Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Antonio Machado

‘A aparição triunfante do ministro Antonio Palocci na mídia de fim de semana, com direito até a foto posada em revista, e divulgação de pesquisa Ibope contratada pelo marqueteiro Duda Mendonça que o apresenta como o mais popular do ministério Lula, expressa o bom momento da política econômica. Mas revela também outro lance sutil dos conflitos no interior da multifacetada coalizão governamental.

À primeira vista, a leitura apressada desse material sugere que o ministro da Fazenda calçou salto alto e já se sentiria poderoso o bastante até para propor ao presidente a supervisão do trabalho de ministérios e a coordenação das negociações no Congresso para a aprovação de projetos de interesse do governo.

Literalmente, é isso o que se lê nessas matérias, que colocam Palocci como aliado tático do ministro de coordenação política, Aldo Rebello. O que pressupõe que ambos teriam formado um eixo contra o ministro José Dirceu, hoje coordenador gerencial do ministério e até o início do ano o articulador do governo com a base aliada no Congresso.

Deve-se desconfiar, no entanto, de tudo aquilo que em política é simples de explicar. O que o noticiário mais recente está a demonstrar, em primeiro lugar, é uma enorme torcida de parte da mídia em favor de Palocci. Revela também que setores do Palácio do Planalto, provavelmente atritados com a Casa Civil, desenharam um roteiro para o ministro da Fazenda desempenhar, mas isso à sua revelia, e o abriram a algumas áreas da opinião pública. É isso que explica, por exemplo, que partes da pesquisa do Ibope que favorecem a imagem de Palocci tenham chegado à imprensa.

Estes são os fatos. Também o são o de que a pesquisa Ibope não teve o rigor quantitativo para dela se aferir, com certeza, que há apoio incontrastável à política econômica na sociedade e ao seu condutor. A pesquisa foi ligeira, feita ao telefone, e se destinou originalmente a conferir a repercussão da última campanha de TV do PT, na qual Palocci e Dirceu foram partes importantes do programa. O uso que se deu agora a essa sondagem, se de um lado favorece o ministro da Fazenda, de outro o expõe à fogueira de vaidades de um governo fracionado e com alguns de seus membros extremamente zelosos da faixa de poder que controlam.

Não há nada no comportamento cauteloso e discreto de Palocci no governo e nas relações com os políticos que o revele, agora, como um cabotino temporão, muito pelo contrário. Sabem as atas do PT e os carpetes do Palácio do Planalto que se há algo que incomode ao extremo o presidente Lula é a ostentação de poder pelos liderados mais próximos. Lula abomina eminências pardas, intérpretes de seu pensamento, ideólogos do partido, luas pretas e coisas assim.

Sombra indivisível

O próprio Dirceu sentiu a temperatura mercurial de Lula toda vez que a imprensa o exibiu como primeiro ministro virtual, primeiro na fase de montagem do novo governo, depois durante as costuras políticas com os partidos. Em ambos os casos, de algum modo o ministro da Casa Civil acabou desautorizado.

Desde a época em que dirigia o PT e mesmo quando optou recolher-se à presidência de honra, para que Dirceu tocasse as funções executivas do partido, Lula jamais assentiu dividir sua sombra, assim como nunca deu espaço para que pensassem por ele. Resultam desse estilo os atritos entre os principais cardeais do petismo, cada qual supondo uma liderança que nem sempre acabou convalidada por Lula.

No governo, a individualidade do presidente também se tem feito presente no dia a dia, com ora Dirceu acarinhado, ora Palocci, mas sem que um e outro recebam incumbências que os levem a trombar ou a ter de competir no interior da máquina pública e nas sensíveis relações com a base de partidos aliados.

À margem das desavenças, que são reais e explicam boa parte do risco país, o que vai se ter daqui para frente é uma ação mais decisiva do ministro da Fazenda e seus aliados pela aprovação da agenda de reformas pelo crescimento que está no Congresso, além de outras medidas em gestação. Mas como ação complementar à área de eficácia do ministro Aldo Rebello e em paralelo à atuação de Dirceu na coordenação ministerial.

Como a probabilidade de choques é grande, por reunir atores e interesses diversos, a coordenação entre estes três pólos de ação do governo terá de ser intensa, sem nunca transparecer que algum lado momentaneamente esteja em vantagem sobre os outros. Tudo sob o olhar de Lula e as intrigas palacianas. Decididamente, este não é um governo fácil.

Corda para enforcar

Por falar em choques e desavenças internas, continua provocando perplexidade no Ministério da Fazenda e pastas correlatas, como a do ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, a crescente autonomia do BNDES. Surpreende, em especial a decisão de criar sete câmaras setoriais e 43 grupos de trabalho, cada um para um setor ou segmento empresarial, formando a cabeça de uma política industrial que se imaginava legislada no âmbito do governo.

