Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Barbara Gancia


‘Estão de palhaçada conosco. Começou a circular na quarta-feira, na internet, um abaixo-assinado a favor de José Dirceu que traz os nomes de 91 (só isso?) ‘artistas e intelectuais’.


O texto que acompanha as assinaturas parece ter sido redigido por turistas marcianos. Pinço alguns dos trechos mais cômicos a fim de atiçar o riso do leitor que acompanha a crise política desde o surgimento das fitas gravadas com um funcionário dos Correios recebendo propina.


O manifesto começa falando em ‘escalada para colocar no banco dos réus o governo Lula e o PT’, como se as gravações com o funcionário dos Correios (ou com Waldomiro Diniz, se preferir) e toda a lama que veio no rastro não tivessem partido de dentro do governo Lula ou de gente que fazia negócios com o governo.


Para os ‘artistas e intelectuais’ que assinam o documento, ‘um clima de rancorosa euforia tomou conta das forças oposicionistas. Não hesitaram em classificar e reinterpretar os fatos de acordo com suas conveniências’. Sei, sei. Mas se Waldomiro Diniz, Delúbio, Silvio Pereira, Gushiken, Genoino e o próprio Dirceu foram afastados de seus cargos exclusivamente por obra do rancor das ‘forças oposicionistas’, na melhor das hipóteses, deve ter faltado aos que capitularam estofo para ocupar os cargos que ocupavam. E, se tudo não passa de artimanha da nefanda oposição, por que Lula foi à TV pedir desculpas e se dizer traído?


Afirma ainda o abaixo-assinado marciático que não há contra Dirceu ‘indícios materiais que o vinculem aos recursos irregulares’. Quer dizer que, de acordo com o delírio da ‘inteligentsia’, provas não são suficientes para cassar mandatos. Só os políticos colhidos em flagrante delito podem ser cassados, é isso?


É fácil deduzir que muitos ‘artistas e intelectuais’ assinaram o manifesto movidos por amizade ou por dever favores ao homem a quem Lula chamava de ‘capitão do time’. Mais difícil é engolir essa ‘buona gente’ jogando a culpa no ‘ódio dos que sempre foram inimigos das causas que [Dirceu] abraçou’, quando o presidente Lula é o maior interessado em agilizar o processo de cassação de seu ex-Dunga.


Alô, Fernando Morais, Pedro Paulo Sena Madureira, Luiz Gonzaga Belluzzo, Caio Rosenthal, Hildegard Angel, Cláudio Tozzi e Luiz Carlos e Lucy Barreto! Caiam na real. Em última instância, o ‘capitão’ responde pelos erros do ‘time’. Ou será que vocês prefeririam ver Lula a caminho do cadafalso no lugar de Dirceu?’



Eliane Cantanhêde


‘‘Sai daí, Zé!’’, copyright Folha de S. Paulo, 28/10/05


‘Como o PT sempre fez ao longo dos anos, José Dirceu vive se declarando uma vítima da direita, das elites, da mídia e de interesses escusos. Sem direito a defesa.


Pois bem. Foi o deputado Chico Alencar (RJ) quem disse ontem, no Conselho de Ética da Câmara: ‘Nunca vi ninguém neste país ter tanto direito à defesa quanto José Dirceu’. Professor carioca, com muitos anos de PT (que acaba de trocar pelo PSOL), Alencar não pode ser confundido com a direita nem com as elites. Apenas disse a verdade.


Dirceu tem tido amplo direito a defesa. Entrou com recursos na Justiça, no Conselho, na CCJ e ontem mesmo ganhou sobrevida graças ao Supremo. A mídia lhe dá espaço e voz todo dia, e a Folha publicou a íntegra de sua carta aos deputados e mais quase duas páginas de entrevista.


Apesar disso, ele vem perdendo todas no Congresso e foi condenado pelo Conselho de Ética por 13 votos a 1 (da petista Ângela Guadagnin). Só falta o plenário.


Na versão do réu, que se faz de vítima, seus inimigos não lhe perdoam o passado. Mas é o contrário: ‘O Zé não está sendo condenado por sua biografia. Não está sendo cassado pelo que representou, mas pelo que deixou de representar’, disse Alencar, lamentando seu próprio voto como ‘triste e trágico’.


