Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Beatriz Coelho Silva

‘Ele é a cara do Jornal Nacional, estava lá no início e ficou durante 27 anos. Está afastado desde a década passada, mas ainda é lembrado e sente saudade da época em que o País parava para ouvir o seu ‘boa noite’, que ele repetiu mais de 8 mil vezes. Aos 77 anos, Cid Moreira é locutor do Fantástico e dedica-se à gravação da Bíblia, que já vendeu 30 milhões de CDs. ‘Eu saí porque eles me pediram, mas gostaria de ainda estar lá’, confessou Cid ao Estado, numa conversa em que ele relembrou como tudo começou, há 35 anos.

Estado – Como foi a primeira edição do Jornal Nacional?

Cid Moreira – Foi tensa porque as condições técnicas eram muito piores. A bancada era de compensado e o texto vinha mimeografado. A tinta saía à toa e, muitas vezes, quando o jornal ia entrar no ar, a gente estava com o rosto sujo. Não havia o teleprompter e eu decorava o finzinho do texto para falar olhando para a câmera. Os primeiros que chegaram ficavam no alto e todo mundo ficava com o olho branco porque tinha que ler olhando para lá. Foi o Heron Domingues quem notou isso.

Estado – Como você se tornou o apresentador do ‘Jornal Nacional’?

Cid – O Luiz Jatobá se desentendeu com a Globo. Ele apresentava o jornal que havia antes e, ao ler uma notícia com a qual não concordava, manifestou sua opinião. Corrigiu-se no dia seguinte, mas reclamou no ar. Aí nós trocamos de emprego, eu vim para o lugar dele e ele foi para o meu, como locutor na Bandeirantes.

Estado – Quais as passagens mais felizes e as mais difíceis para você?

Cid – A melhor notícia que dei foi o fim da ditadura, quando acabou o Ato Institucional n.º 5. E a pior foi ter que falar mal da emissora quando o (Leonel) Brizola foi eleito governador pela primeira vez. Ele não aceitou uma notícia que li e obteve direito de resposta.

Estado – Até que ponto você influía na notícia ou no texto que lia?

Cid – Muito pouco porque era diferente de hoje em dia. E eu tinha outras atividades, gravava muito comercial, apresentava eventos. Por isso, em 1985, quando me ofereceram o cargo que hoje é do Willliam Bonner eu recusei.

Preferi continuar só apresentando o Jornal Nacional.

Estado – Como você passou para o ‘Fantástico’?

Cid – Quando saí do Jornal Nacional, fiquei sem função, meio aposentado.

Então, me ofereceram apresentar o Mister M, e eu gostei muito porque me coloquei no lugar do garoto que quer adivinhar como se fazem as mágicas. Eu saí porque me pediram, mas gostaria de ainda estar lá, até porque considero o Bonner um ótimo profissional. Mas ele tem uma vantagem. Quando dividi a bancada com o Sérgio Chapelin, todo mundo confundia nós dois. Com a Fátima Bernardes, ele não corre esse risco (risos).’



Cristina Padiglione

‘‘Voltamos a valorizar a vocação original do JN’’, copyright O Estado de S. Paulo, 5/09/04

‘Apresentador do Jornal Nacional desde 1996, William Bonner, que se tornou editor-chefe em 1999, é o emblema da maior ruptura já promovida na bancada do noticiário mais visto do País.

Estado – Que diferenças você apontaria entre o ‘JN’ que você herdou e esse de hoje?

William Bonner – Entrei em abril de 1996 como apresentador. Só fui me tornar editor-chefe em setembro de 99. Eu diria que o JN nessa gestão (a partir de 99) dá um foco prioritário às notícias do dia e pega temas de complexidade maior para explorar em séries especiais de reportagens. Nós voltamos a valorizar a vocação original do JN, que é de privilegiar o factual, a notícia do dia.

Estado – Quando apresentavam o ‘JN’, Cid e Chapelin, que não se envolviam na pauta, eram cobrados nas ruas pelo que diziam no ar. Você acredita que o público percebeu a diferença da troca de locutores por jornalistas?

