Wednesday, 13 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Ana Paula Sousa

‘O ar era festivo. mas um certo mal-estar pairava no ambiente. A transição de poder na Fundação Padre Anchieta – mantenedora da rádio e da TV Cultura -, levada a cabo na segunda-feira 14, veio acompanhada de denúncias e dúvidas. Dois relatórios assinados pela ex-superintendente da emissora Julieda Puig Paes Pereira motivaram a instauração de um inquérito civil pelo Ministério Público e deram mais munição à CPI pedida pelo deputado Enio Tatto (PT). A remuneração a que teria direito Jorge da Cunha Lima, ex-presidente da fundação e agora presidente do conselho, também está sob análise do Poder Judiciário.

Na noite da posse, que contou com uma apresentação da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), os abraços e aplausos foram bem mais fortes para Marcos Mendonça, o novo presidente da fundação, do que para Cunha Lima. Mas, como era de se esperar, ninguém quis falar de remanejamento de forças nem de problemas. A secretária da Cultura, Claudia Costin, ao notar a presença da reportagem de CartaCapital, disse: ‘Hoje é dia de festa, não é dia de polêmica’.

Mas tanto a polêmica estava no ar que, no próprio discurso de posse, Cunha Lima citou a semana de ‘lambadas’, referindo-se à reportagem publicada pelo Estado de S. Paulo, na quinta-feira 10. O jornal informava que o Ministério Público (MP) cancelaria sua remuneração.

A decisão ainda não foi formalizada, mas o promotor Paulo José de Palma, da curadoria das fundações do Ministério Público, aponta:

– Há precedentes na Promotoria de Fundações de São Paulo no sentido de só permitir remuneração se existir dedicação exclusiva. A minha decisão será administrativa. A lei não veta a remuneração. Mas fica a pergunta: é correto remunerar? Isso trará algum ganho para a fundação?

Cunha Lima explica a CartaCapital por que merece o salário:

– Nas novas funções do presidente do conselho existe uma quantidade imensa de trabalho pela representação internacional, nacional e pela presidência das comissões deliberativas do conselho. Eu vou trabalhar, no mínimo, seis horas por dia. Da mesma forma que vocês jornalistas trabalham e ganham, qualquer pessoa que trabalhe deve ser remunerada.

A remuneração foi definida a partir da mudança estatutária aprovada pelo conselho em maio. Mas Marcos Mendonça pondera que a decisão do MP, responsável por referendar qualquer alteração no estatuto de uma fundação, deve ser soberana:

– O conselho deve acatar a decisão do Ministério Público. Ainda não existe valor fixado. Na mudança estatutária, o que o conselho colocou foi apenas a possibilidade da remuneração.

O acordo para que Cunha Lima, depois de nove anos à frente da emissora, desistisse do quarto mandato incluía a criação de um cargo remunerado. Acerto alinhavado, Mendonça foi eleito presidente em 11 de maio, com 29 votos dos 34 conselheiros.

O salário de Cunha Lima, no entanto, está longe de ser a única pedra colocada no caminho dessa transição. Logo após o pleito, no dia 25, a superintendente Julieda Puig, que assumiu o posto em agosto de 2003 com o aval do governador Geraldo Alckmin, pediu demissão. Mendonça, que a via como aliada no momento em que anunciou a candidatura, explica-se:

– Eu era favorável à permanência da Julieda, mas isso dependia da aprovação do conselho. Ela tomou uma posição de crítica e levantou algumas questões que desembocaram num conflito com o conselho, e principalmente com o Jorge. Existem dados que são privados, correto? E os conselheiros ficaram perplexos diante da divulgação.

E não era para menos. O relatório, já apelidado de ‘dossiê Julieda’, tornou palpável o que até então era apenas comentado nos corredores da emissora e divulgado para a imprensa a conta-gotas. Apoiado num estudo encomendado à consultoria Booz Allen Hamilton, o relatório vê problemas administrativos e sugere que as mais de 200 demissões efetuadas no ano passado seriam apenas a parte mais visível da crise.

O ‘relatório de gestão’ afirma, por exemplo, que a receita cresceu 25% nos últimos três anos enquanto a audiência caiu 41% de 1995 a 2003. Outro dado diz respeito à programação: o porcentual de reprises cresceu 20% entre 1995 e 2003 e, no mesmo período, o de produções inéditas despencou de 27% para 16%.

