Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Arthur Dapieve


‘Saí da Bienal do Livro convencido de que tornei-me, inquestionavelmente, uma culta e brilhante referência da literatura brasileira. A moça se aprochega e pergunta à outra: ‘Ei, aquele do lado do careca de óculos não é o Zuenir Ventura?’ O moço olha de longe e comenta com a namorada: ‘O sujeito de camisa do Santos na frente da mesa do careca de óculos é o José Roberto Torero…’ A referência. O careca de óculos. Eu.


Então, o Sílio Boccanera perguntou aos participantes de um Café Literário, Autran Dourado, Alberto Mussa, Paulo Henriques Britto e este careca de óculos aqui: ‘Há algum livro do qual vocês se envergonham de ter lido e gostado?’ Antes de me lembrar de ‘As pontes de Madison’, de Robert James Waller, vieram-me à cabeça e à ponta da língua duas coisas que não pega bem gostar em música: Claudinho & Buchecha e… Kelly Key.


A admiração pela dupla de São Gonçalo é antiga. Começou com o segundo de seus seis discos, ‘A forma’, produzido pelo DJ Memê em 1997. Podia ser irrelevante, pueril, podia ser uma versão pálida do funk carioca, mas, ora bolas, era uma delícia de se ouvir, desde a faixa de abertura, ‘Quero te encontrar’, imensamente popular pela veia pop saltada e pelos estalidos de Buchecha: ‘Quero te encontrar… Thã thã … Quero te amar…’


No mesmo CD, havia dois certeiros polaróides da vida sub-urbana carioca: ‘Toda linda’ e o diálogo introdutório na versão para ‘Uma noite e 1/2’. Na primeira, a musa da dupla era uma mulher avistada tomando sol de biquíni no Aterro do Flamengo, ‘loura gostosa, maravilhosa, toda cheirosa, maliciosa’. Na segunda, uma dona patroa reclama do volume em que Claudinho & Buchecha escutam o disco de Marina Lima e ameaça jogá-lo fora. ‘Só pra zoar’, os dois emendam um batidão na música. Tremendo barraco.


Antes e depois de ‘A forma’, os MCs alinharam sucessos capazes de vender invejáveis três milhões de discos: ‘Só love’, ‘Conquista’, ‘Xereta’, ‘Nosso sonho’, ‘Rap da união’ e ‘Tempos modernos’, de Lulu Santos, seu grande ídolo e fã. Infelizmente, em 2002, ano de lançamento do CD ‘Vamos dançar’, um acidente na Via Dutra deixou Buchecha sem Claudinho. Felizmente, as músicas da dupla continuam rodando por aí.


Em ‘Vamos dançar’, havia uma faixa delicada, ‘Fico assim sem você’, dos versos premonitórios ‘Amor sem beijinho/ Buchecha sem Claudinho/ Sou eu assim sem você’. Fez sucesso. Ao regravar a música de Cacá Moraes e Abdullah em ‘Adriana Partimpim’, a gaúcha bacana Adriana Calcanhotto teve a sensibilidade de captar-lhe a alma infantil e de adicionar-lhe camadas extras de melancolia por causa do destino de Claudinho.


Pensando bem, em se tratando dele e de Buchecha, talvez já nem pegue tão mal confessar a admiração. Eles não têm, nunca tiveram e nem almejaram ter o conceito, a contundência e a relevância de MV Bill, Mr. Catra, DJ Marlboro ou Tati Quebra-Barraco. Mas por fugazes seis anos de vida fonográfica os dois batalhadores do Salgueiro gonçalense várias vezes atingiram o Ponto P (de pop) do qual muita gente só ouviu falar.