Bonner – Não acredito que as pessoas vejam muita diferença. O Cid Moreira e o Sérgio Chapelin se estabeleceram à frente do JN porque tinham credibilidade. Se eles construíram o nome do JN com base na credibilidade é correto imaginar que o público médio via nos dois os responsáveis pela confecção do jornal. Quando se trocou isso por uma dupla que não brilhava como eles, o público talvez não tenha compreendido bem: trocaram seis por meia dúzia? Eu poderia citar aqui as duas coberturas de 2002, a cobertura eleitoral, em que candidatos à Presidência se viram entrevistados no cenário do Jornal Nacional pelos dois apresentadores, que participam do processo, e a Copa do Mundo, com a Fátima ancorando o Jornal da Coréia, do Japão, ao vivo. Aí, faz diferença.

Estado – Você tem alguma percepção de que o mercado publicitário tenha assimilado isso antes do público?

Bonner – Não tenho. A minha visão não é mercadológica no sentido comercial.

Quero muito que o Jornal Nacional seja visto porque, lamentavelmente, no nosso país há um porcentual importante da população que não tem acesso a informações, não compra revistas, não lê jornais, e ali (no JN) está o contato dela com o exterior. Daí a preocupação em fazer um jornalismo o mais objetivo possível para que o público consiga construir a opinião dele sem que ela seja tutelada pela nossa opinião.

Estado – Alguns apresentadores às vezes retocam a cor dos cabelos. Você vai deixar essa sua mechinha branca se alastrar?

Bonner – (risos) Não sejamos injustos com o meu cabelo. Eu tenho uma mecha branca há 11 anos, ela só fez crescer. Há exatos 10 anos, o seu Fausto Silva insistiu tanto, (imita o tom de Faustão) ‘você é jovem demais, pô, não pode ficar com esse cabelo, tem que pintar’. Pintei. Até que um dia, um cara que controlava a qualidade de cores no vídeo chegou pra mim e falou: ‘Bonner, você sabe que eu sou daltônico?’ Eu disse: ‘não, não sei.’ Como é que um cara que controla a qualidade de cores pode ser daltônico? Até hoje não sei se ele estava brincando. E aí ele disse: ‘Mas eu tô vendo lá uma coisa, é… Vermelha no teu cabelo?’ ‘Pode ser’, eu respondi. E nunca mais tingi meu cabelo.’

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‘Livro expõe bastidores de méritos e erros do ‘JN’’, copyright O Estado de S. Paulo, 5/09/04

‘Você assiste ao Jornal Nacional quase sem perceber o que mudou de ontem para hoje, ou de hoje para 10, 20, 30 anos atrás. Exceção à saída de Cid Moreira da bancada, em 1996, toda reforma feita em cena é sutil o bastante para não afastar o telespectador daquele que é o programa mais tradicional da TV brasileira – muito mais que novela das 8, que, bem ou mal, traz uma história diferente a cada seis meses. Aliás, a novela das 8 hoje é às 9, e o JN, que antes valia para anunciar quando o relógio batia precisamente 20 horas, agora só entra nesse horário em temporadas de propaganda eleitoral gratuita.

De minuto em minuto de atraso, o JN foi parar na faixa das 20h15. E, de grão em grão, o Jornal Nacional mudou um bocado, sim. A transformação de fato não está estampada no cenário hi-tech de Fátima Bernardes e William Bonner, em detrimento do compensado que fazia fundo para Cid Moreira e Hilton Gomes, a primeira dupla a comandar o jornal.

Embora o livro em tributo aos 35 anos do programa diga que não tem a pretensão de contar a história do País e do mundo nesse período, é na transformação do contexto histórico – da censura à democracia no Brasil, das ditaduras e muros que vão despencando em outros cantos – que as mudanças mais latentes no noticiário vão se rascunhando.