É justamente esse o sentimento no Congresso: Dirceu precisa ser cassado, merece ser cassado e vai ser cassado, mas isso é dramaticamente triste e trágico no caso de um político com sua biografia e toda sua luta.


No passado, Dirceu registrou a disposição de ir às últimas conseqüências por um mundo mais justo. No presente, aderiu ao vale-tudo para manter o poder pelo poder. No futuro, é uma incógnita.


Pela tradição, cassados somem do mapa -como Roberto Jefferson, pivô da atual crise. Mas, pela história e pela personalidade de Dirceu, o provável é que ele morra no Congresso num dia e ressuscite para a revanche no outro. Salve-se quem puder.’



O Estado de S. Paulo


‘Manifesto ataca ‘ato de injustiça’ contra deputado’, copyright O Estado de S. Paulo, 28/10/05


‘Convencidos de que o deputado e ex-ministro José Dirceu (PT-SP) é vítima de acusações sem provas, um grupo de 90 pessoas lançou um manifesto em favor do petista. Intitulado ‘Em defesa da democracia e da Constituição – cassação do deputado José Dirceu é um ato de injustiça’, o documento foi levado à CCJ anteontem pelo ator José de Abreu e pelos escritores Fernando Morais e Consuelo de Castro. Endossam o texto o jurista Dalmo Dallari, o ator Gianfrancesco Guarnieri e e o cartunista Ziraldo, entre outros nomes conhecidos. Eles defendem a tese do ex-tesoureiro Delúbio Soares, de que o caixa 2 do PT foi montado para pagar dívidas eleitorais, não mensalão.’



CRISE POLÍTICA


Silvana Arantes


‘Documentário francês ‘blinda’ Lula’, copyright Folha de S. Paulo, 28/10/05


‘Há fraudes no programa ‘Fome Zero’, por ‘culpa do povo brasileiro, não do [presidente] Lula, que dá a quem necessita’.


A afirmação feita por Antônio de Mello Pereira, primo de Lula da Silva, no documentário francês ‘Lula – La Gestion de l’Espoir’ (Lula, a gestão da esperança), é seguida de exemplos.


‘Aquele ali todo mês faz fila para receber R$ 50. Ele tem vacas, vende carne, até vai de charrete ao mercado’, diz Mello Pereira. A câmera acompanha um homem grisalho numa feira, no interior de Pernambuco.


‘Conheço muita gente que não precisa, mas dá um jeito de receber’, diz o primo do presidente.


Filmado em janeiro e fevereiro passados pelo diretor Gonzálo Arijón para o canal franco-alemão Arte, o filme está na programação da 29ª Mostra de SP.


No local em que Lula vivia em 1952, Mello Pereira afirma: ‘Há três anos ele esteve aqui. Pegou um punhado de areia na mão e disse que a terra não tinha mudado’. Entram imagens de Lula ao lado do irmão Vavá, suspeito de fazer lobby para empresários.


‘Ele [Lula] prometeu consertar isso, trazer a água do rio São Francisco’, diz Mello Pereira.


De Pernambuco, o filme segue para São Paulo. ‘Refizemos o trajeto de Lula, para medir o caminho imenso e caótico que lhe falta percorrer -uma via estreita onde se confundem incessantemente os interesses econômicos e a esperança’, diz o diretor.


O Brasil é apresentado como ‘campeão do mundo no futebol e na desigualdade social’ e Lula, como o presidente que o país ‘não ousou sequer imaginar’.


Da propaganda eleitoral de 2002, o filme resgata a frase do candidato Lula da Silva: ‘O problema da fome no Brasil não é de falta de comida. É de falta de vergonha de certos governantes’.


De seu discurso no Fórum Econômico de Davos, em janeiro passado, surge o trecho: ‘Propus um fundo sobre a transação de armas no mundo, mas poderia ser sobre transações financeiras, sobre o comércio mundial ou sobre o dinheiro que está nos chamados paraísos fiscais’.


O filme termina com o Sem-Teto Carlos Braga Silveira afirmando, enquanto remexe o lixo nas ruas do Rio, que ‘Lula, sozinho, não pode fazer as coisas’.


Antes da de Silveira é a voz de Caetano Veloso que ecoa, na canção ‘Amanhã’ (‘amanhã/ mesmo que uns não queiram/ será de outros que esperam/ver o dia raiar’).’