Outros pontos problemáticos levantados pelo relatório são: a excessiva prestação de serviços para terceiros, uma estrutura organizacional fragmentada, que dilui responsabilidades e implica baixa produtividade, o contrato (já desfeito) com a empresa Connect para a comercialização de espaços publicitários e uma suposta maquiagem de balancetes que culminou, em 2003, com a revelação de que a tevê fecharia o ano com uma dívida de R$ 12 milhões.

O estudo da Booz Allen Hamilton também questiona o custo das produções próprias da Cultura. Entre os programas citados estão o Cartão Verde, que sai por R$ 26,7 mil e teria um custo benchmark (baseado em análises e prospecções) de apenas R$ 4,8 mil e o premiado Caminhos e Parcerias, que custa R$ 132 mil e, segundo a consultoria, poderia ser feito com R$ 7,6 mil. São valores, concordará qualquer pessoa que faça programas de tevê, insuficientes para uma produção mesmo barata.

Não à toa, é justamente nesse ponto que Cunha Lima se apóia para desqualificar o relatório:

– Eu não estou nada desconfortável. Fica desconfortável quem tem problemas pessoais, morais. O relatório traz absurdos, como dizer que o programa Galera custa R$ 40 mil e deveria custar não sei quanto. Qualquer pessoa de bom senso que já tenha pisado numa televisão verá que isso é bobagem.

Um segundo relatório, entregue somente a Cunha Lima e a João Carlos Caruso Ronca (presidente do conselho), seria ainda mais grave. Na carta que acompanha esse dossiê, Julieda afirmou que não divulgaria o documento para os demais conselheiros ‘por respeito à integridade da fundação’.

Mendonça, politicamente, evita alimentar a curiosidade ao redor desse segundo documento. Mas promete não jogá-lo para debaixo do tapete:

– Já estabelecemos que esse documento seja entregue ao Ministério Público, junto com o primeiro relatório. A partir daí, o curador tomará as medidas necessárias. É a ele que cabe a análise desses diagnósticos.

O promotor Paulo José de Palma aguarda a chegada do novo documento e assegura:

– Haverá uma investigação. Depois da leitura do relatório, vamos ouvir a senhora Julieda Puig. A partir disso, faremos um exame nas contas da fundação.

A secretária Claudia Costin, representante do governador Geraldo Alckmin na posse de maciça presença tucana, diz que vê com ‘serenidade’ a transição:

– No ano passado, a Secretaria viu problemas na gestão, e não na figura do gestor. Esses problemas de gestão foram corrigidos durante o mandato do Jorge e não vejo porque a permanência dele no Conselho seria um problema. O próprio Jorge chamou uma auditoria, recebeu sugestões e as acatou. Como conselheira da Secretaria, eu fiquei satisfeita.

Mantida com verbas do governo do Estado, mas gerida por um conselho, a TV Cultura sempre se orgulhou de manter independência em relação ao governo. Justamente por isso, Mendonça, que é visto como candidato do governo, não recebeu o voto do representante dos funcionários no Conselho, Mauricio Monteiro.

A primeira garantia de Mendonça, que já substituiu o diretor de programação Walter Silveira por Rita Okamura – funcionária da Cultura desde 1974 – e o diretor comercial Paulo César de Araújo por Cícero Feltrin, é a nomeação do jornalista Oswaldo Martins como ombudsman. ‘Ele vai garantir a transparência da emissora’, promete o novo presidente.’



OMBUDSMAN NA TV CULTURA
Jotabê Medeiros

‘Cultura inaugura ombudsman na TV’, copyright O Estado de S. Paulo, 19/06/04

‘Nas próximas semanas, um rosto novo vai surgir no vídeo da TV Cultura. O jornalista santista Osvaldo Martins, de 64 anos, foi contratado pela emissora para exercer o cargo de ombudsman, o representante dos telespectadores. É o primeiro cargo do tipo na TV brasileira.

Até ontem, Martins, ex-secretário de Comunicação do governo de Mário Covas entre 1999 e 2001 (foi amigo de Covas por 40 anos), não sabia seu salário nem se sua performance à frente das câmeras convenceria a opinião do telespectador. Está fazendo pilotos (testes).

‘O ombudsman da imprensa escrita imprime a contundência de sua opinião no jeito que escreve. Mas, quando você mostra a cara, outros fatores contribuem para dar essa credibilidade. Basta o telespectador não ir com a minha cara’, disse Martins, demonstrando apreensão.

Além de Martins, as novidades na gestão da TV Cultura são a nova diretora de programação, Rita Okamura (entrou no lugar de Walter Silveira, demitido esta semana), e Cícero Feltrin, agora Diretor de Receitas Operacionais. Feltrin, ontem, tratava de uma nova parceria a ser assinada com a BBC, da Inglaterra.