Desculpe a nossa falha – Mais do que refletir sobre seus erros e acertos, o livro tenta dar aos profissionais que fizeram a história do JN a chance de se explicar. Não é pouca coisa. A interminável discussão sobre a autoria da edição do debate entre Fernando Collor e Lula no segundo turno da eleição presidencial de 1989 exibida no Jornal Nacional é o ponto mais delicado. A publicação traz depoimentos de todos os profissionais envolvidos naquele episódio, mas não se atreve a tirar uma conclusão sobre o que de fato ocorreu naquele JN de 15 de dezembro de 89: na edição de imagens e frases feita para o noticiário, Collor aparecia com uma vantagem muito maior à que ele realmente havia tido sobre Lula no debate promovido na véspera por um pool entre as TVs Globo, Manchete, SBT e Bandeirantes.

‘Eu tinha um diretor chamado Alberico de Sousa Cruz que, à minha revelia, juntamente com um editor chamado Ronald de Carvalho, deformou a edição que nós tínhamos exibido no jornal Hoje, versão inclusive aprovada por João Roberto Marinho’, diz Armando Nogueira, que na época era o diretor da Central Globo de Jornalismo (CGJ). ‘Eu tive uma conversa com o Dr. Roberto (Marinho) em que eu lastimei que a gente tivesse dado aos nossos detratores elementos para nos condenar’, continua Nogueira em seu depoimento no livro.

Diretora-executiva da CGJ na época, Alice-Maria também acusa Sousa Cruz de ser o responsável pela edição, assim como o fazem quase todos os demais envolvidos (menos Ronald de Carvalho, então editor de Política, apontado como co-autor do trabalho pelos colegas). ‘O Ronald de Carvalho disse textualmente: ‘É para fazer uma edição com o pior do Lula e o melhor do Collor’ (…) Foi uma edição manipulada’, fala Octávio Tostes, então editor de texto.

Alberico nega que tenha participado da operação: ‘Vi a edição no ar’. Se o episódio de fato manchou a história do jornalismo da Globo, como diz Tostes em seu depoimento, por que justamente Alberico e Ronald foram promovidos três meses após o incidente? Por que Nogueira e Alice-Maria deixaram seus cargos, após 24 anos de casa? O livro não diz. Essa é a pergunta que o próprio Alberico também faz, em sua defesa: ‘Quem é que saiu da Globo por não concordar com o debate?’

Segundo João Roberto Marinho, vice-presidente das Organizações Globo, ‘nada nos causa mais indignação, a nós da família, do que a insinuação de que a edição do debate resultou de acordos espúrios’.

Mea-culpa – O livro não conta, mas em 2000, quando a Globo exibiu especiais em tributo aos 50 anos da TV brasileira, um deles resgatou o caso da edição do debate. Nele, a própria cúpula do PT já não responsabilizava o episódio por sua derrota nas urnas. Endossava que a edição foi desequilibrada, mas admitia que o candidato havia de fato se saído mal no encontro com Collor.

O resultado daquela experiência foi evidente na última eleição presidencial, a primeira desde 89 a ter segundo turno. O debate promovido pela Globo entre José Serra e Lula não teve edição nos noticiários da emissora.

Em 1995, a Globo trocou Alberico por Evandro Carlos de Andrade, então diretor de redação do jornal O Globo, numa mudança que o livro também não explica.

Mais claras que as respostas em torno do debate são as conclusões sobre os erros que levaram a Globo a ser acusada de manipular as eleições para o governo do Rio em 1982 – o caso Proconsult/Brizola – e sobre as Diretas Já.

Vice-presidente de Operações na época, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, explica que a pressão dos militares para conter o entusiasmo em torno da campanha que pedia eleições diretas para presidente eram intensas, incluindo ameaças de cassar a concessão do canal: ‘Naquele momento, a pressão sobre Roberto Marinho foi intensa. Foi uma frustração (…) não poder fazer a cobertura de maneira adequada. Nós ficamos limitados pelo poder de audiência que a TV Globo tinha.’

Há tantos outros episódios relacionados à repressão e detalhes de bastidores que dão ao leitor-telespectador do JN a certeza de que sua estrutura é muito mais complexa do que aparentam os 40 minutos diários vistos na tela. Você saberá, por exemplo, como Roberto Cabrini rastreou o paradeiro do então fugitivo Paulo César Farias, em 93; como Pedro Bial reparou na expressão de Ayrton Senna no boxe da Williams, pouco antes daquela curva de Tamburello, em 94; como William Bonner se deixou engasgar de emoção ao noticiar a morte do patrão, Roberto Marinho; ou por que o nascimento de Sasha mereceu tão longos minutos no principal jornal do País.

