex– embaixadores americanos anunciou publicamente seu apoio a Kerry, atacando duramente a política externa de Bush. Veteranos de governos democratas e republicanos, os ex– embaixadores disseram ser imprescindível uma mudança de governo se se quer reforçar a segurança nacional.’
Arnaldo Jabor
‘Osama acabou com o ‘happy end’’, copyright O Globo, 05/10/04
‘Eu já escrevi aqui que o atentado às torres em NY foi um show de cinema. Foi um massacre onde a visibilidade era essencial para o bom resultado. Baudrillard também disse isso, mas escrevi antes, modestamente. Era necessário que tudo fosse visto, ao contrário, por exemplo, do Holocausto, quando a ocultação dos fornos era fundamental.
No 11 de Setembro, não. Era preciso que ficasse gravada aquela cena do que vai se repetir por toda a eternidade, mostrando o dia em que tudo mudou para sempre.
O que Osama inaugura em 11 de setembro é um período histórico sombrio de ‘desconstrução’. Bush aproveitou o pretexto e iniciou também a desconstrução da democracia americana, há tanto tempo desejada por seus mentores, como Karl Rove, Cheney e outros. Para isso, ele passou a usar a ‘política do medo’ e a explorar o fato de que é insuportável para o americano problemas não resolvidos. Eles têm de ‘resolver’ os problemas, e, no caso da torres e de Osama, não há solução possivel. Já era. Eles pensavam: ‘Aqui está tudo sob controle, tudo tem princípio, meio e fim e termina como nós queremos’. Osama criou um problema insolúvel com o terrorismo suicida. Osama acabou com o conceito de ‘ happy end ‘ . A ‘cultura da certeza’ americana foi humilhada por Osama.
Ninguém pode controlar essa guerra sem rosto. Diante dessa impotência, Bush e a direita partiram para um monolitismo paranóico, masoquista, partiram para rever todas as complexidades democráticas, como se elas fossem formas de ‘fragilidade’, de vulnerabilidade, buracos por onde poderia entrar o inimigo.
Todos os movimentos, de um lado e de outro, são regressivos. Osama quer voltar a um islã fundamentalista e, assim, estimula a direita americana de Bush a rever os avanços ocidentais. A direita cristã no poder quer a volta do ego sem inconsciente, quer a volta de Adão e Eva e do homem mínimo diante de Deus. ‘Give me that old– time religion!’
Não há retorno para o que já está acontecendo. Marx diz que ‘a economia é uma espécie de luz que dá a coloração do momento histórico, onde tudo acontece com algum reflexo dela’. Osama não veio por acaso do deserto. Nem Bush. Ambos são os fetos de um ventre histórico grávido a partir do capitalismo mudado pela globalização, ambos são frutos de um capitalismo gelado, financeiro, não produtivo, que se esvazia a si mesmo, um capitalismo que se auto– aliena e que favorece a manipulação política por gangues como a de Bush.
Só que Osama anseia por um divinismo restaurado. E Bush, em nome de um Jesus mecânico, quer ser o comandante de uma era morta para a razão. Ambos desejam arrasar com uma realidade mundial multiprodutiva, global, inapreensível, o que faz as massas desejarem uma uniformização, algum simplismo ideológico ou clareza religiosa. Ambos desejam redirecionar o progresso e aprisioná– lo num esquematismo religioso e obscurantista. O obscurantismo e a ilusão religiosa são uma vontade mundial. Osama e seu fiel criado Bush vêm satisfazer essa necessidade. Eles vieram para encerrar qualquer esperança platônica, vieram para negar todos os livros, todos os quadros, todos os avanços realmente democráticos que poderiam criar uma revolução laica no futuro, quase a realização de um sonho meio nietzschiano de um viver ‘artístico’, um presente dançante e inventivo, sem paraíso, mas também sem desespero.
Assim como o islâmico bate com a cabeça no Corão, nas ‘madrassas’ onde aprendem a ser homens– bomba, Bush (e seus asseclas) quer se vingar dos inteligentes, dos bons alunos que o desprezavam em Yale, onde ele assistia às aulas de ressaca e arrotando de tédio, como nos contam seus professores. Osama e Bush vieram para trazer de volta a paz da ignorância, o sossego da estupidez, a calma da fé em Alá ou Jesus, eles vieram para nos trazer de volta a proibição, a repressão. A democracia angustia as massas ignorantes.
