Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Aydano André Motta

‘Ô raça de gente malvada, tal de brasileiro. Há, como diz o Ancelmo, uma crise moral no país, e esse povo passa o tempo fazendo piada em blog, em e-mail, na TV, nas esquinas, em todo lugar. Até transformar a terra que um dia foi todinha de técnicos de futebol numa nação de humoristas. Dá até para lembrar sua excelência Luiz Inácio ao microfone: ‘nunca na história deste país’ uma crise rendeu tanto riso, tanta perversidade divertida com políticos cabeludos, malas estufadas, publicitários carecas, cuecas dolarizadas, secretárias rancorosas, tesoureiros barbudos… Decepções à parte, está todo mundo achando mais graça do que deputado com bolso cheio de mensalão.

Opinião de gente sem espaço nos meios tradicionais

A crise até causa uma tristeza cívica, provoca a maior ressaca institucional nos brasileiros fiéis àquela religião do ‘agora vai’. Mas nem por causa disso vai-se perder a piada, ainda mais com a coleção de personagens bizarros e histórias inacreditáveis que nos oferece o noticiário. Às vezes até atrapalha:

— O Brasil é cada vez mais, como diz o Zé Simão, ‘o país da piada pronta’ e não acho que isso seja bom para o humorista — aponta Tutty Vasques, do site ‘no mínimo’. — No episódio da cueca, por exemplo, a piada estava pronta nas manchetes. Se continuar assim, logo, logo estaremos todos desempregados — prevê ele, apontando uma frase como a melhor piada da temporada: ‘A culpa é do Gabeira, que mandou soltar o Zé Dirceu’.

Podia ser a da dona da Daslu, presa, contam as ruas, porque ia lançar a cueca com bolso. Ou a que lembra: o que é blindado afunda mais rápido. Ou, diretamente da vida real, o nome do ex-tesoureiro do PL: Jacinto Lamas! Essas e outras espalham-se pelo mundo, transformando todo piloto de computador num humorista. E revelando talentos como o publicitário (a profissão da moda) Antonio Pedro Tabet, do Kibe Loco. Todo dia, cerca de cem mil internautas aterrissam no site para rir de pérolas como a ilustração acima.

— Somos de um veículo novo. Pela primeira vez, temos acesso à opinião de gente sem espaço nos meios de comunicação tradicionais. É uma democracia do saber — opina. — E, na política, nunca vi um momento tão fértil, com tantos personagens, histórias e reviravoltas.

Para arrematar, a comparação com um gênero da TV:

— Parece uma gigantesca novela mexicana. Veja os nomes da turma: Roberto Jefferson, Fernanda Karina, Marcos Valério, Delúbio Soares…

Todos personagens, junto com Lula, os Josés Dirceu e Genoino, Delúbio e etc, do traço de Zérramos, cartunista que é o alter ego do contador paulista José Aparecido Ramos, de 56 anos. Fã de quadrinhos, ele discorda dos que vêem o humor como alienação:

— Chamamos a atenção provocando sorrisos. O humor é tão sério quanto a tragédia — prega ele, que, como quase todos os outros, não ganha nada pelos desenhos do blog.

É voluntário também o trabalho de uma celebridade instantânea do humor da crise: o Vizinho do Jefferson. Publicitário (de novo), 44 anos, Ricardo Serran Lobo criou o blog porque mora mesmo em frente ao detonador da confusão e resolveu contar ao mundo os fatos que vê da janela. No começo, era bem-humorado, mas hoje a revolta ‘contra isso tudo que está aí’ tomou conta.

— Teria orgulho de ser vizinho do Pedro Simon — conta, decepcionado com quase todos os outros políticos, o elenco que virou inspiração às grandes piadas da República.’



Tutty Vasquez

‘Deus salve os humoristas!’, copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 16/7/05

‘A cueca do assessor parlamentar cearense, o carequinha de Belzonte, o olho roxo do cadeirudo carioca, a ex-secretária linguaruda, o homem chamado dilúvio, o ex-guerrilheiro de saia justa, o PFL indignado com o estado de coisas a que chegamos, tudo isso, reconheço, é muito engraçado, nunca vi o Brasil se divertir tanto com uma crise. ‘Sabe a última do PT?’ Neguinho se escangalha de rir com o noticiário político. O que antes servia de matéria-prima para o trabalho dos humoristas virou produto final de obra cômica acabada. Desde o advento do mensalão, a piada dispensa foro próprio de apresentação, virou manchete.