Se o conteúdo foi mudando em ritmo de abertura lenta e gradual, o avanço tecnológico deu sua cara a tapa, ano a ano. Acostumadas a ver cenas em tempo real que se passam do outro lado do planeta, as novas gerações mal sabem que um dia as reportagens eram registradas em filme – cada rolo só registrava 12 minutos de imagem – que consumia cerca de 40 minutos para ser revelado.

Os 35 anos do JN também incluem o lançamento de um DVD com dois discos que totalizam 300 minutos, reunindo séries especiais e reportagens apresentadas pelo noticiário nos últimos anos, um dia no expediente do noticiário e um talk show com Bonner e Fátima, Cid Moreira, Sérgio Chapelin e Léo Batista.

Mais: imagens do primeiro Jornal Nacional, que foi ao ar no em 1.º de setembro de 1969.’



Veja

‘Jornal Nacional’, in Cartas, copyright Veja, 7/09/04

‘Quero registrar minha repulsa às declarações de Armando Nogueira sobre a edição do debate Collor x Lula. Mentiroso, ele não tem autoridade moral para me acusar de nada (‘A guerra atrás das câmeras’, 1º de setembro). Na verdade, o que Armando pretende é desviar o foco da discussão sobre a história do JN, para que não venha à luz a participação dele, como diretor de jornalismo da Globo, no período da ditadura. Sei que essas lembranças dos ‘tempos de chumbo’ atormentam a consciência dele. Esclareço que os dois episódios que provocaram críticas e polêmicas – cobertura da campanha das diretas e edição do debate – não aconteceram no período em que dirigi a Central Globo de Jornalismo. E reafirmo: não participei da edição do debate Collor x Lula.

Alberico de Sousa Cruz Rio de Janeiro, RJ

Sobre minha participação na edição do último debate da campanha presidencial de 1989, exibida no Jornal Nacional, gostaria de fazer três observações. No depoimento que dei para o livro Jornal Nacional – A Notícia Faz História, assumi a responsabilidade parcial pela edição. Tendo recebido ordens dos então editor de política e diretor de telejornais de rede, Ronald de Carvalho e Alberico de Souza Cruz, eu poderia simplesmente me eximir, alegando tais determinações superiores. Mas não seria honesto. Todo jornalista deve ser responsável pelo que publica ou transmite. Não agi à revelia, mas sob o comando de dois dos meus superiores, como a revista informa. Ronald e Alberico é que agiram à revelia dos diretores da Central Globo de Jornalismo, seus superiores, Alice-Maria e Armando Nogueira.

Octavio Tostes São Paulo, SP

VEJA atribui a funcionários antigos da Globo a afirmação de que fui transferido de sede na Copa de 1978 porque tinha dificuldade de pronunciar o nome da cidade de Rosário. Não é verdade. Fiquei na subsede, com meu sotaque nordestino, até o final. Só fui para Buenos Aires no jogo de decisão da Copa, quando a sede de Rosário já estava desativada. Mantive sempre o meu sotaque de origem sertaneja, na Argentina, nas outras três Copas de cujas coberturas participei pela Globo e em mais de 2.000 reportagens que fiz nos cinco continentes.

Francisco José, Repórter da Globo, Recife, PE’



O Globo

‘E assim se passaram 35 anos’, copyright O Globo, 3/09/04

‘Sentado na bancada do ‘Jornal Nacional’, com um copo de uísque na mão e um cigarro na outra, o cartunista Chico Caruso lê as notícias. Ao seu lado, a jornalista e apresentadora Fátima Bernardes. Não, o pessoal da TV Globo não enlouqueceu – e nem o Chico vai ocupar o lugar de William Bonner. Era apenas uma festa – e que festa – para comemorar os 35 anos do jornal mais importante da TV brasileira. Como cenário, no Jockey Clube, quarta-feira à noite, foi montada uma réplica da mítica bancada do JN que fica no estúdio da TV Globo no Jardim Botânico. Pacientemente, Fátima Bernardes se dispôs a atender aos apelos de colegas e convidados que queriam aparecer numa foto a seu lado como se estivessem no JN.