TODA MÍDIA


Nelson de Sá


‘O bloco na rua’, copyright Folha de S. Paulo, 28/10/05


‘Dias atrás, o ‘Financial Times’ lamentou a derrota no Congresso da MP do Bem, ‘a mais importante iniciativa legislativa do ano’, como mostra de que Lula não havia se recuperado dos meses de crise.


Agora a nova versão da medida provisória, que segundo a Globo ‘reduz o peso dos impostos para empresas e cidadãos e é fundamental para atrair novos investimentos para o país’, passou no mesmo Congresso.


E tome elogios no ‘JN’, do ministro Luiz Furlan ao governador Geraldo Alckmin.


Foi manchete nos telejornais e ecoou pelo mundo, nos sites do ‘Wall Street Journal’ etc.


Mas não, ao menos na Globo, nada de ouvir Antônio Palocci, o ministro da Fazenda.


Ele continua a dar boas notícias para Lula, com suas negociações pelo país -e com as últimas do Banco Central, como a nota do Comitê de Política Monetária que desenhou um ‘cenário benigno de inflação’, no destaque da agência Reuters.


No título postado no blog de Fernando Rodrigues, ‘Copom otimista é bálsamo para o projeto de reeleição de Lula’.


Ao que parece, no projeto de reeleição, o ministro da Fazenda também não tem mais o monopólio da atenção do presidente. Na manchete do jornal e do site do ‘Valor’:


– Núcleo político do governo se opõe a novo ajuste fiscal.


E no enunciado do jornal e do site da ‘Gazeta Mercantil’:


– Ajuste fiscal causa polêmica entre ministros.


Para o ‘Valor’, ‘após a reforma ministerial e a substituição de José Dirceu por Dilma Rousseff na Casa Civil, a ascendência de Palocci sobre o presidente Lula já não é a mesma’.


Ou ainda, ‘a discussão sobre o pacote fiscal provocou um racha entre a equipe econômica e os ministros que integram o ‘gabinete de reeleição’ do presidente’, a começar de Dilma.


A ‘Gazeta Mercantil’ também contrapôs Dilma Rousseff à equipe econômica, mas sem apresentar a ministra, depreciativamente, como chefe do tal ‘gabinete de reeleição’.


E o PT foi ontem à televisão com depoimentos dos principais candidatos a presidente da legenda, de Raul Pont a Ricardo Berzoini, mais Tarso Genro, e sobretudo com muitas comparações dos governos Lula e FHC.


No título postado pelo blog de Josias de Souza, sobre o programa e tudo mais, ‘PT põe bloco Lula 2006 na rua’.


NO RIO NEGRO Não bastassem os furacões nos EUA, os partidários do aquecimento global assistiram assustados à seca na Amazônia. E ontem, na Globo, nada menos que um ‘twister’, um tornado ou ainda, na locução global, uma ‘tromba d’água sobre o rio Negro’. As cenas foram gravadas na quarta-feira por duas crianças, na praia de Ponta Negra, em Manaus


Quem vai sobrar?


Do blog de Jorge Bastos Moreno, no Globo Online:


– Tasso Jereissati acaba de ligar para o petista Tião Vianna: ‘O programa do PT vai ser todo contra o PSDB. Se é guerra, vamos começar agora’.


E assim vai o confronto de ameaças, com Eliane Cantanhêde descrevendo na Folha Online que ‘a guerra dos irmãos PT e PSDB nunca esteve tão feia’ e Helena Chagas se perguntando, no Globo Online:


– Olho por olho, dente por dente, quem vai sobrar?


Para registro, o mesmo Blog do Moreno noticiou ontem que, ‘por mais que desmintam, os tucanos ficaram revoltados porque Eduardo Azeredo escondeu de todos a existência do cheque de Marcos Valério’.


Superacareação


Foi mais um dia sem fim de acareação nos dois canais de notícias. Na escalada do ‘Jornal Nacional’, depois:


– Acusados de ‘mensalão’ ficam frente a frente, mas não esclarecem contradições.


Reação do blog de Josias de Souza, na Folha Online:


– Nada de novo sob o Sol. Festival de repetecos. Nas declarações e no visual. Valério continua calvo. Delúbio ostenta o mesmo olhar de peixe morto. O cinismo é geral irrestrito. Desse mato não vai sair coelho.


E do blog de Ricardo Noblat no iG, perdendo a paciência com a ‘superacareação’:


– Se está faltando notícia, recicle as velhas…’