Não sei se os colegas Zé Simão e Agamenon Mendes Pereira já se deram conta disso, mas o governo Lula está acabando com a nossa razão de ser. Logo, logo as empresas jornalísticas vão perceber que investir em profissionais de humor é jogar dinheiro fora. Que os poderosos chefões da imprensa não me ouçam, mas nada justifica manter na folha de pagamento dos grandes veículos de comunicação especialistas em quebrar a dura realidade do noticiário com um pouco de graça livremente inspirada nos fatos. Nos pagam para isso, pra transformar indignação em deboche, aborrecimento em diversão, fim do mundo em anedota. Hoje em dia, francamente, só os muito idiotas ou corruptos não conseguem achar graça na desgraça sem a ajuda de terceiros.

Isso é outra coisa me incomoda muitíssimo no gênero de humor que a era Lula suscita: afora as 16 pessoas de bem de meu relacionamento, todo cretino que conheço anda rindo à toa, inclusive das bobagens que escrevo. Desde que o PT transformou a ética em espetáculo de videocassetada, a turma que vive escorregando na desonestidade está se sentindo à vontade. Com a queda do último símbolo da moralidade nacional, ficou mais fácil aceitar a idéia de que todos nós somos iguais: mentirosos, ardilosos, inescrupulosos, cínicos, espertos, caras-de-pau e debochados. Não somos, mas, não há como negar, estamos todos pela primeira vez rindo da mesma piada, o que para os humoristas é muito grave. A boa anedota é aquela que divide, faz rir a uns, irrita outros. Quanto mais irrita uns, mais faz rir a outros, e vice-versa

O Brasil – tal qual o papagaio e o português – virou piada de salão. Todo mundo tem uma pra contar. ‘Sabe a última da cueca do assessor do irmão do Genoíno?’ Tenho recebido pencas e pencas de sugestões de leitores. As anedotas são tão óbvias, tão facilmente elaboradas nas leituras do noticiário, que todo brasileiro está se achando humorista. O Brasil da era Lula virou um país de piadistas. Basta ter acesso a computador conectado à rede para achar que ficou mole, mole ganhar a vida dizendo gracinhas sobre a crise do governo Lula.

Isso quer dizer o seguinte: não há mais espaço para quem leva a sério o humor no Brasil. A piada se mediocrizou, está aí ao alcance de qualquer um. Não à toa Jô Soares abriu espaço em seu programa para comentários políticos. Eu também estou pensando em diversificar, talvez tenha algum futuro como editorialista do ‘Estadão’. Será?’



TODO MUNDO
Vinicius Torres Freire

‘Quando Valério vai à Daslu’, copyright Folha de S. Paulo, 18/7/05

‘SÃO PAULO – A série de episódios degradantes da vida pública e empresarial culminou na semana passada com a disseminação da teoria do ‘todo mundo faz’. ‘Todo político tem caixa dois’. ‘Todo empresário sonega’. Próceres do mundo da política e da empresa prestaram homenagem ao sistema de máfias.

Viu-se como é vasta a cínica conivência com a farsa institucional que é o país, embora tanta gente se vire para viver honestamente em meio à canalha. Pefelês da gema, petistas e tucanos ‘éticos’, Fiesps, tantos elogios à ‘gente que faz’ (caixa dois, fraude fiscal). Isto é, gente que alimenta, quando não comete, crimes ainda piores do que a ‘mera’ sonegaçãozinha ou caixinha política.

Essa ‘gente que faz’ provoca desordem de instituições como mercado e república. A sonegação, assim como cartéis, dumping e violação de direitos do trabalho, solapa a competição capitalista, base da utilidade do sistema de mercado: a busca da eficiência econômica, que é o que produz melhorias no padrão de vida.

O caixa dois, por sua vez, é a base da pirâmide de apropriação indébita de bens públicos. Tem origem na corrupção do mercado (pois é dinheiro sem registro), pressupõe o retorno do favor, em forma de saque da república, o que de resto desvirtua a ação dos partidos e induz a captura de instituições públicas por interesses privados (ademais da pior espécie).

Sonegação não é vício pequeno. É crime organizado, da qual participam grandes empresas, consultorias, advogados, como têm mostrado reportagens de Claudia Rolli e Fátima Fernandes nesta Folha: um esquema 200 vezes maior que o da Daslu, 50 vezes maior que o do Valério-PT, em que empresonas fingem exportar soja e açúcar (sem lidar com o produto) a fim de sonegar imposto.