Estado – Ombudsman é um cargo que requer garantias de independência. O sr.

tem essas garantias?

Osvaldo Martins – É indispensável que tenha independência. Para garantir isso, haverá um contrato que assegura um mandato de um ano, renovável por mais um ano, ao ombudsman. Nesse período, ele não pode ser dispensado, demitido nem substituído. Esse contrato vai ser agora posto no papel, prevendo essas garantias de que você fala.

Estado – Quanto vai ganhar o ombudsman da TV Cultura?

Martins – A remuneração não foi discutida ainda. O novo presidente da fundação, como você sabe, está às voltas com a realidade da emissora, que vive uma situação financeira muito delicada. Essa questão da remuneração deverá estar enquadrada nessa política.

Estado – Como vai atuar o ombudsman?

Martins – Ele terá um programa semanal na TV, cujo formato está sendo montado. O site da TV Cultura também será utilizado, com um link a todos os espectadores. As rádios AM e FM também terão a atuação do ombudsman. Durante a programação, faremos uma convocação ao ouvinte para que se manifeste.

Estado – O sr. tem experiência em frente às câmeras?

Martins – Não. Trabalhei na chefia de reportagem da TV Globo num tempo pioneiro, em 1978, implantando o Bom Dia SP. Foi uma época de boas experiências. Mas fiquei pouco tempo. Estamos tentando achar uma forma de eu me dirigir ao espectador. O pior que pode acontecer é não ter credibilidade.

Uma boa idéia pode se perder com uma má realização. Mas vamos achar o tom.

Em três ou quatro semanas teremos o programa do ombudsman.’



Daniel Castro

‘Ombudsman terá programa na Cultura’, copyright Folha de S. Paulo, 19/06/04

‘Primeiro ombudsman da TV brasileira, o jornalista Oswaldo Martins, 64, terá um programa semanal na Cultura, onde assumirá, nos próximos dias, a função de criticar a programação. Ex-assessor de imprensa e secretário de Mario Covas, Martins diz que terá independência e estabilidade de um ano após deixar o cargo.

‘Ainda temos que encontrar um formato e estudar se vou aparecer na tela, qual o gestual, o tom de voz. É algo inédito. As principais emissoras públicas não têm exatamente um ombudsman, mas um ouvidor. Eu vou ter liberdade de crítica e um canal para me expressar’, afirma.

O ombudsman conta que terá uma equipe para acompanhar toda a programação da Cultura. Martins, cuja única experiência em TV foi como chefe de reportagem na Globo, em 1978, se diz consumidor de telejornais, mas não assiste a novelas e admite que terá que ‘ver mais TV Cultura’.

Ainda discretamente, critica a atual programação. ‘A Cultura está com níveis de audiência muito baixos. É sinal de que algo está errado. A qualidade da programação já foi melhor’, diz, preocupado com a falta de dinheiro.

Também espera avanços no jornalismo. ‘O jornalismo público é aquele não comprometido com o mercado nem com a política. Mas as TVs comerciais também se preocupam com isso. Acho que o jornalismo público tem que partir mais para a reflexão.’

OUTRO CANAL

Parto Luana Piovani grava segunda sua estréia na cobertura da licença de Maria Paula, que ontem, em cesariana, deu à luz Ana Luisa. Luana entrará na ‘história’ como uma agente do ‘cerviço cecreto’ do ‘Casseta & Planeta’, a Agente Muito Boa.

Não deu tempo Os roteiristas já tinham escrito uma cena, para ser gravada na segunda, em que Maria Paula transmitia a ‘função’ a Luana Piovani. Já está sendo reescrita.

Culatra 1 O contrato assinado anteontem por Carlos Massa, o Ratinho, e o SBT engessa parcialmente a programação da emissora de Silvio Santos. Pelo documento, Ratinho terá um programa diário, de no mínimo uma hora, exibido entre 20h e 0h. Ou seja, até dezembro de 2008, Silvio Santos não poderá tirar Ratinho dessa faixa de horário, nem comprimir a duração do programa.

Culatra 2 Essa determinação foi exigência do próprio Ratinho, que estava insatisfeito e ameaçava negociar com a Record e a Band desde que Silvio Santos lhe propôs mudar o seu programa para as 17h, há duas semanas. Vendo o estrago, o sócio majoritário correu e antecipou a renovação do contrato, prevista só para setembro.

Ao vivo Gripado, Marcelo Rezende teve de ser substituído no ar por Lino Rossi, anteontem, quando apresentava o ‘Cidade Alerta’.’