O elenco da festa reuniu quase todos os apresentadores, titulares e substitutos, que já passaram pelo JN, a começar do mais famoso deles, Cid Moreira, e os principais jornalistas que trabalham por trás das câmeras. Houve só algumas baixas como, por exemplo, Ana Paula Padrão (que na hora apresentava o ‘Jornal da Globo’) e Lilian Witte Fibe (que não compareceu).

Durante a festa, que marcou também o lançamento do livro, da editora Zahar, com a história dos 35 anos do JN, foi apresentado um vídeo que arrancou risos e lágrimas dos jornalistas da Globo. Nele, Cid Moreira contou, por exemplo, o dia em que ficou preso num engarrafamento voltando de Itaipava, por causa da chuva, e chegou tão atrasado na emissora que foi obrigado a apresentar o ‘Jornal Nacional’ de bermudas, embora vestido de paletó e gravata.

Em discurso, William Bonner brincou com o fato de ter passado o dia recebendo cumprimentos embora tenha muito menos tempo de bancada do que outros que por ali passaram, como o próprio Cid: ‘Acho que me dão os parabéns por eu não ter destruído o jornal’, ironizou.’

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‘Trechos do livro ‘Jornal Nacional: a notícia faz história’, copyright O Globo, 1/09/04

‘A EDIÇÃO DO DEBATE COLLOR X LULA

Armando Nogueira (então diretor da CGJ): ‘O episódio representou uma deslealdade de um escalão abaixo da minha direção. Eu tinha um diretor chamado Alberico de Souza Cruz, que, à minha revelia, juntamente com um editor chamado Ronald de Carvalho, deformou a edição que nós tínhamos exibido no jornal ‘Hoje’.’

Alberico de Souza Cruz (então diretor de telejornais): ‘A edição refletiu o que tinha acontecido durante o debate. Ela é prejudicial ao Lula do ponto de vista de notícia? É, porque o Lula foi muito mal no debate! (…) Concordo plenamente com aquela edição. Só digo uma coisa: eu não tenho nenhuma responsabilidade sobre ela’.

Alice-Maria (então diretora executiva da CGJ): (Alberico) disse para o Armando que tinha visto a edição do ‘Hoje’ e achou que a gente não tinha dado a dimensão exata, que era preciso fazer uma edição maior para o ‘Jornal Nacional’. Queria acrescentar umas falas. O Armando concordou e frisou que a nova versão tinha que ser igualmente isenta. (…) A matéria do ‘JN’ não tinha nada a ver com a do ‘Hoje’. O Alberico ignorara a orientação que recebera.’

AS DIRETAS JÁ

Antônio Brito (então editor regional de Brasília): ‘É verdade que a cobertura das televisões e da Globo sobre a campanha das Diretas foi mais tímida que a cobertura das revistas e dos jornais? Sim, é verdade. Mas (…) poderia ser a cobertura da televisão tão quente ou mais quente que a dos jornais e das revistas? (…) Não. Porque a forma como o regime moribundo vigiava, controlava e pressionava um veículo de 40 milhões ou de 50 milhões de espectadores era diferente da forma como controlova outros veículos.’

Armando Nogueira: ‘Claro que não convinha para o Palácio do Planalto que órgãos de comunicação, particularmente a Globo, dessem exposição a um movimento que pretendia exatamente ir contra os interesses do poder dominante. Portanto, vocês podem imaginar as pressões que a alta direção da empresa e, por conseqüência, nós, a corporação, sofremos.’

O CASO PROCONSULT

Armando Nogueira: ‘A cobertura da Rede Globo nas eleições de 1982 passou para a História de uma maneira deformada (…). Essa história começa num erro estratégico da própria Rede Globo.’