A sonegação é um sistema. Alimenta outros sistemas, como o de lavagem de dinheiro, centro operacional e financeiro do narcotráfico, do contrabando e de quadrilhas conexas, além de prestador de serviço para corruptores diretos do Estado e para o financiamento da canalha política.

Férias: este colunista vai fazer as malas (de roupas) e fingir por um mês que o Brasil não existe.’



DASLU
Alberto Dines

‘Bastilha, brioches e terror’, copyright Último Segundo, 15/7/05

‘Comparação inevitável: Lula em Paris, o ministro-menestrel de relações exteriores, Gilberto Gil, ovacionado na turnê de shows e a França curvada diante do Brasil – exatamente no dia 14 de Julho, 216 anos depois da queda da Bastilha, presídio – símbolo do absolutismo francês.

É nossa, porém, a primazia de lembrar a Revolução à Francesa – nós a comemoramos antes, dia 13, quando a tropa dos federais invadiu a Daslu, loja-paradigma da nossa prosperidade visando aprimorar a revolução à brasileira.

Como sempre acontece quando grã-finos e celebridades estão em pauta, a intensidade do barulho é maior do que o tamanho real do escândalo. A maioria dos jornais reconheceu a gravidade das infrações fiscais cometidas na Catedral do Consumo mas a elite endinheirada não gostou do ‘show de pirotecnia’. Na realidade, a elite endinheirada não gostou do show de eficiência – apenas dois meses depois da deslumbrada inauguração do lojão, os federais da Polícia e da Receita conseguiram pegar os infratores com a boca na botija.

Os ricos votaram em Lula, era chique, mas os novos ricos não gostam de sentir-se ameaçados. Imaginam que tudo podem, por isso, assanham-se quando descobrem que são cidadãos como os outros.

É ridícula a indignação do empresário Paulo Skaff, presidente da FIESP, eleito com o apoio acintoso do ex-ministro José Dirceu, hoje em desgraça. O industrial-sem-indústria não revoltou-se quando os federais deslancharam a Opera Curupira na qual foi preso, algemado e fotografado um engenheiro-florestal, profissional exemplar, inocentado uma semana depois.

Os investidores estrangeiros não se assustam com estas operações para colocar a casa em ordem, o que os afugenta é justamente a corrupção desbragada, a rotina dos subornos e propinas. Empresário estrangeiro exulta com a PF (Polícia Federal) e abomina o PF (Por Fora).

A doidivanas Maria Antonieta, quando soube que o povo queria pão, mandou que comessem brioches. Os sócios da Daslu tentam sossegar os que se indignam com o luxo do seu templo e colocaram um crucifixo no logotipo.

Sosseguem os neo-democratas: a Operação Narciso não fere o Estado de Direito. O que ameaça as liberdades, os direitos, a ordem e o progresso é o vandalismo que começa a manifestar-se com insistência ao lado das reivindicações salariais e ações sindicais. Os quebra-quebras estão virando moda, esta é uma moda que o governo precisa coibir. Castigar sonegadores só reforça a sensação de igualdade, mas a complacência com a violência privilegia os desordeiros.

Seis dias depois do incêndio da Bastilha, a França foi sacudida pelo ‘Grande Medo’, responsável em parte, pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada 12 dias depois. A onda de saques não aplacou a fome, ao contrário, exacerbou-a. Em seguida à decapitação do rei e da rainha (em 1793), começou o Terror, suplantado logo depois pelo Grande Terror que dividiu a França ao longo de dois séculos.

Distraídos pelos escândalos e pelo forró parisiense, nossos políticos e governantes não prestaram muita atenção à nova fase do Terror moderno – o islâmico. Os donos dos nossos destinos preferem sempre a corda-bamba politicamente correta e moralmente abjeta, esquecidos de que os homens-bomba de Londres eram cidadãos britânicos que assassinaram 54 compatriotas, diferentemente dos comparsas alienígenas que destruíram o WTC em Nova York.

Isto significa que a violência política está sendo exportada do Oriente e implantada nacionalmente. A primeira ação foi justamente num país democrático, modelo de acolhimento de minorias.

Num cenário mundial dominado por massacres e o terror político, a Daslu é irrelevante. Se a empresa mostrar-se incapaz de sobreviver honrando os seus compromissos fiscais, deve fechar as portas. A Louis Vuitton ou a Burberry não sofrerão grandes prejuízos e os seus mil empregados serão facilmente absorvidos pelo mercado de trabalho.

Perigosa é a combinação de um governo encurralado e um presidente popular. O modelo no caso não será Luis XVI mas Hugo Chávez – enredo de uma escola de samba carioca no próximo Carnaval.’