A sem cerimônia do BNDES de Carlos Lessa e Darc Costa chocou mais ainda com a exigência de ambos de se apresentarem ao conselho de administração de empresas abertas nas quais o banco é sócio e credor. Isso é conflito de interesse na veia, uma irregularidade até à luz da Lei das SA. Vão acabar enforcados na própria corda.’



O Globo

‘The Economist’: Brasil é gigante que se move’, copyright O Globo, 11/06/04

‘A revista britânica ‘The Economist’ publicou em sua última edição uma ampla reportagem sobre o Brasil, intitulada ‘Um gigante que se move’. O texto faz uma análise da política externa do governo Lula, afirmando que o país está mudando sua imagem de gigante gentil e introvertido.

A reportagem destaca o envio de tropas do Brasil para o Haiti e afirma que o país está realizando ‘um lance pelo status de grande potência’, questionando também que tipo de potência o Brasil quer ser.

Para a revista, os 1.200 soldados brasileiros enviados ao Haiti representam uma força pequena, mas de enorme significado simbólico.

O texto cita ainda a liderança do Brasil na criação do G-20, o grupo de países em desenvolvimento que está pressionando, além dos esforços do país para integrar o Conselho de Segurança da ONU.

Também são apontadas atitudes consideradas paradoxais em relação principalmente aos Estados Unidos. ‘Por um lado, o Brasil quer mitigar o domínio dos Estados Unidos em assuntos globais e dessa maneira incrementar a sua influência. Por outro, o novo ativismo do Brasil com freqüência, ainda que não sempre, coincide com os interesses dos Estados Unidos’, diz um trecho da reportagem.

A revista cita os casos da Venezuela, da Colômbia e da Bolívia, em que o Brasil se envolveu na busca de soluções para crises, como exemplo de iniciativas que coincidem com o desejo americano de estabilidade na região.

No final do texto, ‘The Economist’ cita o chanceler Celso Amorim, que afirma que num mundo dominado por blocos, a melhor opção para o país é cooperar o máximo possível com seus vizinhos e também com outros países em desenvolvimento.’



GAROTINHOS NO PODER
Zuenir Ventura

‘Quer dizer que o erro foi meu?’, copyright O Globo, 12/06/04

‘O secretário de Comunicação do governo, Ricardo Bruno, escreveu uma longa carta para provar que, ao contrário do que eu disse, ‘não há soberba, tampouco auto-suficiência nas atitudes da governadora Rosinha Garotinho’. O assessor acha que ela é humilde, soberbo sou eu; que minhas críticas não têm fundamento e que ela adotou ‘procedimentos absolutamente corretos’ durante a rebelião que resultou na chacina de mais de 30 presos. Quer dizer: o governo fez tudo certo, o errado sou eu?

Num trecho não publicado, ele me faz uma acusação leviana: ‘O colunista defende a submissão do estado aos ditames do narcotráfico, cujo comando deseja agora escolher a unidade prisional em que seus homens ficarão custodiados. Defende a separação das facções criminosas nos moldes propostos pelo crime organizado.’ Já que não escrevi isso, como se pode comprovar, fica a preocupação: se o porta-voz de Rosinha faz falsas afirmações mesmo sabendo que podem ser desmentidas facilmente, do que não será capaz se tiver a certeza de que não vai ser apanhado?

Por ironia, quem acabou adotando o que ele me acusava de defender- a separação nos ‘moldes propostos pelo crime organizado’ – foi na verdade o governo. Enquanto o secretário caprichava no texto, recheado de pérolas como ‘despautério’, ‘deletéria’, ‘ditames’ ‘inquebrantável niilismo’, o casal que nos (des)governa decidia o quê? Submeter-se aos ‘ditames do narcotráfico’ e separar as quadrilhas nos presídios de Bangu.

Mas não é por essa providência, pedida inclusive por um juiz e por defensores públicos, que Rosinha deve ser criticada, e sim pela arrogância de não tê-la tomado antes da chacina, sabendo que cabe ao estado manter a integridade física dos presos sob sua custódia, bandidos ou não. Como escrevi, é a ‘auto-suficiência cega’ que a faz afirmar com arrogância o que não tem condições de manter. É garantir que o sistema carcerário, em plena explosão, estava ‘absolutamente sob controle’. É resistir à separação das facções e ter que em seguida ceder, ao descobrir o que todo mundo já sabia: que são os traficantes que controlam os presídios, não o governo – e essa é a nossa triste realidade.

Para mostrar que Rosinha não é uma flor de arrogância, o secretário diz que ela ‘optou pela humilde decisão de rogar a um pastor para que intermediasse o fim da rebelião’. Justamente por isso é que roguei a ela que entregasse a Secretaria de Segurança a esse irmão, que foi capaz de, em nome de Deus, acabar em três horas com uma rebelião que Garotinho não conseguiu em três dias. Pelo menos nele o Senhor acredita.’