U2 & STONES NO BRASIL
Caçadores de Nobel
‘Adotando um cabelo rebelde, em que tudo tinha a vastidão das formas
selváticas, um cidadão chamado Gordon Sumner, vulgo Sting do The Police, foi à
ventura, nos anos 90: veio ao Brasil, acompanhado de um belga chamado Jean
Pierre Dutillieux, tentar demarcar as terras Ianomâmis. Obra supinamente
geopolítica, de uma geopolítica desigual, então austera (soube-se depois
irresponsável), mas logo infantil, por ela Sting queria nada mais nada menos que
levar um prêmio Nobel da Paz. Deu-se mal: seu sestro de rapagão bonzinho fez
seus discos despencarem nas vendas no Brasil, o tal belga ajudou a desviar um
milhão e meio de dólares do projeto, e o que seria um projeto para a humanidade
virou uma bandeira modestamente particular de Sting. Cortou o cabelo e se mandou
das hostes indígenas para todo o sempre.
No fundo subsiste esse sestro na cabeça de Bono Vox: quer ganhar o prêmio
Nobel da Paz. Nada mais. Entrou na posse do legado de Sting porque essa
gentalha, moralmente esfrangalhada porque não sabe o que fazer com seus milhões,
entra de cabeça nessa peleja filosófica que é ajudar o Terceiro Mundo num
discurso popularesco, enfiado no bom mocismo. São variações adjetivas da mesma
pulhice substantiva: melhor fez Jimmy Page, guitarrista do Led Zeppelin, que,
sem estar nem ao menos prestes a entornar bobagens nos nossos ouvidos, ajuda
comunidades carentes em Lençóis, na Bahia. Melhor fazia, sem adotar o estilo
difuso e derramado de Bono Vox, o David Gilmour do Pinky Floyd, que acordava
sozinho nas madrugadas, chorando de ódio por ter acumulado tanta grana, e
passava horas a assinar cheques para entidades assistenciais.
Lemos essa semana nos jornais sobre os lucros estratosféricos dos bancos, à
custa de juros impagáveis, nos dois sentidos do termo. Até pensava-se que Bono
romperia seu alarido final com gritas contra juros. Mas que nada. Percorrendo a
mídia vemos que seu discurso é o velho blá-blá-blá, que toca em todos os pontos
menos no próprio bolso. Ok, dirão: Bono fez campanha para que se perdoassem as
dívidas do Terceiro Mundo no FMI. Uai, por que, já que está tão metido na causa,
não meteu porrada nas taxas de juros? Sobre o que não se pode falar, deve-se
calar, notava Wittgenstein. Bono toca em todos os pontos no meio daquele
lufa-lufa de gentes, naquele cafarnaum de celulares acesos. Essa dedicação
especial a países que não lhe são familiares, a causas que no fundo não lhe são
parentas, ou a qualquer coisa que o fizesse partícipe da vida doméstica latina,
tem um quê de motivo secreto. Trata-se de um amor espúrio pelo próprio bolso via
atalho do populismo radical.
Há que se preferir Mick Jagger: sua causa hedonista o tornou dono de um
paroxismo, lorde condecorado pela rainha da Inglaterra. Suas idéias fazem-se
hábeis, sinuosas, estrondosamente surdas, porque postulam nada mais que rock and
roll. Lugar de roqueiro é na garagem, não no palanque. Que distribua sua grana
quando a quadragenária idade de suas contas bancárias o permitirem. E que poupem
o Terceiro Mundo de seus projetos de ganhar prêmios Nobel.’
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