Entretanto, gostar de Kelly Key, musicalmente falando, ainda é passível de processo em tribunais de bar. Arrolo como testemunha de defesa Marcelo Camelo, dos Hermanos, que certa tarde, durante um papo de chope e bolinho de bacalhau no Aurora, confessou-me o mesmo crime. Na época, eu achava apenas engraçado ‘Baba’ e ‘Cachorrinho’, mas já vislumbrava o potencial da dona boa. E ela nem tinha posado para a ‘Playboy’…


O sinal de alerta havia sido acionado por Alex Bellos, então correspondente dos jornais ingleses ‘Guardian’ e ‘Observer’ no Rio. Primeira pessoa a me falar dos Scissor Sisters, Bellos contou-me que um amigo dele, produtor da MTV européia, passara por aqui e dissera que, se cantasse em inglês, Kelly Key ia arrebentar no planeta. Ali tinha, pensei. A produção dos seus discos, porém, era tão ruim que não pude concordar de imediato.


Enfim, aos 22 anos, a ex-garota do Latino ganha um tremendo upgrade graças à produção modernizante de Plínio Profeta em seu novo CD, ‘Kelly Key’ (Warner). Claro, como cantora, Kelly continua fraca: lembra uma Xuxa – mas, bom ressaltar, uma Xuxa com sexo. Todavia, como produto, ela finalmente ganha uma embalagem à altura das sacadas pop dos seus compositores: melodias, arranjos e gravações são bastante bons.


A antes repetitiva Kelly agora se desdobra em estilos, do funk ao drum’n’bass. Nas bem-humoradas letras, ela dá um perdido no garoto que vai para a noite se atracar com outros garotos em ‘Bad boy’ (de Umberto Tavares e Gustavo Lins): ‘Um tremendo de um bobão/ Só pensa em sair na mão/ Parece mais um Zé Mané/ Vem e esquece da mulher’. Kelly veste a garota moderna em ‘O filme já vai começar’ (de Guto Spina): ‘Com a pipoca e os bilhetes na mão/ O telefone eu coloquei pra vibrar/ Vê se vem logo, não demora/ Que o filme já vai começar’. E, previsivelmente, Kelly encarna uma boneca em ‘Sou a Barbie Girl’, versão para o sucesso noventista ‘Barbie Girl’, do grupo dinamarquês Aqua.


Irrelevância por irrelevância, melhor ouvir Kelly Key rimando ‘facinho’ com ‘Papinho’ ou miando provocante em ‘Sou neném’ e ‘Tou te dando mole’ do que, como se estivesse tendo uma epifania, jogar os braços para o alto cada vez que o DJ toca Trem da Alegria e Turma do Balão Mágico. Porque, na cultura pop, o tempo é hoje. Sempre.’



HUMOR & JORNALISMO


Luís Pimentel


‘Humor sem fronteiras’, copyright Jornal do Brasil, 27/05/05


‘Este ano, os cariocas da gema ficaram de fora dos primeiros prêmios. Mas o campinense quase carioca Dalcio Machado, colaborador do Caderno B, ganhou o grande prêmio de charge – única categoria restrita a profissionais que tenham publicado na imprensa nos 12 meses que antecedem o festival. Dalcio é reincidente em Recife, pois fora premiado nos salões de 2001 e do ano seguinte.


Nos quadrinhos, outro paulista fez bonito. Com uma pungente historieta de duas páginas em preto e branco, com apenas uma providencial intervenção em vermelho, Leonardo Aragão conquistou o primeiríssimo lugar. E mais um grande artista de Sampa passou a perna nos demais, desta vez na categoria caricatura: com a bela e rascante carica do percussionista baiano universal Naná Vasconcellos, Júnior Lopes embolsou a grana do prêmio. O primeiro lugar em cartum foi parar na Romênia, entregue ao veterano em salões de humor mundo afora Pavel Constantin. A menção honrosa na categoria também foi para o exterior, entregue ao turco Yavuz Mamac.


Receberam outras menções no VII Festival Internacional de Humor e Quadrinhos de Pernambuco os mineiros Evandro Alves (charge) e Marcelo Lélis (quadrinhos), além do paulistano Marcos Muller (caricatura). O FIHQ-PE é promovido anualmente pela Secretaria de Educação do Governo de Pernambuco e pilotado pelo chargista e cartunista Lailson de Holanda, também colaborador deste caderno.’