Assim como Osama quer criar o califado de Alá, quer impedir que o Ocidente continue a poluir a pureza do islamismo ‘waabista’ que ele professa, ameaçado pela nossa liberdade e libertinagem, o Bush quer impedir a continuação da grande e verdadeira América que terminou com Clinton, uma América autocrítica, buscando um dialogo multilateral com o mundo.
Durante o debate, havia momentos em que Kerry soava quase nostálgico, querendo defender os valores maiores ocidentais, europeus etc… Bush arquejava, arfava de impaciência diante das palavras mais complexas do opositor democrata. Enquanto o Kerry falava de um futuro ‘em aberto’, um processo e não uma ‘solução’, Bush se defendia com palavras mágicas, holísticas, fervorosas como: ‘No fundo do coração eu acho… Eu creio, eu tenho certeza que….’ Bush discutiu sem nenhum embasamento sob seu desejo, apenas a reafirmação da teimosia de achar que tem de perseverar no erro para resolver o problema. Se não houver solução para o terror, que a América seja então trancada num shelter mais profundo, que o Desejo seja uniformizado, que a democracia tradicional seja limitada, para que uma nova nação forrest– gumpiana floresça, medíocre e sinistra. Bush quer enterrar a era da autocrítica e dos direitos civis, que existiu até Clinton, último filho dos anos 60, até que foi finalmente esmagado por Ken Starr e pela boca traidora da republicana Monica. E agora esse flagelo deve vencer as eleições. Nos USA, não há apenas uma campanha política. Há um golpe de direita em andamento contra a democracia dentro e fora de casa. God save America.’
Olivia Hirsh
‘Pesquisas esquentam campanha’, copyright Jornal do Brasil, 05/10/04
‘As novas pesquisas indicando empate entre o democrata John Kerry e o republicano George Bush deram novo ânimo à campanha ontem. O senador por Massachusetts criticou duramente a posição do governo de se opor a pesquisas com células– tronco, em campanha ao lado do ator Michael J. Fox, que sofre de Mal de Parkinson. Enquanto em Iowa, Bush assinou o quarto projeto de lei de redução de impostos, que beneficiará 94 milhões de americanos.
Segundo a enquete divulgada domingo pelo Instituto Gallup, os dois têm exatamente 49% das intenções de voto, enquanto o independente Ralph Nader tem 1%. Na última, feita entre os dias 24 e 26 de setembro, o presidente liderava em 8 pontos percentuais.
Em outra enquete, conduzida pelo Instituto Zogby e divulgada ontem, Bush está 1 ponto percentual à frente de Kerry – diferença inferior à margem de erro. No entanto, um terceiro estudo, conduzido pelo Instituto Pew, aponta que Bush lidera em 4 pontos percentuais entre os entrevistados que votarão em 2 de novembro. O resultado que favorece o presidente é corroborado pela enquete do jornal The Washington Post, que indica diferença ainda maior: Kerry tem a preferência de 46% dos entrevistados, contra 51% do presidente, apesar de a maioria concordar que o democrata se saiu melhor no debate.
Em comício em Hampton, no indeciso New Hampshire, Kerry acusou o rival de ter ‘virado as costas para a ciência’ com as restrições impostas em agosto de 2001. Na ocasião, o governo limitou o uso de fundos federais para apenas algumas poucas linhagens das células embrionárias existentes naquele momento.
– O presidente está sacrificando a ciência em nome de sua ideologia de extrema– direita – atacou Kerry, coincidindo com a divulgação do novo anúncio da campanha sobre o assunto.
Michael J. Fox, ator do filme ‘De Volta para o Futuro’ e ativista da causa, afirmou que Bush restringiu tanto as linhagens das células embrionárias que ‘é como se tivesse nos dado um carro, sem combustível, e ainda comemorar por isso’.
– Os ataques de John Kerry tentam iludir o povo americano ao indicar uma proibição que não existe – disse o porta– voz da campanha do presidente.
Em resposta, o democrata afirmou que as restrições às pesquisas funcionam como um ‘banimento virtual’.
Em Des Moines, no também indeciso Iowa, Bush ressaltou o impacto que terá o novo corte de impostos, assinado ontem, na economia do país.
– No próximo ano, deixaremos quase US$ 50 bilhões nas mãos das pessoas que ganharam este dinheiro – disse. – Isto é só o começo, temos que transformar todos esses cortes temporários em permanentes.
Ontem, um grupo de 186 ex– embaixadores americanos, que atuaram em governos republicanos e democratas, manifestou apoio a John Kerry e atacou a política externa do presidente George Bush.