Evandro Carlos de Andrade (então diretor de redação do GLOBO): ‘Eu acredito, sem prova alguma, que a Proconsult serviria a algum plano do SNI de falsificar o resultado da eleição. Mas insisto que as Organizações Globo nada tiveram a ver com essa conspiração, caso ela tenha existido.’

Alberico de Souza Cruz (então um dos responsáveis pela Editoria de Números da Globo): ‘Esse trabalho era conjunto (a TV e o jornal). Foi a primeira bobagem que nós fizemos, porque as necessidades de cada veículo eram diferentes. (…) A Globo nem tinha conhecimento do complô que existia contra o Brizola. Hoje, eu estou convencido de que existia um complô.’’

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‘Episódios marcados pela polêmica’, copyright O Globo, 1/09/04

Três episódios ocupam boas páginas de ‘Jornal Nacional: a notícia faz história’. O caso Proconsult, as Diretas Já e a edição do debate entre Collor e Lula, em 1989, motivam uma autocrítica, que transparece no livro de forma reveladora.

A questão do debate presidencial ocupa 16 páginas. Na época, a Globo foi acusada de ter favorecido o candidato do PRN, por conta da edição do debate entre os dois candidatos levada ao ar no ‘Jornal Nacional’ – mais cedo, tinha sido exibida uma edição no jornal ‘Hoje’ que não provocou maiores polêmicas. O PT chegou a mover uma ação contra a emissora no Tribunal Superior Eleitoral, atores da Globo protestaram contra a edição e o próprio Boni chegou a dizer que as imagens foram favoráveis a Collor.

No livro, Boni diz: ‘O Collor – Armando Nogueira expressa isso claramente – ganhou o debate do Lula de 3 x 2 e na edição que foi ao ar no ‘JN’ ganhou de 3 x 1. Tiraram um gol do Lula. Esta é a questão: proporção.’ João Roberto Marinho, vice-presidente das Organizações Globo, conta que o assunto, pela repercussão que teve, sempre foi tema de discussão interna. ‘Depois desses anos todos, eu acredito que as duas edições estavam erradas: uma exagerou para um lado e a outra ficou aquém para o outro. De qualquer forma, eu debito os dois erros à inexperiência de todos nós na época. É preciso sempre ter em mente que aquela era a primeira eleição para presidente na era da televisão de massa.’

Diz o livro: ‘Hoje, João Roberto Marinho faz um balanço do episódio. Ele admite que a edição do debate provocou um inequívoco dano à imagem da TV Globo: ‘Foi um momento muito duro para nós. Porque nós temos a convicção de que tínhamos feito um trabalho excepcional a campanha inteira, um trabalho isento, procurando ajudar o eleitor a fazer as suas escolhas. (…) E, de um momento para o outro, por causa dessa diferença das edições, aquilo tudo foi por água abaixo. (…) É frustrante’.’

Versões conflitantes para a edição do debate de 1989

Hoje a Globo adota como norma não editar debates. O livro reproduz depoimentos de todos os envolvidos no episódio. As versões são conflitantes. Armando Nogueira, então diretor da Central Globo de Jornalismo (CGJ), põe a culpa em Alberico de Souza Cruz, na época diretor de telejornais de rede: ‘Foi má-fé do Alberico, que servia não à empresa, mas servia ao Collor.’ Alice-Maria, então diretora-executiva da CGJ, confirma e conta que Alberico ignorou a orientação que recebeu de fazer uma edição isenta. Alberico nega e diz que não tem responsabilidade nenhuma sobre a edição.

O então editor de Política, Ronald de Carvalho, exime Alberico de culpa e garante que ele foi o único responsável pela edição, no que é contestado por Octavio Tostes, na época editor de texto do ‘JN’: ‘Eu fiz a edição, seguindo as ordens dele ( Ronald ) e do Alberico. A edição mancha a história da Globo e, em escala muito menor, mas gravíssima no nível individual, é uma nódoa na minha carreira.’