Um dos integrantes é John Eisenhower, filho do ex– presidente Dwight Eisenhower, que anunciou sua saída do Partido Republicano – depois de 50 anos de militância – devido à decisão de Bush de invadir ‘unilateralmente o Iraque’.
‘Os atuais dirigentes do Partido Republicano confundem a liderança com o orgulho excessivo e a arrogância’, escreveu em um artigo publicado num jornal de New Hampshire.
Hoje, os candidatos à vice– presidente, o democrata John Edwards e o republicano Dick Cheney, se enfrentarão em Ohio. O debate começará às 22h e promete marcar a diferença de estilos dos dois.
Cheney, apontado por seus críticos como sendo a eminência parda que arquitetou a guerra no Iraque, e Edwards, o sulista de discurso otimista, vão debater durante 90 minutos. O encontro ganha mais importância depois do fraco desempenho do presidente Bush contra Kerry, na semana passada.
– Eles são completamente diferentes. Um é jovem, carismático e dinâmico. O outro é irritadiço, mais velho e mau– humorado – compara, para o JB , o professor Thomas Hollihan, da Universidade de Southern California.’
João Sayad
‘O debate’, copyright Folha de S. Paulo, 04/10/04
‘O jornalista Jim Lehre controlou sozinho o espetáculo: fez todas as perguntas para os candidatos, manteve a platéia em silêncio absoluto e decidiu sobre o direito de resposta de cada um. Do lado direito da tela, atrás de um pódio, o presidente Bush. Do lado esquerdo, o senador Kerry. Tema: segurança interna e Guerra do Iraque.
Kerry acusou o presidente Bush de fazer mau uso das informações da inteligência americana. A invasão do Iraque desviou recursos e a atenção do combate ao terrorismo para um país que não tinha armas de destruição em massa nem apoiava a Al Qaeda, pois o governo era secular e adversário dos movimentos religiosos fundamentalistas. ‘Invadir o Iraque depois do 11 de Setembro é equivalente a invadir o México depois do ataque a Pearl Harbour’, disse.
O presidente Bush repetiu muitas vezes que o senador Kerry era inconsistente nas suas posições, pois votara a favor da guerra. Que o comandante– em– chefe das forças armadas não poderia ser desleal com as tropas americanas. A campanha do presidente Bush insiste neste único tema – a inconstância do senador Kerry, herói da Guerra do Vietnã. Tem como plano tornar o Iraque um país livre.
Segundo as pesquisas, Kerry ganhou o debate. Não ganhou a eleição.
Bush apareceu como uma pessoa afetiva, cheia de compaixão ao relatar encontro com uma viúva da guerra que ele mesmo iniciou. Fala inglês com uma ‘sintaxe original’ (provavelmente cheia de erros) que o aproxima do eleitor comum.
Kerry tem argumentos consistentes sobre a inutilidade da guerra que desviou atenção e verbas para o Iraque em detrimento dos investimentos necessários para a segurança interna. Parece mais inteligente, e seus argumentos, bem articulados. Mas está mais longe do homem comum e parece menos apaixonado do que o presidente Bush. As eleições, como todas as eleições, serão determinadas pela imagem espontânea ou fabricada dos candidatos e pela empatia do eleitor com cada candidato.
O século 20 foi um século de guerras – duas guerras mundiais, as guerras da Coréia, do Vietnã e do Oriente Médio. O século 21 inicia– se da mesma forma. Todos os séculos estão cheios de guerras. Não é possível dizer se vivemos constantemente em guerra com intervalos de paz ou em paz interrompida pela guerra.
À diferença de guerras de séculos anteriores, é difícil encontrar motivos econômicos (imperialismo, oferta de matérias– primas, controle de vias de transporte) ou políticos que expliquem as recentes guerras.
A Guerra do Vietnã baseou– se na hipótese equivocada de que aquele país poderia servir de ponte para a expansão da China comunista – apesar da tradição milenar de nacionalismo e de rebeldia dos vietnamitas contra qualquer tentativa de dominação dos chineses. No século 21, voltamos às guerras religiosas. Só podem ser explicadas por antropólogos, como uma tendência inevitável das civilizações humanas que precisam da guerra para controlar a própria violência e estabelecer a ordem.
O debate permitiu algumas conclusões: que a Guerra do Iraque não tem explicação; que os americanos, diferentemente dos latinos, não trocam ofensas pessoais – e sabem organizar debates interessantes e compreensíveis. Não sabemos se o processo de apuração dos votos é melhor ou pior do que o brasileiro. Nem se votam melhor do que a gente.’