Outra momento difícil aconteceu nas Diretas Já, em que a emissora foi acusada de ter ignorado o movimento. Em 16 páginas, o livro recompõe o episódio, mostrando que, num primeiro momento, as manifestações de fato não entraram nos noticiários da rede. O jornalista Roberto Marinho, em reportagem na revista ‘Veja’, explicou: ‘Achamos que os comícios pró-diretas poderiam representar um fator de inquietação nacional e, por isso, realizamos num primeiro momento apenas reportagens regionais. Mas a paixão popular foi tamanha que resolvemos tratar o assunto em rede nacional.’

A Globo foi criticada porque teria omitido que o primeiro grande comício, na Praça da Sé, em São Paulo, era uma manifestação pelas Diretas. A origem da confusão, diz o livro, está na chamada do ‘JN’, lida pelo apresentador Marcos Hummel: ‘Festa em São Paulo. A cidade comemorou seus 430 anos com mais de 500 solenidades. A maior foi um comício na Praça da Sé.’ Mas a reportagem de Ernesto Paglia relatava depois que o objetivo do evento era pedir eleições diretas para presidente e citava o discurso de encerramento do governador de São Paulo, Franco Montoro: ‘Houve a anistia, houve a censura, o fim da tortura; mas é preciso conquistar o fundo do poder que é a Presidência da República.’

O livro narra as pressões dos militares para que a Globo não cobrisse as manifestações, com ameaças até de retirar a concessão para o funcionamento da emissora. No dia em que a Globo transmitiu o comício na Candelária – o assunto ocupou nove minutos do ‘JN’ e invadiu a novela das oito – um helicóptero do Exército sobrevoou de maneira ameaçadora a sede da emissora, postando-se, como conta o livro, na altura da janela da sala do então vice-presidente executivo, Roberto Irineu Marinho, que lembra: ‘Dentro do helicóptero estavam, além do piloto e do co-piloto, alguns militares fardados e uma metralhadora apontada para nós. Ali ficaram parados por alguns infindáveis minutos e depois partiram.’

Opção por tom não-emocional no início das Diretas Já

O livro diz: ‘A população desejava, desde o início, que a Globo fizesse não uma cobertura, mas uma campanha pró-diretas de grandes dimensões. Desejava que a Globo se engajasse politicamente na luta por eleições diretas, que fosse não apenas a narradora comedida daqueles eventos, mas seu agente, seu fermento. O desencontro se deu quando a Globo, condicionada pelas circunstâncias históricas da época e por um jogo de pressões políticas muito forte, decidiu manter a cobertura, ao menos inicialmente, num tom não emocional, eqüidistante e comedido.’

O terceiro episódio polêmico – retratado no livro em 11 páginas – ficou conhecido como o Escândalo da Proconsult. Nas eleições para o governo do Estado do Rio em 1982, a Proconsult foi a firma contratada para totalizar os votos. Na época, o senador Saturnino Braga afirmou que a empresa, com o apoio das Organizações Globo, estaria manipulando a apuração da eleição para prejudicar o candidato do PDT, Leonel Brizola, e favorecer Moreira Franco, do PDS.

O livro mostra que o ‘Jornal do Brasil’ utilizava os números da Rádio JB, que contabilizava apenas as majoritárias (os votos para governador, prefeito e senadores), o que dava agilidade ao seu noticiário. A Globo divulgava os números do jornal O GLOBO, ‘que vinha processando lentamente os dados eleitorais, pois acompanhava detalhadamente a apuração dos pleitos majoritários e proporcionais (deputados federais, deputados estaduais e vereadores), um volume enorme de informação que demandava muito tempo dos computadores de então. Outro motivo para lentidão era que O GLOBO montara o seu esquema preocupado apenas com as suas necessidades industriais: como o jornal fechava apenas à noite, não havia porque fazer totalizações constantes ao longo do dia. Com isso, os números que a TV Globo divulgava estavam defasados em relação aos da Rádio JB’.

Diz Armando Nogueira que, quando a emissora resolveu cobrir as eleições, ficou decidido que, ‘por questão de economia’, iria ser feita uma cobertura atrelada ao jornal. Mas, como as necessidades dos dois veículos eram diferentes, os números divulgados pela Globo ficavam ‘barbaramente atrasados’.’